Acórdão nº 0416/09.7BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo nº: 416/09.7BECBR (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO A…………………, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 11-10-2018, que julgou improcedente a pretensão deduzida pela mesma no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações oficiosas de IRC dos exercícios de 2003 e 2004, mantidas por decisões proferidas em procedimento de reclamação graciosa e posterior recurso hierárquico.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…)

  1. O presente recurso põe em crise os fundamentos de direito da sentença proferida que preconiza e defende que efectuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação, se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e preconiza e defende que a demonstração da inexistência ou não verificação do facto tributário é da inteira responsabilidade do sujeito passivo, porquanto tais declarações não gozam de presunção de veracidade e de boa fé.

  2. No entanto, entende-se que existe vício de violação de lei, pois embora o tribunal “a quo” tenha entendido que as declarações tributárias entregues pelo sujeito passivo fora dos prazos legais estão destituídas da presunção legal de veracidade com assento nos artigos 74º, e 75º nº2, da LGT, entende a Recorrente que a resposta à questão não se afigura tão automática e cristalina, seja pelos princípios normativos que enformaram a presunção legal de veracidade, seja pela não exclusão literal daquela força probatória pelo mero decurso do tempo.

  3. Pois é feita uma interpretação extensiva, abusiva e ilegal do nº 2 do art.º 75 da LGT, segundo a qual o comportamento do sujeito passivo, se cumprido dentro dos prazos legais, é movido por boa-fé, sem mais, mas se cumprido extemporaneamente está imediatamente excomungado daqueles ditames e ferido nas suas “boas intenções”.

  4. O que não se aceita visto que o legislador não se sente perturbado com a possibilidade de apresentação de declarações substitutivas de que resulte imposto superior durante quase todo o decurso do prazo de caducidade de liquidação (cfr. artigo 59º, n.º 3, alínea b), ponto III) do CPPT), pelo que em homenagem aos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, se impõe também a solução inversa, ou seja, a apresentação de declarações de que resulte imposto inferior ao liquidado oficiosamente.

  5. O legislador presume a boa-fé do sujeito passivo (cfr. artigo 59º, nº 2 da LGT) e daí decorre necessariamente que tem de confiar nas suas declarações da mesma forma apesar da sua apresentação fora de prazo, podendo contudo, solicitar elementos probatórios a fim de aferir da sua validade e compatibilidade com a realidade fiscal, aliás tal como o pode fazer em qualquer circunstância.

  6. Sem esquecer que no artigo 75º, nº 2, da LGT mais não faz, o legislador, do que evidenciar que certos factos desde logo permitem rejeitar aquele tratamento merecedor de veracidade, neles não figurando, nem expressa, nem indirectamente, o decurso do tempo de per se.

  7. Caso duvide do teor/materialidade das declarações entregues pelo sujeito passivo, a AT goza, para além das situações de entrega das declarações dentro do prazo, também nestas situações, de idênticos recursos e mecanismos de fiscalização e controlo da situação tributária auto-revelada pelo sujeito passivo, o que não fez in casu.

  8. A perda daquela presunção de veracidade não decorre da lei, quanto interpretada de forma integrada e una, nem o desmerecimento das declarações tributárias se revela digno de tutela pelo decurso do tempo, da lei, só decorre que a declaração apresentada fora de prazo deve continuar a merecer um tratamento legal análogo, o que, conforme é bom de ver, em caso algum inibe a AT de prosseguir na descoberta da verdade material (cfr. artigo 58º da LGT) e da tributação pelo rendimento real, princípios que regem todo o procedimento tributário, e que não são por isso interrompidos ou abafados com o decurso do prazo legal de apresentação das declarações de rendimentos.

  9. Por isso, a recorrente entende, pois que no caso em análise, as declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo, após a liquidação oficiosa promovida pela AT, deveriam ser credoras do mesmo tratamento de presunção de boa-fé, sem prejuízo a AT pudesse solicitar todos os esclarecimentos que entendesse pertinentes (cfr. artigo 59º, nº 4 da LGT) em ordem a testar a credibilidade da mesma, se motivos houvesse para dela dissentir, assim se cumprindo o disposto no artigo 83.º, nº10 do CIRC, o que não sucedeu.

  10. E, tal como bem consta na sentença proferida pelo tribunal, “Ora, a pretensão da ora Impugnante foi indeferida pela AT por vários motivos, embora alguns deles, talvez fruto de serem vertidos por técnica economista, NÃO MUITO FELIZES OU CERTOS JURIDICAMENTE. FALAMOS, CLARO ESTÁ, DA AFIRMAÇÃO DA NÃO SUBORDINAÇÃO DIRECTA DA AT À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DA IMPOSSIBILIDADE DE ANALOGIA EM DIREITO, COMO SE PODE LER DO TEOR DOS RECURSOS HIERÁRQUICOS EM CAUSA (cfr. factos provados sob os pontos 3. e 7.).”.

  11. Pelo que tais decisões, impugnadas, se subsumem numa tomada de posição vaga, imprecisa e inválida, que não de per si fazer inverter o ónus da prova, nem tão pouco revogar a presunção legal de veracidade estabelecida na lei fiscal para aquelas declarações apresentadas pelo sujeito passivo, ainda que fora do prazo legal para o efeito.

  12. A AT tem como dever legal o de prosseguir pelo objectivo da tributação pelo rendimento real, e, em momento algum, foi a Recorrente notificada para proceder à junção dos documentos dos factos invocados, designadamente, dos constantes das declarações de rendimento por si entregues.

  13. O que demonstra a violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, quer nos termos do art.º 55º da LGT, segundo o qual a: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, sendo que estes princípios estão a montante do ónus da prova.

  14. Pois, a direcção da instrução do procedimento tributário cabe à administração tributária (art.º71 da LGT). Toda a actividade da administração tributária deve subordinar-se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art.º103º, nº1, da CRP). Por força do preceituado no art.º266º da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.

  15. Também o art.º3º do CPA concretiza o princípio da legalidade especificando que «os órgãos da administração pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos».

  16. Ainda, o princípio da igualdade impõe à Administração que, nas suas relações com os particulares, os trate de forma igualitária, não os privilegiando, beneficiando, prejudicando, privando de qualquer direito ou isentando de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social (art.º5º, nº1, do CPA).

  17. Também, o princípio da proporcionalidade obriga a administração a não afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionados aos objectivos a realizar (art.º5º, nº2, do C.P.A.). O art.º46º do C.P.P.T. reafirma e desenvolve este princípio estabelecendo que «os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade», mesmo expressamente previsto no nº2 do art.º63º da L.G.T.

  18. Os princípios da justiça e imparcialidade impõem à administração que trate de forma justa e imparcial os que com ela entrem em relação, expressamente prevista no art.º58º da L.G.T.

  19. Da mesma forma, também o princípio da boa fé determina que a administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua actuação e o objectivo a alcançar (art.º6º-A do C.P.A.), com suporte no art.º266º, nº2, da C.R.P., e reconhecimento na L.G.T. nos seus arts. 59º, nº1, e 68º. Veja-se a esse propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Janeiro de 2015.

  20. Sempre, com a pretensão de alcançar a tributação do rendimento real do sujeito passivo, pelo que, in casu, viola-se, de forma grosseira, o disposto nº2 do art.º104 da CRP.

  21. Conclui-se, pois, que não só é errónea, ilegal e inválida a interpretação que decide pela invalidade e falta de força probatória das declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2003 e 2004, apresentadas pelo sujeito passivo posteriormente à emissão de uma liquidação oficiosa determinada pela Administração Tributária.

  22. Tal como é ilegal e despropositada a interpretação feita, pela douta sentença recorrida, no sentido de onerar o sujeito passivo com a obrigação de apresentação de documentação ou elementos da sua contabilidade, sem que conste do probatório da mesma que tenha recebido...

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