Acórdão nº 13073/17.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

EURO DA SORTE, LDA. intentou esta acção declarativa comum contra MEO-SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A..

Pediu que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 376.728,50 (70% de 538.183,58 euros), correspondente às remunerações vencidas durante a vigência do contrato, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal até integral pagamento, liquidando os vencidos em € 13 615,48, bem como em sanção pecuniária compulsória até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou o incumprimento pela Ré da obrigação de pagamento decorrente do contrato que com esta celebrou.

A R. apresentou contestação, alegando que o incumprimento pela A. das obrigações previstas no contrato determina o não pagamento dos valores aí estipulados e que face à ilegalidade da respectiva actuação os montantes foram ilegitimamente cobrados aos clientes.

Em audiência prévia, foram as partes notificadas para suprirem insuficiências da petição inicial e contestação, o que fizeram.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença em que de julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: - condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 101.72 7,74 euros, acrescida de juros de mora desde a citação; - absolver a Ré do demais peticionado.

A R. interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida e, na improcedência da acção, absolveu a ré do pedido.

Discordando desta decisão, vem agora a autora pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

  1. O Acórdão em sindicância, procede a uma incorrecta aplicação do disposto no art.º 9-A., do DL n.º 177/99, relativamente as consequências práticas e jurídicas do decretamento da inexistência jurídica de negócio.

  2. A inexistência, material ou jurídica, constitui o grau máximo da ineficácia, é um “vício superior e mais grave do que a nulidade”, uma “supernulidade”, proveniente de omissão do facto referido ou da sua inadmissível qualificação como ato ou como negócio jurídico.

  3. São, pois, justificadas as soluções no sentido de: 1.º) os factos inexistentes não serem suscetíveis de sanação por conversão ou redução; 2.º) não lhes ser aplicável o regime da inoponibilidade a terceiros prevista no artigo 291.º; e 3.º) o e possuidor, em qualquer das suas modalidades (artigos 1259.º e seguintes) designadamente para o efeito de usucapião.

  4. A inexistência jurídica, ao ser decretada, tem de obrigatoriamente ter em atenção, a realidade pratica, advinda da existência de uma relação jurídica prévia, que vem a posteriori a ser decretada inexistente.

  5. Assim, não se basta, o seu decretamento, antes sim, cumpre discorrer os efeitos de tal decretamento inexistência nas situações jurídicas/ajurídicas de facto, no caso sobre o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Recorrida.

  6. Ao omitir tal, o Acórdão em sindicância procedeu a uma incorrecta aplicação do preceito supracitado.

  7. Por forma a concatenar o decisório no campo jurídico, a conclusão limite, caso não se aceite a melhor descrita em a) das conclusões, sempre teria de concluir-se pelo Enriquecimento sem causa – artigo 473.º do Código Civil, por parte da Recorrida, por aplicação das consequências jurídicas, do regime da inexistência jurídica - aplicação do disposto no artigo 9-A do DL n.º 177/99.

  8. No termos do artigo 473.º do CC - “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” i) A entidade prestadora dos serviços e contratante com 3.s (destinatários dos serviços de valor acrescentado), é a Recorrente.

  9. No âmbito das relações contratuais estabelecidas entre a Recorrente e a Recorrida, foi estabelecido um regime de revenue share, i.e., após cobrança por parte da Recorrida junto dos clientes da Recorrente, as receitas seriam divididas entre as mesmas, nos termos do contratualmente estabelecido. – cfr. ponto 1.º da matéria de facto dada como provada k) O actual status quo, resume-se a situação de a Recorrida ter retido os valores que deveria ter pagado a Recorrente em virtude da relação contratual estabelecida entre estas, mercê de “a posteriori” ter sido entendido pelo Douto Tribunal da Relação …., que no limite os contratos celebrados entre a Recorrente e os seus clientes (e cobrados pela Recorrida), seriam inexistentes e como tal, incapazes de gerar efeitos jurídicos; l) A actual decisão, permite que a recorrida “sem qualquer causa que a habilite”, eximir-se ao pagamento de um contrato celebrado entre esta e a Recorrente, locupletando-se assim, a custa da Recorrente de valores que são seus (ainda que na qualidade de mero detentor).

  10. Só, assim, pode a Recorrente cumprir com os seus clientes, o dever de devolução aos mesmos, dos valores emergentes de contratos, agora entendidos com inexistentes, sob pena de “duplo empobrecimento” da Recorrente.

  11. Pelo que, ainda que pela aplicação do disposto no artigo 473.º do Código Civil, a recorrida seria condenada, a devolver os valores que injustificadamente retém, a favor da Recorrente.

