Acórdão nº 2737/19.1T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 2737/19.1T8FAR.E1 Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. (…) – Trabalhos e Transporte Aéreo, Representações, Importação e Exportação, S.A., com sede no Aeródromo de Cascais, Tires, Cascais, instaurou contra (…) – Helicópteros, Operações, Atividades e Serviços Aéreos, Lda., com sede na Casa da (…), Estrada de (…), Almancil, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que no termo de um concurso público em que a proposta da R. ficou classificada em terceiro lugar, a proposta da A. foi graduada em primeiro lugar e obteve a adjudicação do contrato de aquisição de “serviços de operação, gestão de aeronavegabilidade permanente e de manutenção de aeronaves AS350 B3 do Estado e do respetivo material de apoio operacional complementar” com a finalidade de cumprir as missões relacionadas com o combate a incêndios florestais, transporte de doentes e equipas médicas.

    A A. assinou o contrato com o Estado em 16/4/2019 e, nesta data, a Ré intentou nos tribunais administrativos e fiscais uma ação com vista à anulação do ato de adjudicação o que determinou, por imperativos legais, a suspensão automática do contrato assinado, a qual durou até 7/6/2019.

    Ao intentar a ação de anulação, a Ré agiu com abuso de direito, uma vez que visando a ação exclusivamente o ato de adjudicação do contrato, num concurso em que a Ré ocupou o terceiro lugar, a procedência da ação não lhe traria qualquer vantagem imediata, apenas criando prejuízos à A.

    O atraso no início do período operacional – entre 27/6/2019 e 18/8/2019 – ocasionou que a A não recebesse do Estado a quantia de € 220.810,20 a título de custo pela disponibilidade diária de três aeronaves e um prejuízo decorrente das horas de voo que deixou de realizar à razão de € 832,00 por hora.

    Concluiu pedindo a condenação da Ré, a título de indemnização, no pagamento da quantia de € 220.810,20, acrescida de juros, pelo prejuízo decorrente do não recebimento do preço da disponibilização de três aeronaves e na quantia a liquidar em execução de sentença, referente a horas de voo que deixou de realizar.

    Contestou a Ré argumentando, em resumo, que ao intentar a ação de anulação do ato de adjudicação do contrato não praticou qualquer ato ilícito, agiu de boa-fé e no exercício constitucional do acesso ao direito e à justiça e que, de qualquer forma, as aeronaves só ficaram disponíveis para o combate a incêndios em 17/8/2019, pelo que a A. não sofreu nenhum dos prejuízos que alega.

    Ao reclamar prejuízos pela operacionalidade das aeronaves entre 27/6/2019 e 18/8/2019, a A. formula pretensão cuja falta de fundamento não ignora, uma vez que não desconhece que as aeronaves se encontraram impossibilitadas de operar, por falta de certificação da ANAC, até 17/8/2019.

    Concluiu pela improcedência da ação e pela condenação da A. como litigante de má-fé.

    A A. respondeu por forma a concluir pela inexistência de litigância de má-fé da sua parte e a pedir a condenação da Ré – e do seu Ilustre mandatário – como litigantes de má-fé.

  2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “Nesta conformidade decido julgar a ação procedente, por provada e, por conseguinte, decido:

    1. Condenar a ré no pagamento à autora da quantia que, em função da equidade, se fixa em € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), sobre a qual vencerão juros à taxa legal, a contar da presente decisão, até integral e efetivo pagamento; B) Absolver a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé”.

  3. Recurso A Ré recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “I. Os pontos 24, 27, 28 e 37 dos factos dados como provados mostram-se incorretamente julgados, devendo os pontos 28 e 37 ser totalmente dados como não provados e os pontos 24 e 27 serem dados parcialmente como provados e parcialmente como não provados.

    1. O facto 28 dos factos provados “as aeronaves poderiam estar aptas a funcionar aproximadamente a partir do dia 27 de junho de 2019”, deve ser dado como não provado por absoluta falta de prova produzida que o confirme e ainda por tal matéria ser contrariada pelo contrato celebrado entre a Autora e Força Aérea (cláusula 4ª e 40ª, nº 1), teor do documento n.º 2 junto com a contestação e documento n.º 1 agora junto com as alegações.

    2. O facto 37 dos factos provados “no período em causa seria previsível que a Autora executasse entre 120 e 200 horas de voo por mês, dependendo das missões executadas”, deve ser dado como não provado por tal o impor a circunstância de a única testemunha que a refere, (…), não fundamentar minimamente a sua afirmação conforme se pode verificar da transcrita passagem do seu depoimento gravado no ficheiro áudio acima referido, e ainda por o impor a informação da Força Aérea constante do documento n.º 2 junto com as presentes alegações.

