Acórdão nº 0577/13.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares e juros compensatórios, respeitante ao ano de 2011 - veio da mesma interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Admitido o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e desta admissão notificada a Recorrente, veio esta a alegar, aí formulando as seguintes conclusões: «I.

O douto Tribunal a quo anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 4000066970, de 01.03.2013, respeitante ao ano de 2011, por considerar que a verba de € 9.000,00, recebida pela agora Recorrida, a título de “bolsa de formação”, não integra o conceito de remuneração acessória, para efeitos da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), e, consequentemente, não está sujeita a tributação, atenta a sua natureza não remuneratória, mas sim compensatória.

II.

Aquela verba foi percebida pela Recorrida, a título de uma designada “bolsa de formação” e enquanto médica interna da especialidade de ginecologia/obstetrícia, a exercer funções no Hospital de Faro, EPE, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto, durante todo o ano de 2011.

III.

O direito à designada “bolsa de formação” está previsto no n.º 8 do art. 12.º-A do DL n.º 203/2004, de 18 de agosto, diploma que, com as alterações que lhe sucederam, vem definir o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em medicina, com vista à especialização.

IV.

O aludido art. 12.º-A, vem disciplinar as chamadas “vagas preferenciais”, destinadas a suprir a carência de médicos de determinadas especialidades, tendo sido introduzidas, no âmbito do internato médico, pelo DL n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, diploma que alterou o regime jurídico daquele mesmo internato, aprovado pelo DL n.º 203/2004, de 18 de agosto.

V.

A ocupação, no âmbito do internato médico, de uma vaga preferencial, nos termos do regime previsto no art. 12.º-A do DL n.º 203/2004, de 18 de agosto, tem, entre outras, as seguintes implicações: a) A obrigação dos médicos internos, após a conclusão com aproveitamento do internato e consequente obtenção do respetivo grau de especialista, de exercerem funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período igual ao do respetivo programa de formação médica especializada (n.º 4); b) O direito de perceção, pelos mesmos médicos, de uma bolsa de formação, sem prejuízo da atribuição de outros incentivos legalmente previstos (n.º 8).

VI.

Já o n.º 8 do mesmo diploma legal, determina que “O preenchimento de uma vaga preferencial confere direito a uma bolsa de formação, que acresce à remuneração do interno, de valor e condições a fixar por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da saúde, sem prejuízo do recurso a outros regimes de incentivos legalmente previstos”.

VII.

Por sua vez, o n.º 10 fixa que “O incumprimento da obrigação de permanência prevista no n.º 4, bem como a não conclusão do respetivo internato médico por motivo imputável ao médico interno, salvo não aproveitamento em avaliação final de internato, implica a devolução do montante percebido, a título de bolsa de formação, sendo descontados, proporcionalmente, os montantes correspondentes ao tempo prestado no estabelecimento ou serviço de saúde onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, a contar da data de conclusão do respetivo internato médico”.

VIII.

À luz do quadro legal acabado de enunciar, o Tribunal a quo acabou por considerar que a “bolsa de formação” não cabe no conceito de remuneração acessória, sujeito a tributação nos termos da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º da CIRS, uma vez que, para além de não ter sido auferida na decorrência de uma prestação de trabalho (ou em conexão com esta), também não constituiu uma vantagem económica para a Recorrida.

IX.

Ressalvado o devido e merecido respeito pela douta posição assumida pelo Tribunal a quo, dela nos permitimos discordar, dado que não encontramos na legislação acabada de enunciar qualquer elemento que permita apoiar o entendimento por ele sufragado.

X.

Pese embora o n.º 8 do art. 12.º-A prever que o preenchimento de uma vaga preferencial confere direito a uma bolsa de formação, importa reter que o preenchimento da dita vaga, pressupõe, naturalmente, que o candidato que a venha a ocupar exerça as funções para as quais foi contratado.

XI.

Da interpretação que fazemos do dispositivo legal em causa, resulta que o direito à bolsa se adquire com o preenchimento da vaga no óbvio pressuposto de que as funções venham a ser efetivamente exercidas.

XII.

Ou seja, no caso em apreço, não é possível dissociar o direito à “bolsa de formação” do concreto exercício da atividade de médico interno da especialidade de ginecologia/obstetrícia.

XIII.

Esta asserção sai reforçada, por um lado, pelo facto do n.º 10 prever que o incumprimento da obrigação de permanência na vaga preferencial implicar a devolução do montante percebido, a título de “bolsa de formação”, na proporção dos montantes correspondentes ao tempo prestado no estabelecimento ou serviço de saúde.

XIV.

Com efeito, ao abrigo da interpretação que fazemos da regra in quaestio, a atribuição da “bolsa de formação” está conexionada com a concreta prestação de trabalho, porque só assim se justifica a sua devolução na proporção do tempo de serviço efetivamente prestado.

XV.

Cumpre ainda realçar a aparente fragilidade da componente formativa da mencionada “bolsa de formação”, dado que o n.º 3 do art. 12.º-A estabelece que as vagas preferenciais são fixadas independentemente da existência de capacidade formativa no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que a elas deu lugar.

XVI. Por sua vez, o n.º 8 do art. 12.º-A, ao estabelecer que a verba correspondente à “bolsa de formação” acresce à remuneração, acaba por afastar as dúvidas que teimassem em persistir quanto à sua manifesta vertente remuneratória.

XVII.

Ou seja, o preenchimento de uma vaga preferencial confere, por si só...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT