Acórdão nº 01286/12.3BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. MUNICÍPIO DE BRAGA, inconformado com o acórdão do TCA-Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Braga que julgara procedente a acção administrativa especial contra ele intentada por A…………, Lda, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: “1ª Com o presente recurso de revista pretende o Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, bem como obter pronúncia sobre uma questão de elevada relevância jurídica, cuja complexidade é significativa e não foi até agora exaustivamente tratada seja pela jurisprudência, seja pela doutrina 2ª A questão em causa encerra uma dupla vertente, quer na aplicação do enriquecimento sem causa às relações tributárias, quer - no cenário de se aplicar - ao conceito da subsidiariedade e interacção com conceitos e institutos específicos do direito administrativo e do direito tributário, pelo que a criação de uma posição jurisprudencial sobre esta temática também fundamenta o recurso em causa.

  1. O Recorrente considera que o acórdão recorrido violou normas de natureza substantiva.

  2. O presente recurso preenche os requisitos previstos no nº 1 e no nº 2 do artigo 150° do CPTA, pelo que se encontra em condições de ser recebido na apreciação liminar sumária prevista no nº 5 do mesmo normativo.

  3. O instituto do enriquecimento sem causa, oriundo do direito civil, não é compatível com o princípio da legalidade tributária, quer na vertente das garantias dos contribuintes que estão taxativamente previstas, quer nas regras de procedimento e processo tributário, igualmente taxativamente reguladas.

  4. A LGT e o CPPT não contêm qualquer menção ao uso do enriquecimento sem causa no âmbito das suas relações jurídicas, e nem mesmo o procedimento e processo administrativo o prevêem para as relações administrativas.

  5. Tratando-se o enriquecimento sem causa de uma válvula de escape do direito civil, tem o seu correspondente no direito tributário na figura da revisão do acto tributário, prevista no artigo 78° da LGT.

  6. Ao considerar que o enriquecimento sem causa é aplicável às relações jurídicas tributáveis incorreu o acórdão recorrido em erro de julgamento de direito, por efeito de violação do princípio da legalidade tributária e do artigo 8º/nºs. 1 e 2 e) da LGT e ainda do artigo 78º da LGT.

  7. Sem prescindir quanto ao anteriormente sustentado, caso se considere aplicável o enriquecimento sem causa às relações tributárias, considera o Recorrente que a subsidiariedade inerente a este instituto não se verifica “in casu”.

  8. Como resulta provado do facto V), a Recorrida, notificada do acto administrativo que autorizou a rectificação do alvará de loteamento mas indeferiu a devolução do montante da taxa paga em excesso, conformou-se com o decidido.

  9. Este acto administrativo que a Recorrida não impugnou consolidou-se na ordem jurídica, por ter decorrido mais de um ano da sua prática.

  10. A Recorrida tinha fundamentos legais para impugnar o acto e assim procurar obter ganho de causa na devolução do montante pago em excesso, mas por sua opção não o fez.

  11. Não é de conceder o enriquecimento sem causa a quem, por negligência ou opção, não usou dos direitos que o direito processual administrativo/tributário lhe confere.

  12. Não pode o enriquecimento sem causa derrogar o efeito de consolidação na ordem jurídica de um acto administrativo válido, sob pena de se violar princípio estruturante do direito administrativo e de se premiar conduta displicente, não sendo objectivo do legislador que criou o enriquecimento sem causa causar qualquer um destes efeitos.

  13. Ao não decidir no sentido ora defendido incorreu o acórdão recorrido em erro de julgamento de direito, concretamente do artigo 474º do CCiv., objecto de interpretação incorrecta.”.

A recorrida contra-alegou, tendo enunciado as conclusões seguintes: “1) No que concerne à admissão do presente recurso, ao abrigo do disposto no art.º 150º, nº 1, do CPTA, releva que as questões propostas pelo Recorrente, tal como configuradas pelo mesmo, não tenham sido, na verdade, objecto de apreciação nem decisão pelo douto Acórdão recorrido, que parte do pressuposto de que a relação jurídica controvertida não assume natureza tributária.

2) Assim, qualquer resposta à questão da aplicabilidade, às relações jurídicas tributárias, do instituto do enriquecimento sem causa, não irá contender com o sentido da decisão nem com os seus fundamentos, pelo que não deverá ser admitido o presente recurso de revista, por não se verificarem os requisitos da sua admissibilidade, a título excepcional, previstos no art.º 150º, nº 1, do CPTA.

3) Sem prescindir, sobre o mérito do presente recurso, caso se julgue o mesmo admissível, a decisão constante do douto Acórdão recorrido veio definir entre as partes, como se disse, não uma relação jurídica tributária, nomeadamente aquela que se extinguiu com o indeferimento do pedido de revisão do acto tributário - a liquidação da taxa de compensação - mas sim uma relação jurídica assente no instituto do enriquecimento sem causa, convocado para solucionar a situação de locupletamento injustificado do Recorrente que resultou de se ter tornado inaplicável, pelo decurso do tempo, o meio previsto no art.º 78º da LGT.

4) Assim, a imposição ao Recorrente da obrigação de restituir a parte da taxa de compensação paga em excesso, após a extinção da dita relação jurídica tributária, não representa qualquer tipo de invasão do instituto do enriquecimento sem causa ao procedimento e processo tributário, pelo que não coloca em causa o princípio da legalidade tributária, nem na vertente da criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nem da tipicidade das respectivas disciplinas legais, não se gerando qualquer conflito com o preceito contido na al. e) do nº 2 do art.º 8º da LGT.

5) Concordando as partes em que, dado o motivo que viciara a liquidação, e pelo decurso do tempo desse cálculo inicial, se tornara inacessível o meio próprio de revisão do acto tributário, jamais seria exigível à Recorrida que reagisse contra o acto administrativo de indeferimento do pedido de restituição que apresentou, visando a sua anulação por ilegalidade como pretende o Recorrente, quando nenhum vício lhe poderia imputado àquele acto, havendo consenso sobre a adequação e solidez dos respectivos fundamentos, que de resto se reconduzem a factos objectivos e indiscutíveis.

6) Resulta do exposto que a Recorrida ficou sem qualquer outro meio de obter a restituição do que pagou indevidamente ao Recorrente, uma vez que a taxa paga não corresponde à situação real...

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