Acórdão nº 1552/14.3BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório F..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 04.12.2018, que julgou improcedente a ação administrativa especial, por si intentada contra o Ministério da Administração Interna, através da qual pretendia a anulação do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (SEAMAI), de 19.12.2013, aposto no Parecer n.º 994-MM/13, de 26.11.2013, pela Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso, que veio negar provimento ao recurso hierárquico que havia interposto contra o despacho de 30.04.2013, do Tenente-General 2.° Comandante-Geral, por sua vez, aposto na Informação Complementar n.° 791/13 da Direção de Justiça e Disciplina da GNR, no sentido de ser «(...) mantida a decisão proferida pelo despacho, datado de 31 de janeiro de 2013, do Exmo. Tenente-General 2.° Comando- Geral, por delegação, exarado na Informação n.° 118/13, de 22 de janeiro de 2013, da Direção de Justiça e Disciplina, no qual foi declarada a impossibilidade legal de apreciação do requerimento apresentado pelo militar, por Incompetência absoluta, do Exmo. Tenente General Comandante Geral, para decidir sobre o objeto do mesmo, atendendo a que a entidade competente em razão da matéria, por força do n.° 1 do art. 26.° do Decreto-lei n.° 503/99, de 20 NOV, é o Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais do Instituto de Segurança Social, I.P., por extinção do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais.» Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 376 e ss., ref. SITAF: «(…) I. O recorrente, militar da GNR, contraiu grave doença neurológica que lhe tem sido unanimemente diagnosticada, mesmo pelos médicos e juntas médicas castrenses.

  1. Pediu em juízo que o comando da GNR transmitisse à CNPCRP que o recorrente padecia da doença em questão, com nota de contraída em serviço.

  2. E que na GNR fosse aberto o processo adequado para qualificação e estimativa das consequências desta doença profissional que o recorrente contraiu em serviço e por causa dele.

  3. Com efeito, segundo o artigo científico publicado em revista da especialidade com peer review, na verdade, a doença contraída pelo recorrente decorria de largos anos de serviço em pé e de esforços máximos de despensa e cozinha que levou a cabo como cozinheiro militar, para cerca de 400 comensais diários.

  4. Ao mesmo tempo, promoveu a junção aos autos de pareceres médico-legais do IML e da senhora Dra. M..., especialista em medicina do trabalho: convergiram em que os esforços da profissão de cozinheiro, que era a do recorrente, são razão de agravamento da doença.

  5. Mais além, o parecer da ilustre clínica pronunciou-se, sem hesitações, no sentido de o recorrente, perante a doença dada, sofrer de doença profissional.

  6. Não obstante estes dados, no julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo não deu como provada a relação causa/efeito entre o desempenho profissional do recorrente e a doença contraída e em causa.

  7. Trata-se, na opinião do recorrente, de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto não só estes dois pareceres médico-legais, a que acima se referiu, são base bastante para resposta “provado” ao quesito transcrito na sentença recorrida sob 1) - matéria não provada.

  8. Como os motivos do julgamento negativo que foram à sentença recorrida não poderem ter valor.

  9. Com efeito, o Tribunal desvalorizou o parecer da senhora Dra. M... por não ser médica especialista, segundo sugeriu, mas contra a evidência de se tratar de uma médica do trabalho, por conseguinte, ungida na especialidade mais do que própria à pronúncia sobre o assunto de se estar, afinal, na presença de uma doença adquirida no desempenho profissional.

  10. E desvalorizou também o artigo científico junto com a petição inicial, publicado na revista de neurologia de Barcelona, com o pretexto de nada poder saber sobre o mérito da publicação e do seu autor.

  11. Contudo, a dita revista é uma publicação científica de referência, sujeita a peer review e órgão de importantes sociedades de neurologia espanholas.

  12. Entretanto, sobre o autor a revista publicou-lhe a biografia científica de relevo.

  13. Todos estes casos envolvem factos notórios, desnecessários às alegações de parte, mas do conhecimento oficioso judicial (art.° 5.°/2/c e 412.°/1 do CPC).

  14. E são bastantes para alterar a resposta “não provado”, quer ao quesito transcrito para 1) do título matéria não provada da sentença recorrida, quer, do mesmo modo, quanto ao que ficou transcrito em 2), no mesmo passo.

  15. Assim, a sentença recorrida deve ser reformada quanto ao julgamento da matéria de facto, visto o art.° 662.°/1 do CPC.

  16. E, na sequência, nomeadamente seguindo-se o raciocínio fundamentador da recorrida, deve a sentença do Tribunal a quo ser substituída por provimento do pedido.».

