Acórdão nº 1233/20.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO S…………, S.A., intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, ao abrigo dos artigos 109.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA (AdC), pedindo a sua intimação: i. A abster-se de divulgar publicamente ou publicitar a Nota de Ilicitude, relativa ao processo de contraordenação com o n.º PRC/2017/8, ou uma síntese da mesma, nomeadamente através de comunicados publicados na respetiva página na internet ou enviados para os órgãos de comunicação social; Caso assim não se entenda, ii. A abster-se de divulgar publicamente em sede de divulgação de Nota de Ilicitude, por aqueles meios ou outros, ou dar acesso, a identificação da ora Requerente, de qualquer um dos respetivos colaboradores, ou de qualquer das marcas por si comercializadas.

Após decisão de incompetência, em razão do território, proferida pelo TAF do Porto, foram os autos remetidos ao TAC de Lisboa, o qual, por sentença de 12 de Setembro de 2020, decidiu julgar improcedente o pedido principal e procedente o pedido formulado a título subsidiário e, em consequência, intimada a AdC a abster-se de divulgar publicamente a identificação da ora Recorrida, de qualquer um dos respetivos colaboradores, ou de qualquer das marcas por si comercializadas, mais se concedendo o prazo de 5 dias para o efeito.

Desta vem interposto o presente recurso pela Recorrente/Entidade Intimada terminando as alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem: “A. O objeto do presente recurso respeita à parte da Sentença que julgou parcialmente deferida a Intimação, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 635.º do Código do Processo Civil ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, e que intimou a AdC a abster-se de divulgar publicamente a identificação da Requerente, ora Recorrida, de qualquer um dos respetivos colaboradores, ou de qualquer das marcas por si comercializadas.

  1. Perante a factualidade apurada e atento o enquadramento jurídico aplicável a esta factualidade, impunha-se necessariamente um sentido decisório distinto daquele que foi adotado pelo Tribunal a quo que, em suma, valida toda a atuação da AdC - confirmando, designadamente, a possibilidade de a AdC emitir comunicados sempre que adota Notas de Ilicitude -, com exceção da identificação do nome das empresas visadas destinatárias daquelas Notas de Ilicitude.

  2. A AdC não acompanha a interpretação e aplicação (i) do princípio/direito da presunção de inocência vertido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (adiante, “CRP”) que decorre da Sentença do TACL por confronto com os artigos 32.º e 33.º da Lei da Concorrência, alínea e) do artigo 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e n.º 2 do artigo 46.º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, bem como (ii) do entendimento subsidiário de que, em caso de conflito de direitos/deveres, deverá ser a posição desta Autoridade a ceder.

  3. Em suma, o fundamento do presente recurso reconduz-se ao facto de (i) a publicação do Comunicado n.º 10/2020, nos moldes em que se encontra elaborado, ou seja, contendo a identificação da Requerente, não beliscar o direito desta à presunção de inocência; e (ii) por outro lado, a título subsidiário, a harmonização de direitos não poder determinar que, no caso concreto, o direito ao bom nome da Requerente prevaleça perante os direitos e deveres de transparência e da proteção do consumidor.

  4. Tendo presente o valor da transparência que deve pautar a atividade de qualquer entidade reguladora constante da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, aprovada pela Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, onde se inclui a AdC e que está previsto no artigo 48.º, em concreto na alínea e) que refere que as entidades reguladoras devem disponibilizar na sua página eletrónica todos os dados relevantes, nomeadamente informação referente à atividade regulatória e sancionatória.

  5. Igualmente no artigo 46.º dos Estatutos da AdC está previsto este dever de transparência, devendo, a AdC, para o efeito disponibilizar uma página eletrónica com os dados relevantes relativos às suas atribuições, e pode de acordo com o n.º 2 emitir e publicar na respetiva página eletrónica os relevantes comunicados de imprensa.

    O que confirmado pelo TACL.

  6. Acresce ainda que as alíneas a) e b) do artigo 5.º dos referidos Estatutos da AdC, determinam que para garantiam da prossecução da missão prevista no artigo 1.º, incumbe à AdC: a) Velar pelo cumprimento das leis, regulamentos e decisões de direito nacional e da União Europeia destinados a promover e a defender a concorrência; b) Fomentar a adoção de práticas que promovam a concorrência e a generalização de uma cultura de concorrência juntos dos agentes económicos e do público em geral.

  7. Ou seja, quando a AdC emite uma nota de ilicitude contra um conjunto de visados por fortes indícios de infração às normas da concorrência, pode (e deve), em cumprimento de um dever de transparência e de promoção da cultura de concorrência, promover a publicação de um comunicado a dar disso nota na sua página eletrónica, no âmbito de um processo que já não se encontra em segredo de justiça, portanto, vigora o princípio da publicidade e liberdade de informação que impõe que o processo seja acessível a qualquer interessado (nomeadamente, jornalistas).

    Das razões de discordância relativamente ao Tribunal a quo: a publicidade do processo e respetivo regime de acesso, da legalidade dos comunicados e do princípio da presunção de inocência I. O Tribunal a quo entendeu que “a publicação de um comunicado acerca de uma nota de ilicitude concreta que, de alguma forma, permita ao público identificar os visados no processo de contraordenação, os quais não tiveram, ainda, a oportunidade de apresentar a sua defesa, constitui uma afronta ao seu direito à presunção de inocência.” J. Sucede que de acordo com os normativos da Lei da Concorrência, designadamente aqueles que expressamente determinam a natureza pública do processo e que estabelecem um regime de acesso ao processo por parte dos visados ou de qualquer pessoa singular ou coletiva que demonstre ter um interesse legítimo, resulta manifesta a intenção do legislador em permitir que qualquer pessoa possa aceder ao processo, nomeadamente à identificação dos visados.

  8. E é por esta razão que a AdC não pode deixar de apontar uma errada interpretação e aplicação do direito por parte do Tribunal a quo à situação dos presentes autos.

    L. Com efeito, de acordo com o n.º 1 do artigo 32.º da Lei da Concorrência, o processo é público, ressalvadas as exceções previstas na lei.

  9. Neste sentido, a AdC pode determinar que o processo seja sujeito a segredo de justiça até à decisão final, sempre que considere que a publicidade pode prejudicar os interesses da investigação e pode ainda, oficiosamente ou mediante requerimento do visado pelo processo, determinar a sujeição do processo a segredo de justiça até à decisão final, quando entender que os direitos daquele o justificam – cfr. n.

    os 2 e 3 do artigo 32.º da Lei da Concorrência.

  10. Oficiosamente ou mediante requerimento do visado pelo processo, pode a AdC determinar o levantamento do segredo de justiça em qualquer momento do processo, tendo em conta os interesses acima referidos – cfr. n.º 4 do artigo 32.º da Lei da Concorrência.

  11. Nos presentes autos, foi determinada a imposição do segredo de justiça na decisão de abertura do inquérito de 21.03.2017, que se baseou, fundamentalmente, na necessidade de proteção dos interesses da investigação, que podiam ser prejudicados pela publicidade do inquérito, atendendo, em particular, à obtenção dos elementos probatórios necessários ao preenchimento do tipo contraordenacional imputado aos visados.

  12. Com a adoção da NI, a AdC determinou o levantamento do segredo de justiça em razão de já não se encontrarem reunidos os pressupostos que determinaram a sua aposição, pelo que, desde 26.06.2020, o processo em causa é, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 32.º da Lei da Concorrência, público.

    A publicidade, salvo melhor entendimento, tem a dupla função: de, por um lado, assegurar o pleno exercício do direito de defesa do arguido, e de, por outro lado, assegurar a transparência dos atos processuais e da atividade sancionatória da AdC, dado esta estar obrigada a atuar dentro de parâmetros da estrita legalidade e objetividade.

  13. Esta natureza pública do processo tem consequências imediatas no regime do acesso a processo consagrado no artigo 33.º da Lei da Concorrência. De acordo com os n.

    os 1 e 3 do referido artigo 33.º, o visado e qualquer pessoa, singular ou coletiva, que demonstre interesse legítimo na consulta do processo pode requerê-lo, bem como que lhe seja fornecida cópia do mesmo.

  14. Ora a conjugação dos normativos acima referidos com a alínea e) do artigo 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, e o n.º 2 do artigo 46.º dos Estatutos da AdC determina que a AdC está habilitada a publicar comunicados para assegurar a transparência, o direito à informação e assim prosseguir o interesse público para o qual foi criada, sem que tal contenda com o direito dos visados à presunção de inocência.

  15. Contudo, este entendimento não foi totalmente sufragado pela Sentença do TACL, salvo o devido respeito, de forma incorreta: como resulta da Sentença do TCAL a conduta da AdC é legal e conforme à lei, existindo mesmo normas expressamente habilitantes que permitem a adoção de comunicados de imprensa sobre a atividade sancionatória da AdC, designadamente para efeitos de divulgação de adoção de Notas de Ilicitude, não existindo qualquer base jurídica que a AdC tenha desacatado.

  16. Tendo o Tribunal a quo confirmado que, a AdC, primeiramente, enquanto entidade reguladora adstrita à Lei-Quadro das entidades reguladoras, está habilitada, e dir-se-á até obrigada, de acordo com a...

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