Acórdão nº 120/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 120/2021

Processo n.º 1034/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No processo que corre os seus termos no Juízo Central Criminal de Lisboa com o número 5432/15.7TDLSB, o arguido A. (o ora recorrente) suscitou incidente de recusa do respetivo juiz titular. Relatou, em síntese, factos relativos a (alegadas) más relações entre a família do arguido e a do juiz titular, centradas, em boa parte, na pessoa do tio-avô do primeiro e na relação deste com o segundo e respetiva família.

1.1. O incidente prosseguiu os seus termos e culminou na prolação de acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 12/11/2020, no sentido do indeferimento do pedido de recusa. Consta dos fundamentos da decisão, designadamente, o seguinte:

“[…]

Analisado o requerimento de recusa formulado e tendo presentes os fundamentos legais e jurisprudenciais acima referidos, facilmente se conclui que o requerente não apresenta qualquer fundamento concretizado, apto a consubstanciar a existência do ‘motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade’ do Sr. Juiz visado.

Na verdade, o requerente limita-se a fundamentar a sua suspeição numa relação de eventual inimizade remota, entre a família do arguido, e a do próprio Juiz em causa, que o terá marcado de forma grave. Inimizade essa relatada pela comunicação social e em livro, conforme interpretação do próprio requerente.

Com efeito, toda a argumentação se funda em uma alegada ‘rivalidade’ entre famílias em tempos remotos, numa vivência aldeã. Não tão dramática como a conhecida rivalidade entre os Capuleto e os Montéquio retratados por Shakespeare, pretenderam as peças jornalísticas transmitir alguma dramatização, como é apanágio deste tipo de relatos (literários e jornalísticos), ao que percebemos da argumentação e documentos juntos. O que não entendemos foi quais os factos concretos que levam a perceber que o Sr Juiz […] possa dar a perceber que poderá exercer agora, anos passados, ‘represália’ sobre o arguido, em nome da sua família . Aliás se bem atendermos nos artigos 32, 33 e depois nos artigos 47 e 86 do requerimento de recusa, mais parece que o presente incidente foi dirigido a pessoa diversa daquela que se pretendia visar. Já que ali se evidencia não ter o Sr. Juiz visado, até ao momento praticado qualquer ato demonstrativo desse alegado ‘trauma familiar’. Então não o fez até agora e subitamente surge o receio de que o fará no futuro.

Todos sabemos o poder da comunicação social junto do cidadão, mas também sabemos que o cidadão medianamente sensato, inteligente e experiente sabe quando está perante uma notícia “crua” ou uma dramatização dessa mesma notícia.

Isto para dizer que não obstante as interpretações que se queiram dar às peças jornalísticas e literárias em causa, não é o conhecimento dessas interpretações que vão influenciar quem tem a capacidade e o poder de decidir. Se assim fosse, nos tempos atuais nenhum juiz escaparia a ser alvo de recusa. E, no caso, a menos que se considere que o Sr. Juiz […] se ‘move’ num quadro de ‘vingança familiar’ ‘que se serve fria’ (como se diz no cinema) e que o fez esperar vários anos para concretizar esses intentos, se poderá acreditar na sua parcialidade nas decisões que tomará ou tomou nos presentes autos. Como muito bem disse o arguido, a lei permite-lhe sindicar as decisões processuais de muitos meios, pelo que nada tem a temer sobre a imparcialidade de quem decide. O que não pode, é tentar escolher o magistrado, com fundamentos irrealísticos e fantasiosos perpetuados por opiniões e interpretações jornalísticas ou com intuitos meramente dilatórios. O que, naturalmente comportará consequências necessariamente absurdas para a boa administração da justiça, permitindo, no limite, que as partes pudessem escolher o juiz através desta estratégia.

Perante tudo o que ficou dito, é claro que nem sequer do ponto de vista da comunidade há o risco ou aparência do não reconhecimento público da imparcialidade e isenção do Sr. Juiz em questão.

Compreende-se, pois, a manifesta desnecessidade para a decisão de realizar quaisquer diligências de prova.

Assim, atento o articulado do pedido de recusa aqui em apreciação, o seu deferimento constituiria um grave atropelo às regras da competência e ao princípio do juiz natural.

Concluindo.

Inexiste, pois, motivo sério, grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Ex.mo Sr. Juiz titular do processo […], sendo, pois, manifesto que é infundado o pedido de recusa ora formulado .

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos – nos termos seguintes:

“[…]

Pede-se que o Tribunal Constitucional declare a seguinte inconstitucionalidade normativa que constituiu ratio decidendi do douto acórdão em apreço:

Inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 1, do CPP, por violação do artigo 20.º, n.º 4, e do artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o artigo 32.º, n.º 1, também da CRP (e, bem assim, por violação do artigo 10.º da Declaração Universal do Direitos do Homem e do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos , aplicáveis diretamente por força do artigo 8.º, n.º 2, e do artigo 16.º, ambos da CRP), quando interpretado restritivamente no sentido de que, para ser procedente uma recusa, O “[...] motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança [...]” sobre a imparcialidade do juiz, a que se refere o mencionado artigo 43.º, n.º 1, do CPP, tem necessariamente que ter sido revelado numa atuação concreta do juiz visado, no processo em causa, reveladora de falta de imparcialidade. Pois tal interpretação restritiva do artigo 43.º, n.º 1, do CPP diminui, intoleravelmente, as garantias de imparcialidade objetiva dos cidadãos arguidos em processo penal, já que permite que a comunidade duvide fundadamente da imparcialidade de um juiz num certo processo e, ainda assim, se o mantenha a intervir nesse processo.

A interpretação restritiva do artigo 43.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual seria condição sine qua non de atendibilidade de uma recusa a identificação dum ou mais atos concretos do Meritíssimo Juiz visado, que revelem falta de imparcialidade e que se pede que seja declarada inconstitucional, surgiu no presente processo, sem nunca antes ter sido sequer aventada (nem pelo Ministério Público, nem pelo Meritíssimo Juiz visado), na douta decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

E esta interpretação normativa inconstitucional do artigo 43.º, n.º 1, do CPP era razoavelmente impossível de prever, pois – que se saiba – jamais fora antes sustentada noutro processo e surgiu pela primeira vez neste processo em sede da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa de que ora se recorre.

Portanto não era possível nem exigível ter-se arguido antes esta inconstitucionalidade no decurso do processo, razão pela qual apenas agora se argui esta "inconstitucionalidade-surpresa" diretamente perante Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros.

Efetivamente, tal interpretação do artigo 43.º, n.º 1, do CPP é inclusivamente bem diversa da que foi feita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2001, que é citado no douto Acórdão recorrido e que foi proferido no processo n.º 2452/01, 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Pereira Madeira, pois, nesta, considera-se que a aferição da seriedade e gravidade do motivo é que "terão sempre de partir e ter como base visível e decisiva os concretos atos processuais praticados documentados e documentáveis na sua essência, por via da consulta do processo". Nesta frase está em causa a aferição do grau de seriedade e gravidade do motivo de que fala a lei – e citamos – "em função dos interesses coletivos, mormente do bom funcionamento das instituições em geral e da justiça em particular" E é o nível de afetação desses interesses coletivos que se há de buscar no processo (note-se que o Senhor Conselheiro Pereira Madeira nem se refere a atos do Juiz visado).

Já na interpretação sub judice feita no douto Acórdão recorrido o que se entende que é condição sine qua non de procedência da recusa são atos do Juiz visado, praticados no processo e eles mesmos parciais ou suscetíveis de poderem revelar parcialidade presente ou futura.

Constitui jurisprudência constante do Tribunal Constitucional – a partir dos seus acórdãos n.ºs 136/85 e 94/88 e, muito claramente, a partir do acórdão n.º 386/97 TC, proferido em 23 de maio de 1997, no processo 97-63, de que foi Relator o Conselheiro Ribeiro Mendes o seguinte;

‘Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da L.T.C., de acordo com a jurisprudência firmada, a questão de inconstitucionalidade de uma norma deve ser suscitada durante o processo, constituindo exceção a esta regra os casos 'anómalos' ou 'excecionais' em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa imprevista ou inesperada e sendo assim, poderá ocorrer uma dispensa daquele ónus de suscitação prévia da questão”’(sublinhado nosso).

É esse o caso da interpretação normativa inconstitucional, que subjazeu à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora se recorre, pelas razões que sumariamente se vão expor no presente requerimento e que melhor se exporão em alegações, quando for admitida a apresentação das mesmas.

2. A ratio decidendi do douto acórdão recorrido

In casu, o Tribunal a quo explicitou logo a sua decisão de julgar improcedente a...

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