    O Recorrido Ministério da Administração Interna, apresentou as suas contra-alegações, defendendo, em suma, o seguinte – cfr. fls. 406 e ss., ref. SITAF: «(…) 3. Tal como é referido na Douta Sentença “(…) para dar início a um procedimento que tenha em vista a futura declaração de uma doença profissional (competência que cabe em exclusivo ao CNPDP), é indispensável, à luz da lei, o prévio estabelecimento de um nexo de causalidade, de índole puramente factual e naturalística, entre o conteúdo funcional de uma certa profissão e uma determinada doença previamente (…)”cfr. artigos 25.° a 28.° do Decreto- Lei n.° 503/99, de 2001.

    1. O que nunca se verificou no caso do Recorrente, antes pelo contrário, a informação prestada pelo Diretor da Direção de Saúde e Assistência na Doença da GNR, tal como melhor consta dos autos, foi no sentido de que: “(…) nenhuma das patologias descritas é consequência direta e necessária da atividade de cozinheiro’ “(…) não existe no quadro clínico do militar nada que configure um eventual pressuposto de doença profissional - “(…) a fundamentação para o não envio do militar ao Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais é a de que se trata de um caso inequívoco de doença natural, portanto não abrangida nos pressupostos determinantes para ser considerada uma situação de doença profissional (…)” 5. Diagnóstico este que foi corroborado pelo exame médico-legal a que o Recorrente foi submetido, a seu pedido, no Instituto de Medicina Legal, onde se concluiu que “(…) os esforços da profissão de cozinheiro, não tendo sido a causa original das alterações clinicas presentes, são razão do agravamento da doença (…)” 6. Não obstante o Recorrente ter junto dois documentos de teor médico onde a relação causa-efeito entre as doenças do Recorrente e o exercício de funções profissionais como cozinheiro foi expressamente estabelecida, contrariando os Relatórios já existentes, 7. O Relatório pericial do IML, enquanto laboratório oficial, mereceu por parte do Tribunal um juízo de reputação e credibilidade cientifica acrescidos, tendo o mesmo sido decisivo para a formação da sua convicção.

    2. Ora, não existindo um inequívoco nexo de causalidade entre a atividade profissional e a doença do Recorrente, e não tendo o Recorrente lograr demonstrar o contrário, não poderiam os médicos que o avaliaram, sob pena de violação de lei, ter veiculado ao CNPCRP o impresso destinado à abertura de processo nem o Douto Tribunal ter deferido a sua pretensão.

    3. Assim, e uma vez que a prova junta pelo Recorrente, tal como foi demonstrado à saciedade na Douta Sentença Recorrida, não foi suficiente para abalar a prova existente nos autos, outra não poderia ter sido a decisão senão a de indeferimento da pretensão do Recorrente. (…)».

    Neste tribunal, a DMMP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

    Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

  17. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como não provada e do consequente erro de julgamento quanto à matéria de direito ao não ter anulado o despacho de 19.01.2013, do SEAMAI, por vício de violação de lei.

  18. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: «(…) A) Em 1993, o A. ingressou na Guarda Nacional Republicana (cfr. fls. 80 do PA junto aos autos); B) Em 2004, o A. foi diagnosticado com Síndrome do Túnel Cárpico direito, tendo, nessa sequência, sido submetido a uma operação cirúrgica no Centro Clínico da GNR (cfr. fls. 73 e 175 do PA junto aos autos); C) Em 16.03.2011, o A. foi diagnosticado por uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), com “Artroses rádio-cárpica e médio-cárpica. Lesões degenerativas astrágalo-calcaneanas bilaterais'’", em face do que foi considerado “Parcialmente apto, com dispensa de esforços físicos por um período de 180 dias findos os quais volta à JSS com relatório médico actualizado.” (cfr. doc. a fls. 76 do PA junto aos autos); D) Em 14.06.2011, na sequência de observação por um médico assistente do Hospital de Sant’Ana, o A. foi diagnosticado com “(...) Poliartrite crónica, evolutiva, destrutiva de etiologia não esclarecida, mas eventualmente uma Artrite Reumatóide.

    Apresenta destruições articulares marcadas ao nível do punho e pés, com marcada incapacidade funcional e fundo doloroso permanente.

    Está medicado, mas carece de vigilância reumatológica e terapêutica contínuas.” (cfr. “Relatório Reumatológico”, a fls. 70 do PA junto aos autos); E) Em 14.09.2011, na sequência de observação por uma Junta Superior de Saúde do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), o A. foi diagnosticado com “Poliartrite crónica"", na sequência do que foi determinada a sua “Convalescença no domicílio por 60 dias findos os quais volta à JSS com...

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