Acórdão nº 3537/17.9T8SRT-H.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Comércio de Santarém, por apenso à respectiva acção de insolvência, veio a Massa Insolvente de “(…)”, representada pelo respectivo administrador de insolvência, propôr contra (…) duas acções (posteriormente apensadas e incorporadas num único processo), para resolução em benefício da massa insolvente de negócios realizados pelo insolvente.

Na primeira acção, proposta em 08.06.2018, peticionou-se a resolução do acto de constituição de hipoteca a favor do Réu, realizado em 01.09.2017, para garantia de alegado crédito de € 76.500,00, acrescida de juros à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sobre o direito de superfície do prédio urbano descrito na CRP de Almeirim sob o número …/Fazendas de Almeirim, e consequente cancelamento da hipoteca.

Na segunda acção, proposta em 07.09.2018, peticionou-se a resolução do contrato celebrado em 28.07.2017 entre o insolvente e o Réu, por escrito particular, de compra e venda de 10 acções, com o valor nominal, cada uma, de mil euros, da sociedade (…) – Investimentos, S.A., restituindo-se à massa insolvente tais bens mobiliários.

Na contestação à primeira acção, o R. limitou-se a alegar a inexistência dos requisitos legais necessários ao efeito jurídico pretendido pela demandante.

Já na contestação à segunda acção, para além de alegar a inexistência de tais requisitos, o R. alegou a caducidade do direito pretendido exercer pela massa insolvente, pois o Administrador da Insolvência tomou conhecimento do negócio em causa muito antes de 15.03.2018.

Entendendo que a acção deveria ter sido instaurada também contra o insolvente, foi proferido despacho, em 18.10.2019, convidando a demandante a suprir “excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário passivo”.

Nessa sequência, a demandante apresentou requerimento, em 24.10.2019, notando que a acção apenas “deveria ter como destinatário aquele que negociou com o insolvente”, pois o AI age em representação legal do insolvente.

De todo o modo, por prudência de patrocínio, requereu a intervenção principal do insolvente (…), o que foi deferido, por despacho proferido em 18.12.2019.

Este veio aos autos e apresentou articulado, invocando a caducidade do direito pretendido exercer pela demandante, pois tendo o AI sido notificado da declaração de insolvência em 20.12.2017, tomando nessa data conhecimento dos actos que pretendia resolver, o insolvente apenas foi citado para os termos dos autos em 15.01.2020, mostrando-se assim esgotados os prazos a que alude o art. 123.º, n.º 1, do CIRE. Caso se entenda que o referido prazo é de prescrição, de igual modo se verifica a preclusão do direito de resolver o negócio.

A decisão recorrida entendeu que, para que a resolução em benefício da massa insolvente fosse eficaz, a acção deveria ter sido deduzida também contra o insolvente, o qual deveria ter sido citado nos prazos aludidos no artigo 123.º, n.º 1, do CIRE. Visto que a insolvência foi decretada em 19.12.2017 e o insolvente citado para a causa apenas em 15.01.2020, considerou decorrido o prazo de dois anos a que alude a mencionada norma e, face à procedência da excepção de caducidade, absolveu os RR. do pedido.

Daí que a A. introduza a instância recursiva, concluindo: A. A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida de, entendendo verificar-se a excepção de caducidade invocada pelo R. (…), determinar a total improcedência da presente acção (composta pelo presente apenso e pelo apenso F).

  1. A recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo, pelo entendimento que fez de a presente acção importar litisconsórcio passivo necessário, com a fundamentação de ter o insolvente de ser também demandado e, conhecendo que a citação deste para a mesma ocorreu já transcorridos seis meses após o conhecimento dos negócios que se pretendem ver resolvidos pelo A.I., considerou, então, verificada a excepção de caducidade desse direito de resolução, com a consequente total improcedência da acção instaurada.

  2. A Recorrente, persiste no entendimento que os pedidos formulados na presente acção não envolvem a necessidade de o insolvente ter de ser demandado para a mesma, não obstante não enjeitar que, ao convite deste Tribunal a quo, acedeu a suscitar a sua intervenção nos presentes autos.

  3. Tal não significa que a citação do insolvente mesmo após os seis meses do conhecimento pelo AI dos negócios que este celebrou com o Réu originalmente demandado acarrete a consequência de total improcedência dessa acção, já que tem só este efectivamente encontrar-se em juízo, posto que é apenas este que se vê prejudicado pela(s) demanda(s), tendo ele sido oportunamente citado para a(s) mesma(s).

  4. O Tribunal a quo, em 18-10-2019 convidou a chamar o insolvente a intervir nos autos, mas não proferiu o despacho no sentido de determinar a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário do lado passivo, pelo que não ocorreu trânsito em julgado quanto à discussão sobre a legitimidade das partes.

  5. Nesse despacho proferido apenas expressou o Tribunal ser esse o seu entendimento, não o determinando assim, embora convidando à ora Recorrente para suscitar, se assim o pretendesse a intervenção nos autos do insolvente.

  6. Poderá e deverá ainda este Tribunal ad quem, ex oficio, apurar se o que foi impetrado na presente acção implicava efectivamente a necessidade de ser também demandado o insolvente para a mesma, uma vez que não produz essa resolução para si efeitos pessoais que possam cessar em virtude desta e que não importem à insolvência.

  7. O caso dos autos não constitui situação de litisconsórcio necessário do lado passivo.

    I. Assim curando este Colendo Tribunal, a caducidade do direito de resolver os negócios postos em crise, só se colocará quanto ao insolvente, que não quanto ao Réu que com o insolvente negociou.

  8. Constituindo temática controversa a questão da necessidade da intervenção do insolvente em acção ou impugnação de resolução de negócios, no sentido do defendido pela Recorrente veja-se, por exemplo, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 22-06-2020, no âmbito do processo que correu seus termos sob o número 4730/18.2T8VIS-D.C1 (disponível in www.dgsi.pt), decidindo no sentido de não conferir legitimidade activa ao insolvente para impugnar as resoluções de negócios declarada pelo AI , por entender parte legítima apenas o terceiro por elas prejudicado e, por isso mesmo, com interesse em as atacar.

  9. Nos casos concretos em causa nos autos, não ocorrendo efeitos pessoais para o insolvente que possam cessar em virtude das resoluções e que não importem à insolvência, não nos encontramos perante a necessidade de o demandar.

    L. Não tendo de o demandar, mesmo que se o haja feito depois de convite formulado pelo Venerando Tribunal a quo, com este pressuposto, não se verificou a caducidade do direito de resolver os negócios postos em crise, visto que aquele que é o sujeito processual visado com a declaração de resolução foi em tempo citado para as acções instauradas, sendo a intervenção nos presentes autos do insolvente absolutamente dispensável.

  10. Com a declaração de insolvência, o insolvente fica em geral privado de poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, poderes que passam a competir ao administrador da insolvência – cfr. artigo 81.º, n.º 1, do CIRE.

  11. O AI, a partir do momento em que é declarado o estado de insolvência de um particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de...

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