Acórdão nº 881/09.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A...

intentou no TAC de Lisboa contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e vale do Tejo, IP., uma acção administrativa especial onde impugnou a deliberação do Conselho Directivo da entidade demandada, de 8.01.2009, que, no âmbito do processo disciplinar n.º 9/2008, lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 180 dias, peticionando a sua anulação.

Por sentença de 19.11.2019 a acção foi julgada procedente e anulada a sanção disciplinar impugnada.

Recorre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e vale do Tejo, IP., para este TCA, tendo a alegação de recurso apresentada culminado com as seguintes conclusões: A – A deliberação da Recorrente, impugnada nos presentes autos, aplicou ao Recorrido a pena disciplinar de suspensão por 180 dias, estribada na prova de três infrações disciplinares que lhe foram imputadas, por violação dos deveres gerais de zelo, lealdade e assiduidade, previstos nas alíneas e), g) e i) do n.º 2 e nos. 7, 9 e 11 do art.º 3.º do EDTFP (Lei n.º 58/2008), concretamente:

  1. O exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário semanal de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, IP, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 60 dias; b) As ausências injustificadas ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e o dia 23/04/2008, por apresentação tardia de atestado médico, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 30 dias; c) O exercício de atividade profissional no Hospital de Santa Maria, no mesmo período em que apresentou os certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, estando conscientemente a dar justificações falsas quanto ao seu estado de saúde, que não o impediu de exercer funções no Hospital de Santa Maria, a que se fez corresponder uma pena de suspensão de 90 dias; B - A decisão recorrida anulou a deliberação porque concluiu que o Recorrido apenas praticou uma infração disciplinar - o exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções sem o prévio consentimento da ARSLVT -, e não três, como lhe foi imputado no processo disciplinar.

    C – Conforme demonstrado nas presentes alegações, a decisão recorrida padece de nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, e do vício de violação de lei, por erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts. 358.º, n.º 2 e 376.º do Código Civil.

    Vejamos, D – A decisão recorrida considerou que as ausências do Recorrido ao serviço no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, que configuram faltas injustificadas ao serviço por o Recorrido ter apresentado atestado médico para além do prazo de 5 (cinco) dias úteis fixado no art.º 30.º/1 do DL 100/99, de 31/03, não consubstanciam infração disciplinar porque estavam justificadas por situação de doença comprovada pelo referido atestado médico, não constando da acusação ou do relatório final do instrutor que o autor tivesse exercido funções no Hospital de Santa Maria nesse período, “de tal modo que se possa concluir que o mesmo, ao contrário do que resulta do atestado médico por si apresentado, não se encontrava doente.” E – Contudo, ao contrário do referido na decisão, da Acusação e o Relatório Final do processo disciplinar consta que, no período compreendido entre 01/04/2008 e 23/04/2008, o Autor/Recorrido exerceu funções no Hospital de Santa Maria, conforme artigo 23.º da Acusação e ponto 37.2 do Relatório Final reproduzidos nas alíneas l) e m) da matéria de facto provada nos autos.

    F – Facto que foi provado no processo disciplinar mediante a prova documental constante de fls 10 do processo instrutor – que consubstancia Folha de Ponto de Presenças do Recorrido no Hospital de Santa Maria no indicado mês de abril de 2008 e comprova que, nos dias em referência, o mesmo esteve a trabalhar no Hospital -, e ainda através do reconhecimento confessório do Recorrido exarado na contestação da acusação, conforme resulta da alínea m) dos factos provados e de fls. 178 e ss. do processo instrutor.

    G - E que, por si só, bastava para se ter por infirmada a veracidade do atestado médico apresentado, já que, a incapacidade temporária para o trabalho nele atestada pressupunha que o Recorrido não podia trabalhar nem no Centro de Saúde nem no Hospital de Santa Maria, locais onde exercia as mesmas funções, de médico (cfr. Fls. 97 do processo instrutor).

    H – Verifica-se, assim, contradição entre os fundamentos e a decisão, determinante de nulidade da decisão.

    I – Efetivamente, estando demonstrado que, no período em causa, o autor exerceu funções médicas no Hospital de Santa Maria, então era porque não se encontrava em condições de não poder trabalhar, sendo, assim, inverídica a justificação da “baixa médica” e consequente não comparência ao serviço.

    J - E, por conseguinte, não se poderiam considerar tais faltas ao serviço como justificadas para efeitos disciplinares ao abrigo do disposto no art.º 40.º, n.º 3 e 4 do ETFP ou do disposto no art.º 71.º do EDFAACRL.

    K - Assim, e contrariamente ao decidido, a conduta imputada ao Recorrente integra a violação dos deveres gerais de zelo, lealdade e assiduidade, sendo subsumível na infração disciplinar que lhe foi aplicada na deliberação impugnada que se de verá, como tal, manter válida na ordem jurídica.

    L – A decisão recorrida concluiu ainda que, o exercício de funções pelo Recorrido no Hospital de Santa Maria em períodos relativamente aos quais tinha apresentado atestado médico no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins não consubstancia igualmente infração disciplinar, “por não permitir presumir que o mesmo deu justificações falsas quanto ao seu estado de saúde”, conclusão que assentou, uma vez mais, em pressupostos contraditórios e, até, incongruentes, determinando a respetiva nulidade.

    M – Efetivamente, mostrando-se provado que, o Recorrido apresentou, no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença para os períodos mencionados na decisão disciplinar (referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2007 e janeiro de 2008), e que, nesses períodos, esteve a exercer funções no Hospital de Santa Maria, aí cumprindo um horário de 35 horas semanais, e realizando, inclusivamente, bancos de urgência, de 24 horas (cfr. folhas 11, 12, 13 e 14 do processo instrutor), é incompreensível a conclusão constante da decisão recorrida de que o Recorrido não prestou falsas declarações quanto ao seu estado de saúde para justificar as referidas ausências ao serviço.

    N – Pois, se a alegada doença de que o Recorrido padecia, atestada nos certificados de incapacidade temporária que apresentou, o impedia de o trabalhar no Centro de Saúde de Algueirão/Mem Martins, por maioria de razão teria forçosa e igualmente de o impedir de trabalhar no Hospital de Santa Maria.

    O – Ficando demonstrado que, os atestados médicos apresentados não eram credíveis, não fazendo prova de que o Recorrido estava doente, e que este prestou efetivamente declarações falsas relativas ao seu estado de saúde para justificar as faltas do referido período, demonstração que resulta da aplicação das mais elementares regras de experiência comum.

    P – A decisão recorrida enferma ainda de erro de julgamento ao concluir que a veracidade dos atestados médicos não foi posta em causa no processo disciplinar, pois, é manifesto que, a validade, eficácia e credibilidade destes atestados foi posta em causa no processo disciplinar através dos meios de prova que nele foram recolhidos, concretamente, os documentos que atestaram o exercício de funções no Hospital de Santa Maria naqueles períodos e, bem assim, o reconhecimento confessório do Recorrido exarado na contestação da acusação, na qual o mesmo admitiu incondicionalmente os factos de que foi acusado, inclusive, o de prestar falsas declarações quanto ao seu estado de saúde nos indicados períodos, reconhecimento confessório que tem força probatória plena, nos termos do art.º 358.º do Código Civil.

    Q – Conforme resulta do art.º 376.º do Código Civil, o atestado médico tem a força probatória própria de um documento com a sua natureza, a de documento particular que apenas é, havendo que ter presente que "as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto" (A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, página 471), excetuados que sejam os casos de prova legal, prova vinculativa, o que seguramente se não configura perante o atestado médico agora em apreciação, ou tão pouco, com o relatório da junta médica, mas que se configura no referido reconhecimento confessório.

    R – A sentença recorrida padece, assim, do vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação dos artigos 358.º e 376.º do Código Civil, devendo ser reformada em conformidade, concretamente, no sentido constante da deliberação impugnada.

    S – Quanto ao exercício de funções no Hospital de Santa Maria em regime de acumulação de funções, desde 03/01/2007, com um horário de 35 horas, sem o prévio consentimento da ARSLVT, muito embora a decisão recorrida tenha concluído pela verificação desta infração, por integrar a violação do dever de zelo, considerou, não obstante que, não integrava a violação do dever de lealdade e o dever de assiduidade.

    T – Relativamente ao dever de lealdade, considerou a decisão que, este dever não foi violado porquanto, não constam da acusação ou do relatório final do processo disciplinar quaisquer factos concretos relativos a esta matéria, designadamente, a prova de sobreposição de horários, contudo, no Relatório Final do processo disciplinar refere-se expressamente que “ambos os Diretores deste Centro confirmaram que dessa acumulação...

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