    3. O facto 24 dos factos provados deve manter-se como provado apenas na parte que refere “nesse dia o referido acordo voltou a produzir efeitos”, dando-se como não provado a parte que refere “quando deveria ter iniciado a sua execução no dia 1 de Maio de 2019”, por tal o impor não só o contrato celebrado entre a Autora e a Força Aérea (cláusulas 4ª e 40ª, nº 1) mas também as transcritas passagens do depoimento da testemunha (…) prestadas em julgamento e gravadas no ficheiro áudio já referido.

    4. O facto 27 dos factos provados deve manter-se como provado apenas na parte que refere “o auto de consignação veio a ser assinado em 14 de junho de 2019” dando-se como não provado na parte que refere “quando poderia ter sido assinado cerca de uma semana depois da assinatura do acordo, isto é, em 23 de Abril de 2019 (uma semana após a assinatura do acordo) ”, por tal o impor a prova documental produzida, teor das clausulas 4ª e 40ª, nº 1 do contrato celebrado entre a Autora e a Força Aérea que refere que este apenas entra em vigor no dia seguinte ao da emissão do visto do TC, o teor do documento n.º 2 junto com a contestação e o teor do documento n.º 1, junto com as presentes alegações que comprova que o visto do TC foi emitido em 30 de maio de 2019, conjugado com as passagens transcritas do depoimento da testemunha (…), prestado em julgamento e gravado no ficheiro áudio já referido.

    5. O facto constante da alínea b) dos factos julgados não provados “o contrato apenas poderia ter inicio após o (visto) prévio do Tribunal de Contas, o qual apenas foi concedido no dia 30 de maio de 2019” deve ser integralmente dado como provado por tal o impor o teor da cláusula 40ª, nº 1 do contrato celebrado entre a Autora e a Força Aérea (doc. n.º 1 da PI) ao referir que “ o contrato entra em vigor no dia seguinte á emissão do visto prévio do TC”, do teor do doc. n.º 2 junto com a contestação e da informação do TC que constitui o doc. n.º 1 junto com o presente recurso os quais comprovam que o visto foi emitido em 30 de maio de 2019, conjugadamente ainda com as transcrições das declarações de parte confessórias prestadas pela Autora em julgamento e gravadas no respetivo ficheiro áudio já referido.

    6. Não se mostram preenchidos os requisitos para a efetivação da responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483.º do CC, por não se verificar a prática de facto ilícito, a sua imputação ao agente a título de culpa nem tão pouco se verificar nexo de casualidade entre o alegado facto danoso e os invocados danos.

    7. A Ré ao intentar a ação 279/19.4BELLE praticou um ato lícito por ser a expressão do direito de acesso aos tribunais consagrado quer constitucionalmente quer na legislação adjetiva e atuou de boa-fé, pelo que o exercício do seu direito não pode ter-se por abusivo.

    8. O comportamento das partes intervenientes em processo judicial, para efeitos de verificação da existência de má-fé é apreciado globalmente e em todas as suas vertentes, oficiosamente pelo julgador, que se detetar comportamento de má-fé em qualquer das vertentes referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, deve sempre condenar essa parte em multa, conforme refere o n.º 1 da citada disposição legal e eventualmente em indeminização à parte contrária se esta o requerer naquele processo.

    9. Toda a questão da má-fé processual, incluindo a eventual indeminização que por ela deva haver lugar a favor da parte que a requerer, tem que ser decidida nesse próprio processo, atento o princípio da plenitude do processo para decidir todas as questões dele emergentes, sendo a questão da má-fé uma delas.

    10. O âmbito ressarcitório dos danos causados por condutas processuais abusivas de outra parte (má fé) ocorre necessariamente dentro do processo em que se verifica tendo a indeminização conteúdo específico previsto no artigo 543.º do CPC.

    11. No processo n.º 279/19.4BELLE em que a questão indemnizatória poderia eventualmente ser discutida, o comportamento da ora Autora foi devidamente analisado e aí foi decidido que o mesmo não preenchia qualquer das situações previstas no artigo 542.º do CPC (má fé).

    12. Fora dos expressos casos admitidos pela lei (responsabilidade objetiva) a efetivação da responsabilidade depende sempre da imputação do facto ao agente a título de culpa o que não se mostra provado.

    13. Entre a propositura da referida ação n.º 279/19.4BELLE e os alegados danos sofridos pela Autora não se verifica nexo de causalidade.

    14. O contrato celebrado entre a Autora e a Força Aérea apenas entrava em vigor no dia seguinte ao da emissão do visto pelo TC (cláusula 40ª, nº 1 do contrato – facto provado 16).

    15. Para saber se a propositura da ação n.º 279/19.4BELLE atrasou a entrada em vigor do aludido contrato e necessário saber primeiro em que data o mesmo entraria em vigor se não fosse a propositura da ação.

    16. A data da emissão do visto pelo TC é assim facto constitutivo do alegado direito da Autora, pois, só por referência a tal data se poderá saber quando entraria em vigor o...

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