Acórdão nº 2131/10.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO J....., propôs acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS (EP) para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por danos resultantes do "mau funcionamento da justiça", peticionando a condenação no pagamento de uma indemnização num valor não inferior a €30.000,00, acrescido do montante de €39.159,49.

Alegou, em suma, que: (…) assiste-lhe o direito ao ressarcimento de danos decorrentes do mau funcionamento da administração da justiça, em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado, tendo o mau funcionamento durando vários anos, especificamente, durante: a) dois anos e dois meses de inquérito sem ter sido desenvolvida qualquer diligência de inquérito (nem sequer a constituição de arguido ou a inquirição deste, do ofendido ora Autor, ou de qualquer outra pessoa), período durante o qual a responsabilidade criminal terá prescrito; b) mais de um ano e meio de instrução sem ter sido desenvolvida qualquer diligência, em suma quase 4 anos de procedimento criminal sem ter sido desenvolvida qualquer diligência... c) 10 anos de processo de averiguações promovido pelo Procuradoria Geral da República cujo resultado é, ainda hoje, incerto.".

Convoca que as omissões descritas ofendem os seus direitos e interesses legítimos, sendo ilícitas, existindo culpa na actuação pública. Sendo que, no seu entender, a ausência de inquérito e instrução que conduziu à prescrição da responsabilidade criminal e o alheamento do Ministério Público e restantes órgãos da administração, impediram a utilização dos mecanismos de que era titular.

Por sentença do TAC de Lisboa, de 27 de Maio de 2020, foi julgada a acção improcedente.

Inconformado o Autor, ora Recorrente, interpôs o presente recurso, terminando as Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem: “

  1. Deve ser alterado o número do processo de averiguações referido ao longo de sentença de "1/2000" para "237/98-A.P".

  2. Devem ser acrescentados os seguintes factos à matéria de facto considerada provada, tendo em conta os elementos de prova referidos infra: a) Em 30.11.2000 a Procuradoria Geral da República informou o Autor de que tinha sido instaurado um inquérito com vista ao apuramento das circunstâncias que determinaram a prescrição do inquérito n.° 15312/95.5TDLSB, processo esse que correu termos na Procuradoria Geral da República sob o n.° 237/98, L°CPP-AP-5 (cfr. ofício junto com a Petição Inicial como Documento 3).

    1. O Autor, em 17.12.2003 interpelou a Procuradoria-Geral da República sobre o desenvolvimento do processo de averiguações (cfr. requerimento junto com a Petição Inicial como Documento 4).

    2. Em 08.01.2004 a Procuradoria Geral da República informou o Autor de que o inquérito instaurado com vista ao apuramento das circunstâncias que determinaram a prescrição do inquérito n.° 15312/95.5TDLSB ainda não se encontrava concluído (cfr. ofício junto com a Petição Inicial como Documento 5).

    3. Entre 30.11.2000 e 17.12.2003, a Procuradoria-Geral da República não remeteu qualquer comunicação ao Autor a respeito do processo de averiguações às circunstâncias que determinaram a prescrição do inquérito n.° 15312/95.5TDLSB.

  3. A sentença recorrida entende que "a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (...) apenas respeita a situações ligadas à administração da justiça nos tribunais (...), por órgãos jurisdicionais e na função jurisdicional", concluindo que a pretensão indemnizatória pretendida se encontra fora do âmbito do funcionamento da justiça, na medida em que está em causa não a prolação de decisões judiciais, mas o exercício de competência disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público.

  4. Não obstante, e conforme se explanou, existe um posicionamento claro do Ministério Público entre os órgãos de soberania (tribunais) como órgão integrante destes - repare-se, aliás, que as disposições respeitantes ao Ministério Público constituem, na CRP, o capítulo IV, do Título V, relativo aos Tribunais -, não se englobando no conceito de "Administração Pública", mas integrando os Tribunais, aparecendo, nessa medida, como que "jurisdicionalizado e assimilado aos juízes", ainda que com eles não se confunda.

  5. Ainda que o Ministério Público seja um órgão independente e autónomo, características que não se negam nem discutem, a sua atuação irá sempre processar-se de acordo com notas de constitucionalidade, designadamente normas de legalidade e normas de estrita objetividade, entendendo-se por objetividade a exigência de obediência à verdade e à justiça.

  6. Desta forma, a sentença recorrida, quando refere que não se encontra sob debate a garantia jurisdicional que assiste ao cidadão de obter justiça no caso concreto, não configurando uma situação subsumível à responsabilidade do Estado por danos cometidos na administração da justiça e, consequentemente, que a questão relativa à demora na decisão nada tem a ver com a violação do direito fundamental a uma decisão em prazo razoável, interpreta e aplica incorretamente o artigo 22.°, o n.º 1, do artigo 119.°, e o n.º 1, do artigo 202.°, todos da CRP. Estes preceitos devem ser interpretados no sentido de, no caso concreto, ser admissível a responsabilização civil do Estado por atos praticados por magistrados do Ministério Público. Aliás, entendimento contrário, como aquele que é exposto na sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação daquelas normas.

    Caso assim se não entenda, deve aqui revelar a função do Ministério Público como "advogado do Estado", incumbindo-lhe a missão de defensor da legalidade democrática, participando e incluindo-se aqui não na função administrativa do Estado, mas sim na função jurisdicional.

  7. Desta forma, a sentença recorrida, quando refere que não se encontra sob debate a garantia jurisdicional que assiste ao cidadão de obter justiça no caso concreto, não configurando uma situação subsumível à responsabilidade do Estado por danos cometidos na administração da justiça e, consequentemente, que a questão relativa à demora na decisão nada tem a ver com a violação do direito fundamental a uma decisão em prazo razoável, interpreta e aplica incorretamente o artigo 22.°, o n.º 1, do artigo 119.°, e o n.º 1, do artigo 202.°, todos da CRP. Estes preceitos devem ser interpretados no sentido de, no caso concreto, ser admissível a responsabilização civil do Estado por atos praticados por magistrados do Ministério Público. Aliás, entendimento contrário, como aquele que é exposto na sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação daquelas normas.

  8. A função penal, assumida pelo Ministério Público como órgão do Estado, é exercida em nome do povo ou da comunidade, competindo-lhe recolher ou dirigir a recolha dos elementos de prova bastantes para submeter ao poder judicial as causas criminais.

  9. No presente caso, o Ministério Público delegou competências na Polícia Judiciária, para efeitos de investigação da denúncia, não tendo efetuado, posteriormente, qualquer diligência, não tendo sequer fiscalizado o que estava a ser realizado pelo órgão no qual havia delegado funções investigativas, permitindo que o prazo para decisão se estendesse no tempo sem que nada fosse decidido.

  10. Desta forma, a sentença recorrida, quando refere que não se encontra sob debate a garantia jurisdicional que assiste ao cidadão de obter justiça no caso concreto, não configurando uma situação subsumível à responsabilidade do Estado por danos cometidos na administração da justiça e, consequentemente, que a questão relativa à demora na decisão nada tem a ver com a violação do direito fundamental a uma decisão em prazo razoável, interpreta e aplica incorretamente o artigo 22.°, o n.º 1, do artigo 119.°, e o n.º 1, do artigo 202.°, todos da CRP. Estes preceitos devem ser interpretados no sentido de, no caso concreto, ser admissível a responsabilização civil do Estado por atos praticados por magistrados do Ministério Público. Aliás, entendimento contrário, como aquele que é exposto na sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação daquelas normas.  L) A sentença recorrida entende que estando em causa um alegado atraso na decisão de um procedimento administrativo, a obrigação de indemnização depende da demonstração de uma demora ilícita e culposa na decisão do procedimento administrativo e que essa demora foi causadora de danos na esfera jurídica do ora Recorrente, tendo sido considerado não ter isso sido alegado, nem provado e demonstrado pelo ora Recorrente.

  11. Refere ainda que do desrespeito do prazo para terminar a fase de inquérito (8 meses) não se pode extrair, sem mais, a constituição na obrigação de indemnizar ao abrigo do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT