Acórdão nº 117/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 117/2021

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente A. e é recorrida a Ordem dos Advogados, foi pelo primeiro interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal, em 29 de outubro de 2020 (identificado, por lapso, como acórdão proferido em 30 de outubro), que não admitiu o recurso de revista por si interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 17 de agosto de 2020 que, em ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, negou provimento ao recurso de apelação interposto da decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

2. Na Decisão Sumária n.º 748/2020, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 4. e ss.):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade dos recursos previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Assim, cumpre, antes de mais, decidir se é possível conhecer do seu objeto.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

5. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, a acórdão do STA proferido em 30/10/2020 que não admitiu o recurso de revista interposto pelo ora recorrente da precedente decisão proferida pelo TCAS (cf. supra, I, 1). Com efeito, o recurso de constitucionalidade foi admitido pelo STA (cf. artigo 76.º, n.º 1, da LTC), tendo a única decisão por este proferida nos autos, anteriormente à interposição do recurso de constitucionalidade, sido o mencionado acórdão de 30/10/2020.

6. Da leitura do requerimento de recurso de constitucionalidade resulta que este não contém todas as menções enunciadas no artigo 75.º-A, números 1 e 2, da LTC, os quais fixam os requisitos formais do requerimento de recurso de constitucionalidade, incluindo a norma (dimensão normativa) cuja constitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie – indicando o requerimento apenas a alínea ao abrigo da qual o presente recurso vem interposto (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC). Todavia, afigura-se que a formulação de um convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, se mostra inútil. Isto, já que, sendo possível identificar a norma que o recorrente erige como objeto do recurso a partir das «alegações» juntas ao requerimento de recurso, decorre com evidência dos autos que não se encontram preenchidos in casu vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Decorre dos autos que a alegada questão que o recorrente pretende ver apreciada é reportada à norma do artigo 150.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA), preceito que versa sobre os fundamentos do recurso revista (excecional) para o STA – a única, aliás, que foi aplicada pelo STA na decisão ora recorrida (cf. artigo 79.º-C da LTC) e que determinou, na sua aplicação ao caso dos autos, a rejeição do recurso de revista interposto pelo recorrente.

A questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada é assim enunciada pelo recorrente nas suas «alegações» (cf. conclusões, G):

«(…) existe uma manifesta má aplicação do teor do art. 150.º CPTA quando não confere a devida relevância jurídica ou importância para a aplicação do direito na temática em causa.».

E considera o recorrente existir por isso violação, além do mais, dos artigos 20.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição (cf. conclusões, em especial J a O).

7. Ora, assim fixado o objeto do recurso pelo recorrente, resulta com evidência dos autos que não se encontram preenchidos dois dos pressupostos, essenciais e cumulativos, dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como sucede in casu – o pressuposto relativo à dimensão normativa do objeto do recurso e o pressuposto relativo à suscitação prévia adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.

7.1 Decorre dos autos, desde logo, que o recorrente não cumpriu o ónus de prévia suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, como impõe o artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Com efeito, do teor das alegações de recurso de revista para o STA (cf. Conclusões a) a s)) – que se afigurava o momento processual adequado para o efeito – o recorrente não suscitou aí qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, incluindo aquela que ora pretende ver sindicada, reportada ao artigo 150.º do CPTA. Com efeito, aí o recorrente invoca «manifesta inconstitucionalidade» que imputa à falta de ato administrativo de nomeação (de advogado) cuja omissão impede, segundo o recorrente, o exercício do direito de acesso aos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição (cf. Conclusões, r) e s)) – o que não configura o cumprimento do ónus de prévia suscitação adequada. Assim, verifica-se que a questão que o recorrente ora pretende ver apreciada, tal como enunciada no requerimento de recurso de inconstitucionalidade (lido à luz das «Alegações» juntas ao requerimento), por referência ao artigo 150.º do CPTA, não foi aí suscitada, em termos que obstam irremediavelmente à admissibilidade do presente recurso.

7.2 Decorre igualmente do requerimento de recurso (lido à luz das «alegações» apresentadas pelo recorrente) que o presente recurso carece de objeto normativo idóneo. Isto já que aquilo que o recorrente pretende sindicar é o juízo subsuntivo efetuado pelo STA na decisão ora recorrida quanto ao preenchimento no caso dos autos, tendo em conta os seus concretos contornos, dos requisitos de que depende a admissibilidade do recurso de revista – matéria que manifestamente não constitui objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

No âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas, como se sabe, o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido apreciou a prova ou interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional. Não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo subsuntivo seguido nas instâncias, em face dos concretos elementos trazidos aos autos sub judice, para apreciar da justeza ou correção da decisão recorrida – essa é matéria de direito comum, para a qual são competentes os tribunais comuns.

Como é sabido, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais, sob pena de inadmissibilidade. Tal como lapidarmente se afirmou no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

Tanta basta igualmente para não se conhecer do objeto do recurso.

7.3 Acresce referir que ainda que o recorrente pretendesse sindicar outra norma infraconstitucional diversa do artigo 150.º do CPTA (nomeadamente o artigo que menciona nas alegações de recurso para o STA quando identifica a matéria de direito – cf. I, A)), o presente recurso de constitucionalidade não seria, em qualquer caso, admissível. Em primeiro lugar, do teor das alegações de recurso para...

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