Acórdão nº 00260/12.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | Celeste Oliveira |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto, em 08/06/2020, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por H.
, relativa à liquidação adicional de IRS do ano de 2008, apresentou recurso onde formulou as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a presente impugnação intentada pelo impugnante, aqui recorrido, H.
, NIF (…) e, em consequência, anulou a liquidação de IRS nº 2011 5005147162, relativa ao ano de 2008, no valor de €2.940,38 que deu origem à nota de compensação nº 2011 00001794551 no montante de € 5.575,22.
-
As correções aqui em crise decorrem da desconsideração das despesas resultantes das faturas emitidas pela sociedade D., Lda, indicadas no acervo probatório, pontos A) a D), tendo os serviços de Inspeção Tributária considerado que aquelas não corresponderam a efetivas prestações de serviços, pelo que não podiam ser aceites como despesas nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS.
-
Considerando que a AT atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, incumbe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua atuação, recaindo sobre esta o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as despesas declaradas pelo Impugnante, no caso, a falta de materialidade dos serviços correspondentes às faturas em causa nos presentes autos.
-
Atendendo ao princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, a factualidade recolhida pela AT tem de ser capaz de abalar a presunção de veracidade das operações constantes na declaração do sujeito passivo de imposto. Isto porque, nos termos do que dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, deixa de se verificar a presunção de veracidade quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
-
Quando está em causa, como é o caso, a correção de liquidações por desconsideração de despesas documentadas por faturas reputadas de “falsas”, tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime e sólido que, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas faturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
-
Porém, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à AT a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que refletem, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade declarativa, a favor do contribuinte, pelo que não é necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil.
-
Assim, realizada a prova por parte da AT dos pressupostos fáctico - jurídicos, recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus da prova da veracidade das referidas faturas.
-
Entendeu o Tribunal a quo que, no caso em concreto, em face das regras relativas à repartição do ónus da prova resultantes do disposto no art.º 74º da LGT, a Administração Tributária não carreou indícios sérios de falsidade das faturas utilizadas pelo impugnante, não cumprindo o seu ónus probatório.
I. Todavia, contrariamente ao sentenciado, atenta a factualidade apurada e devidamente explanada no relatório de inspeção, é convicção da Fazenda Pública terem sido reunidos factos idóneos e bastantes para se concluir que as visadas faturas não reportam custos correspondentes a operações reais J. Com efeito, do conspecto da factualidade subjacente ao relatório dos SIT, extraem-se os seguintes indícios de simulação: inexistência de orçamentos, contratos dos serviços prestados, autos de medição, solicitados ao impugnante; a sociedade emitente das faturas, D., Lda., encontra-se coletada para o exercício de outras atividades de serviço de apoio às empresas, CAE 082990; de acordo com os registos da base de dados do sistema informático da Administração Tributária, no exercício de 2007, a sociedade emitente das faturas declarou aquisições nas áreas de publicidade, cabeleireiro e fabrico de mobiliário de madeira num total de € 181.827,00; da declaração anual da sociedade D., Lda., anexos O e P do ano de 2008, não consta qualquer informação respeitante a compras ou aquisição de serviços; nos exercícios de 2007 e 2008 a sociedade somente tinha ao seu serviço uma trabalhadora dependente, empregada de escritório; inacessibilidade à contabilidade da sociedade D., Lda., por o sócio–gerente desta sociedade não ter remetido qualquer dos documentos que lhe foram solicitados pela AT; as fotocópias dos cheques apresentados pelo impugnante como tendo sido utilizados para pagamento das faturas em causa foram emitidos pela irmã do Impugnante, casada com o sócio gerente da sociedade emitente das faturas e apresentam data de validade ultrapassada, apesar de terem sido movimentados no banco.
-
No que se refere aos indícios, estes podem ser recolhidos tanto na esfera material e económica do utilizador das faturas (o impugnante) como também na esfera de quem as emite. Ou seja, a constatação dos indícios de falsidade das faturas poderá ser efetuada em ambos os sujeitos das operações económicas, devendo, inclusive, direcionar-se preferencialmente ao emitente das faturas.
L. Obviamente, em casos do género, situando-se a origem da emissão das questionadas faturas nesse outrem, com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, a objetiva dos serviços de inspeção tem, necessária e primeiramente, que direcionar-se para os concretos moldes em que o emitente das faturas atuou, procurando conferir a veracidade, a realidade, das operações que este inscreveu em tais documentos. Ou seja, desde logo, a atuação de um emitente de fatura, que se revele incompatível com a prestação de serviços ou venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia um suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efetiva prestação desses mesmos serviços ou à venda dessas mercadorias. Seria ilógico que dessa forma não se procedesse.
-
No caso de a mesma redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transações fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro2.
-
A AT enunciou diversos factos indiciários que, em seu entender, são demonstrativos de que o emitente das faturas em causa nos autos não prestou os serviços a que estas se referem.
-
Na verdade, atento o escopo da sociedade emitente e o quadro de pessoal àquela afeta, não resulta a possibilidade da realização dos serviços descritos nas faturas. Da declaração anual apresentada (anexos O e P) não decorre que a sociedade emitente tenha subcontratado pessoal para a prestação dos sobreditos serviços e/ou que tenha adquirido os materiais necessários à sua realização, sendo certo que nos exercícios de 2007 e 2008 a D. só tinha ao seu serviço uma trabalhadora dependente (empregada de escritório) P. Não se pode descurar que a D. - cujo único sócio gerente, P. era, à data, casado com L. – estava coletada pela atividade de “Outras Atividades Serviços de Apoio Prestado às Empresas”, sendo que, conforme consta do RIT, no “site” publicitário de apresentação da empresa, esta, acusa, a título de atividade desenvolvida, a de decoração de interiores e exteriores e gestão de espaços publicitários, de natureza discrepante da refletida pelas faturas.
-
Acresce que, não existem orçamentos, contratos ou autos de medição de execução de tais obras, ou qualquer outro documento, para além das referidas faturas. Ainda que a inexistência de tais documentos se devesse a uma relação de confiança entre o sócio gerente da sociedade emitente e o aqui impugnante, mesmo constando das faturas os locais das obras e discriminados os tipos de trabalhos executados, como refere a douta sentença, a verdade é que todas as faturas titulam apenas serviços prestados, e já não a aquisição dos materiais necessários para a execução desses mesmos serviços, não sendo sequer plausível que tais serviços ascendessem a montantes tão elevados.
-
O facto de o sócio gerente da sociedade emitente das faturas, após notificação para o efeito, não ter remetido à inspeção tributária qualquer dos documentos que lhe foram solicitados pela Administração Tributária, relacionados com a contabilidade da sociedade, ainda que isoladamente não constitua um indício de falta de veracidade dos referidos serviços, a verdade é que, articulado com os demais indícios assume relevância, compreendendo-se tal atitude atendendo aos procedimentos inspetivos desencadeados aos utilizadores das referidas faturas, concretamente aos seus cunhados (entre os quais o aqui recorrido), ao seu sogro (F.) e ao seu cônjuge (L.), com vista à comprovação das operações naquelas descritas.
-
As fotocópias dos cheques apresentados pelo impugnante como tendo sido utilizados para pagamento das faturas em causa foram emitidos pela irmã do Impugnante, casada com o sócio gerente da sociedade emitente das faturas e apresentam data de validade ultrapassada, apesar de terem sido movimentados no banco. É manifesto que esta relação familiar entre o gerente da sociedade emitente das faturas e a irmã do impugnante, emitente dos cheques, por si só não constitui um indício da falsidade dos serviços descritos nas faturas, contudo, atentos os demais indícios, dos quais se destacam a inexistência de orçamentos, contratos dos serviços prestados, autos de medição, o escopo da sociedade emitente e o quadro de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO