Acórdão nº 00458/10.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO A.

, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum por esta intentada contra o MUNICÍPIO DE (...); M.

e mulher R.

; A. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A; FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL; e B.. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

, também com os sinais dos autos, que, em 19.06.2019, julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar à Autora a (i) quantia de € 43,904,00, a título de compensação por danos patrimoniais; (ii) a quantia de €10,500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais; (iii) e ainda o montante correspondente a 35% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram, mais absolvendo o Réu do peticionado.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1ª - Apesar de constar da fundamentação da Sentença, o Tribunal A quo omitiu, no dispositivo, a condenação do Réu no pagamento dos juros até efetivo e integral pagamento.

  1. - Trata-se manifestamente de um mero lapso passível de ser corrigido, pelo que deve ser corrigida a sentença, no sentido de ficar a constar que sobre cada uma das quantias parcelares em que o Réu for condenado a pagar acrescem juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  2. - Considerando a culpabilidade do responsável, à situação económica de lesado e lesante, às lesões sofridas, às sequelas de que a lesada ficou afetada, ao sofrimento físico-psíquico por esta experimentado, à equidade, ao que consta nos factos provados da sentença (e supra reproduzidos), ao que consta do relatório médico, à idade da Autora à data do acidente, ao número de anos com que já viveu e ainda irá ter de viver com as sequelas decorrentes do sinistro, é justa e equitativa a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 58.000,00.

  3. - A discordância da Autora, no presente recurso e quanto à matéria de facto provada e não provada restringe-se ao facto provado sob a alínea D, onde vem dado como provado que a Autora circularia sem o cinto de segurança colocado e ao facto não provado sob o n° 12°, onde vem dado como não provado que a Autora seguia no veículo PM com o cinto de segurança aplicado à volta do corpo.

  4. - Relativamente à questão do uso, ou não, do cinto de segurança pela Autora na altura do acidente, podemos ler na fundamentação da sentença que o Tribunal fundou a sua convicção de que não usaria cinto, baseado nos depoimentos de A. e D. ... e que, nessa parte, desvalorizou o depoimento do condutor do PM (pai da Autora), que afirmou que a sua filha usava o cinto de segurança.

  5. - Contudo, e com todo o respeito, não se entende como o Tribunal chegou a esta conclusão e esta falta de entendimento decorre do facto da testemunha A. ter, basicamente e contrariamente ao que refere a sentença, prestado um depoimento no sentido de que a Autora fazia, de facto, no momento do acidente, uso do cinto de segurança.

  6. - Dos depoimentos de: * H., ouvido no dia 06.11.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 01.34.40 a 2.27.13, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto concreto, de 1.50.00 a 1.51.28, de 1.50.00 a 1.51.28, de 1.52.50 a 1.53.06, de 2.40.40 a 2.41.26 e de 2.54.30 a 2.56.12 * A., ouvido no dia 14.12.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 01.37.20 a 02.07.30, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto em concreto, de 01.59.18 a 2.02.13 ...

    * D., ouvido no dia 14.12.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 02.08.20 a 02.37.00, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto em concreto, de 2.35.16 a 2.36.34 .

  7. - Resulta que apenas se pode concluir que a Autora seguia efetivamente com o cinto de segurança colocado bem como que não há contradição entre o que as testemunhas A. e H. referiram; 9ª - Por outro lado, e mesmo aceitando, na teoria, que a credibilidade da testemunha H. (apesar de, recorde-se, ser mera testemunha nestes Autos) possa levantar algumas reservas ao Tribunal face à qualidade de condutor que era no acidente dos Autos e ainda da qualidade de pai da Autora, a verdade é que é esse mesmo Tribunal que considerou que este prestou um depoimento credível quanto à matéria do acidente. Reputou-o como sério e coerente. Capaz de convencer, como convenceu, o Tribunal. Daí que não se conceba que essa mesma testemunha preste um depoimento incapaz de convencer o Tribunal quando diz que a filha levava cinto, especialmente se (e contrariamente ao que vem dito na sentença) esse facto é corroborado por outra testemunha, também ela considerada credível.

  8. - É certo que a Autora apresentava lesões no rosto que indicavam que tivesse sido projetada para a frente. Mas não esqueçamos que estamos em 2002 e, pela matrícula do veículo, sabemos que ele teria mais de 10 anos à data do acidente. Os cintos não tinham as mesmas aptidões dos cintos de hoje em dia para prender um passageiro ao banco em caso de impacto.

  9. - O cinto estava colocado, sim, mas não impediu que com o impacto, o corpo da Autora fosse “projetado” para a frente. Esta é a única conclusão que se pode retirar da prova efetuada em julgamento, analisada conjuntamente e em termos criteriosos.

  10. - Face ao exposto, é evidente que o elenco dos factos provados e não provados deve ser alterado, no sentido que segue: • o facto provado na al. D) deve ser alterado para: “com o cinto de segurança colocado” • o facto não provado sob o número 13 deve ser eliminado.

  11. - A matéria constante da prova produzida em Audiência, e gravada em suporte magnético é concludente, posto que ali vêm constatados factos que o Tribunal “A Quo”, incompreensivelmente, omitiu ou interpretou erradamente.

  12. - É de todo incompreensível a interpretação que a Mma Juiz A Quo fez dos depoimentos prestados em audiência, assim como é incompreensível a completa omissão das regras da experiência e do senso comum.

  13. - Devem, como se disse, as respostas à matéria de facto acima enunciadas ser alteradas, com as consequências do disposto no art°. 662° n°. 1 do Cód. Proc. Civil.

  14. - Com a alteração da matéria de facto por que se pugnou acima, e que se espera seja deferida, não se pode concluir que a Autora seguia sem o respetivo cinto de segurança colocado. Pelo contrário. Contudo, saber se o cinto de segurança era ou não apto a prender devidamente a menor ao assento é outra questão. Mas quanto a isso, diremos nós, que culpa tem o pai da Autora ou a própria Autora de os cintos, àquela data, não terem a capacidade que atualmente têm? Nenhuma! 17ª - Imaginemos o mesmo acidente ocorrido hoje em dia, com um veículo devidamente apetrechado com cintos de segurança eficazes e com airbags. Com o impacto, o passageiro até poderia não embater nem no tablier nem no vidro mas o airbag disparava e o passageiro nele embatia. Sabe-se que estes contêm químicos extremamente perigosos que provocam lesões, designadamente a nível ocular. Neste contexto, a culpa do Réu, responsável pelo acidente, estaria diminuída? Ou, vendo do prisma oposto, o condutor do veículo seria responsável, ainda que parcialmente, pelos danos provocados pelo rebentamento do airbag? Obviamente que não.

  15. - Até podemos aceitar que o pai da Autora tenha alguma responsabilidade pelo facto de permitir que esta circulasse no banco da frente, mas já não se aceita que a esse facto deva ser atribuída uma proporção tão elevada de responsabilidade como a que a sentença fixou, para a produção dos danos sofridos pela sua filha, que sempre ocorreriam com cintos mais eficazes e num veículo “melhor apetrechado”.

  16. - Relevante aqui também relembrar e salientar que o condutor do PM não foi considerado responsável pela produção do acidente, pois que a ele não foram atribuídas culpas a esse nível - vale isto por dizer que se o Réu Município tivesse cumprido com as suas obrigações de sinalizar devidamente o local, o acidente (e consequentemente, os danos), não ocorreria.

  17. - Dito isto, a responsabilidade do pai da Autora para o agravamento dos danos jamais poderá ser computada em mais de 20%, sendo a proporção de 65% de responsabilidade no agravamento dos danos é de uma atrocidade indescritível, além de ser completamente arbitrária, pelo que deve ser reduzida para não mais de 20%.

  18. - O Réu terá de se cifrar nos seguintes montantes e termos: - dano moral: € 46.400,00 (€ 58.000,00 - 20% = 11.600,00) - dano patrimonial: € 100.352,00 (€ 125.440,00 - 20% = € 25.088,00) - e bem ainda o valor correspondente a 80% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha de ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver de fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.

  19. - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art°s 607° n°s. 3, 4 e 5 do C. P. Civil e no art° 805°, n° 3 do Cód. Civil, dos quais (de todos) fez uma incorreta interpretação e aplicação, sendo ainda manifesto o erro na apreciação da prova, tudo a determinar os termos do art°. 662° n°s. 1, 2, 3, 4 e 5 do C. P. Civil.

    NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, na procedência do presente recurso, revogando a douta Sentença de Primeira Instância e proferindo Acórdão que altere a sentença nos termos preconizados nas precedentes...

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