Acórdão nº 0434/14.3BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 434/14.3BEALM Recorrente: “EDP - Distribuição, S.A.

” Recorrido: Município de Palmela 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada (adiante também denominada Impugnante e Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou procedente a impugnação judicial por ela deduzida contra os actos de liquidação de taxas de ocupação do espaço público, referentes ao ano de 2013.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª Na presente acção de impugnação judicial discute-se, essencialmente, se o acto de liquidação de taxas de ocupação do espaço público municipal de Palmela relativas a abertura de valas e colocação de cabos de distribuição de energia eléctrica de média tensão, no montante global de € 162.942,16 (cento e sessenta e dois mil novecentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos) consubstancia uma violação ao disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, sendo, por conseguinte, ilegal.

  1. Chamado a pronunciar-se sobre o pedido formulado pela RECORRENTE, o Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção de impugnação, tendo para o efeito invocado a jurisprudência vertida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0614/16, de 1 de Fevereiro de 2017.

  2. Sucede, porém, que a decisão recorrida assenta em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do identificado acto de liquidação.

  3. Com efeito, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

  4. Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens», 6.ª Neste sentido, impondo o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, os municípios sejam financeiramente compensados pela utilização do seu espaço público com as infra-estruturas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão através da obtenção da renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, qualquer taxa municipal dirigida a comutar a mesma utilização é, inexoravelmente, ilegal.

  5. De resto, contrariamente ao que defende o RECORRIDO, o regime constante do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, não consubstancia uma violação ao disposto nos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa.

  6. Por último, registe-se que, tanto a decisão judicial citada pelo RECORRIDO quanto jurisprudência que fundamentou a Sentença recorrida se debruçaram sobre questões de direito diferentes da que aqui se discute, não tendo, por conseguinte, aplicação ao caso sub judice.

  7. Assim, em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade do acto de liquidação da taxa municipal de ocupação sub judice, devendo, nessa medida, ser o mesmo anulado».

1.3 O Recorrido apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «1. Do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o recorrido não resulta, ao contrário do alegado, qualquer isenção da taxa devida pela ocupação do domínio público municipal mediante a instalação de infra-estruturas de Média e Alta Tensão; 2. O Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro destina-se única e exclusivamente a regular a remuneração dos contratos de concessão da distribuição em Baixa Tensão; 3. O contrato de concessão em Baixa Tensão, celebrado entre o Município de Palmela e a EDP, excluiu expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão; 4. A utilização de solo municipal com infra-estruturas da distribuição em Alta e Média Tensão, alcança-se por força de outros normativos que não do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro; 5. Do contrato de Concessão, resulta evidente que, quer a renda devida, quer as isenções concedidas, respeitam apenas e só à distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão e não à distribuição em Média e Alta Tensão; 6. As linhas de Média e Alta Tensão não estão isentas de pagamento das contrapartidas pelo uso do domínio público municipal, sendo que, as taxas liquidadas correspondem precisamente à utilização do domínio público municipal; 7. As taxas liquidadas e impugnadas configuram-se como verdadeiras taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal e dessa utilização e aproveitamento resultam vantagens patrimoniais para a recorrente; 8. Do contrato celebrado não resulta qualquer isenção de taxas pela utilização de linhas de Média e Alta Tensão, não se encontrando o uso destas comutado pela renda paga no âmbito da concessão; 9. Carece de qualquer fundamento a invocação da ilegalidade do acto de liquidação, não merecendo a douta sentença objecto do presente recurso qualquer censura, fazendo uma correta análise e apreciação à questão da situação em concreto».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se se verifica a sentença padecer do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro ao dar como válidas as taxas cobradas pelo município de Palmela.

Pese embora a sentença tenha dado como fundamentado de facto e de direito o acto tributário (e que não é posto em causa pela Recorrente em sede de recurso), da matéria de facto levada aos pontos 6) e 7) do probatório resulta apenas que o montante de € 162.942,16 euros respeita a taxas municipais cobradas em razão da abertura de valas e ocupação da via e ocupação do subsolo, sem contudo se perceber qual o regulamento municipal e respectivas disposições legais em que tal cobrança se fundamenta (sendo certo que não foi junto qualquer regulamento municipal, nem a sentença lhe faz qualquer referência).

Resulta igualmente da sentença que a Mma. Juiza [do Tribunal] “a quo” não fez qualquer apreciação do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, invocado pela impugnante, limitando-se a transpor para o caso dos autos a doutrina de um aresto deste tribunal em que estava em causa a cobrança de taxas municipais de uso do subsolo por condutas de gás, e a interpretar o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro 1 [1 Na sentença consta erradamente DL 344/82, diploma que nada tem a ver com as matérias em causa nos autos.

], sem contudo fazer um juízo crítico dessa jurisprudência nem esclarecer os motivos da aplicação restrita deste diploma legal ao caso concreto dos autos.

Ora, e acompanhando a Recorrente na censura que efectua à sentença, afigura-se-nos que para a resolução da questão colocada ao tribunal não só a disciplina do citado normativo não releva, como a jurisprudência em que o tribunal “a quo” se apoiou não tem aplicação no caso concreto dos autos 2 [2 Estava em causa nos arestos citados a questão de eventual isenção da taxa de ocupação do subsolo por concessionária de serviço público, fundamento este que não é invocado pela Recorrente.

].

Com efeito, o Dec.-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, como resulta do seu preâmbulo, “estabelece os princípios gerais da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, bem como as condições a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP, quando a exploração seja feita nesse regime”.

Todavia...

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