  12. O Acórdão em sindicância é nulo, por (omissão de pronuncia) - Erro de julgamento- al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  13. O Tribunal da Relação ……, limita-se a atalhar caminho, esquecendo-se que existia um contrato de prestação de serviços entre a Recorrente e a Recorrida, que esse contrato foi resolvido pela Recorrida e que a mesma se locupletou com valores que entretanto recebeu ao abrigo desse mesmo contrato, por, entretanto, o Tribunal da Relação …… ter entendido que os contratos celebrados entre a Recorrente e os seus clientes ( 3.s a titulo processual e não constantes da relação material controvertida, trazida a juízo), seriam inexistentes.

  14. Esquece qual o pedido e causa de pedir discutido nos autos, entra em discussão profunda sobre contratos que nem se mostram plasmados nos autos (celebrados entre a Recorrente e 3.s seus clientes), culmina com a conclusão de os mesmos serem inexistentes, afim de sustentar a desnecessidade de a Recorrida pagar à Recorrente, os valores recebidos dos clientes desta, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços estabelecido entre estas, e resolvido pela Recorrida, esquecendo-se a final de pelo menos, tomar conhecimento de um enriquecimento sem causa óbvio em mais de cem mil euros por parte da Recorrida.

  15. Pelo que, deveria ter analisado a consequência jurídica da inexistência de um vínculo contratual prévio em que a Recorrente nem parte é, e qual a sua consequência no vínculo jurídico (contrato de prestação de serviços resolvido pela Recorrida), para de seguida, resolver a questão sujeita a julgamento, i.e., se ao abrigo de tal contrato de prestação de serviços é ou não devido, o pagamento da revenue share à Recorrente.

  16. Assim, omitiu claramente pronuncia sobre matéria de seu conhecimento e sobre a qual se deveria pronunciar – al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

    Termos em que, se requer se dignem aceitar o presente recurso e face as conclusões nele brandidas, concedam razão a Recorrente e procedam à aplicação do direito de forma escorreita e imparcial, extraindo todas as legais consequências de tal.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Em acórdão complementar a Relação pronunciou-se pela improcedência da nulidade, por omissão de pronúncia, invocada pela recorrente.

    Cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: - Nulidade do acórdão recorrido; - Inexistência jurídica dos negócios jurídicos celebrados pela autora com clientes finais; - Enriquecimento sem causa.

    III.

    Vem provada a seguinte matéria de facto: 1. Para a Autora poder prestar o serviço em causa e proceder à entrega das mensagens (SVA'S) celebrou com a Ré um contrato para prestação do serviço de mensagens escritas, com data de 16/11/2015, contrato que, de acordo com as condições contratuais aí previstas entrou em vigor em Dezembro de 2016 — conforme documento que se transcreve: "ACORDO PARA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE MENSAGENS ESCRITAS, MULTIMÉDIA E WAP Entre, MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., com sede na Av. ….., matriculada na Conservatória o Registo Comercial ….., com o número único de matricula e identificação de pessoa coletiva …….. com o capital social de € 230.000.000,00 neste ato representada por com poderes para o ato e doravante designada por "MEO) e Euro da Sorte, Lda., com sede na Rua ……., matriculada na Conservatória do Registo Comerciai de ……, com o número único e matrícula e identificação de pessoa coletiva ……, com o capital sociai de 5000€ neste ato representada por AA., com poderes para o ato e doravante por "Segunda Contratante"; Também designadas adiante por Parte ou Partes ou Contraentes; E considerando que: I. A MEO é titular de uma licença para prestação de Serviço Telefónico Móvel atribuída pela Autoridade Nacional de Comunicações (doravante "ANACOM') em 19 de março de 1992, com o n° ICP, de uma licença ICP 011/TCM, de uma licença para a prestação de Serviço Fixo de Telefone com o n. 0 ICP 010/99 SFT e de uma licença como Operadora: de Redes Públicas de Telecomunicações, com o n. 0 ICP 017/99 RPT, ambas atribuídas no: dia 19 de novembro de 1999, e de uma licença para a exploração de Sistemas de Telecomunicações Móveis Internacionais (IM T 2000/UMTS) no território nacional com o n° ICP —02/UMTS; II. No âmbito da sua atividade, a MEO disponibiliza os seus clientes o Serviço Mensagens Escritas, Serviços de Mensagens Multimédia e Serviços de Acesso a Internet através de equipamentos terminais móveis, doravante Serviço SMS, Serviços MMS e Serviços WAP respetivamente ou Serviços conjuntamente; III. A Segunda Contratante exerce a atividade de prestador de serviços de valor acrescentado baseado no envio de mensagens...

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