Acórdão nº 343/11.8BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CARDOSO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO 1. A impugnante, S..., Lda., e a Fazenda Pública vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela primeira, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa que apresentou contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas ao exercício de 2006, no montante global de € 211.398,74.

2. A Recorrente S..., Lda apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «a) As faturas contabilizadas pelo contribuinte para efeitos de dedução do IVA nelas liquidado presumem-se verdadeiras e de boa-fé, por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, cessando tal presunção apenas se revelarem indícios fundados (o sublinhado é nosso) de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cfr. artigo 75.º, n.º 2, do mesmo normativo).

b) O douto Acórdão do TCA Sul de 29.04.2004, proferido no proc. 6449/02 e citado pela Sentença recorrida, refere a este respeito: «À Administração Tributária compete a demonstração de que tais elementos não correspondem à realidade tributária, devendo fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao Direito Fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte (novamente, os sublinhados são nossos).» c) Assim, os elementos indiciários que traduzam uma probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais devem ser sérios, concretos e objetivos ao ponto de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respetivos documentos de suporte.

d) Veja-se designadamente a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 06115/12 em 27-10-2016: «(...) As afirmações segundo as quais "o prestador de serviços (...) emitente de facturas, é não declarante, não possui contabilidade de modo a reflectir na mesma os proveitos correspondentes, nem possui um quadro de pessoal que permita prestar serviços por si facturados aos seus clientes" ou, também, que a empresa/ emitente não se mostra inscrita no Instituto da Construção e do Imobiliário, não podem considerar-se indícios suficientes que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais.» e) A Sentença recorrida entendeu que em algumas situações o contribuinte logrou provar que as operações constantes da escrita e dos respetivos documentos de suporte se realizaram, e não teria logrado tal prova noutras situações - sendo que tal entendimento "misto" representa uma contradição em termos, pois que em todas as situações em apreço (subempreitadas de construção civil) a atuação do contribuinte foi idêntica.

f) A ação inspetiva decorreu em 2010/2011 (entre quatro e cinco anos após a realização das subempreitadas a que respeitam as facturas em apreço), e a inquirição das testemunhas ouvidas nos presentes autos em 2012, pelo que mesmo que se entenda que o ónus da prova cabe ao contribuinte, é profundamente injusto impor-lhe que apresente prova testemunhal tanto tempo decorrido sobretudo num setor como o da construção civil, fortemente abalado com a crise económica de 2008 e no qual inúmeras empresas, empreiteiros e subempreiteiros (particularmente de origem africana, como é o caso daqueles a que respeitam as facturas em apreço nos autos) mudaram de actividade ou regressaram aos seus países de origem.

g) A evidência de que foram realizadas pelo menos algumas das operações em causa (aquelas relativamente às quais o contribuinte conseguiu localizar as testemunhas, tantos anos volvidos...) abala de forma significativa a convicção da AT.

h) Como refere (e bem) a Sentença recorrida, nos serviços que o contribuinte prestava aos seus clientes, as obras eram iniciadas apenas com os seus trabalhadores, recorrendo-se, depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, e com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra.

i) A Sentença recorrida entende que tal prova apenas deverá ser considerada para algumas das obras, mas à luz das regras de experiência nenhum sentido faria que o procedimento fosse distinto em outras obras quando estão em causa os mesmos subempreiteiros.

j) E aqui deverá entender-se, com o douto suprimento de V. Exas., que a prova de tais factos é idónea para afastar a "probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas em causa nos autos serem simuladas".

k) A Sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 75.º da LGT, e 19.º, n.º 3, do CIVA.

l) Deveria ter interpretado e aplicado corretamente tais preceitos, anulando todas as liquidações adicionais em causa nos autos e não apenas parte delas.

m) Devendo pois concluir-se, nestes termos e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, pela total procedência da impugnação apresentada, com anulação das liquidações adicionais na parte não abrangida pela Sentença recorrida, com os legais efeitos.

Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!» 3. Não foi apresentada contra-alegação.

4. A também recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «I. Em causa nos presentes autos está a impugnação judicial da liquidação de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2006 no valor de € 211.398,74 resultante da desconsideração do IVA deduzido pela impugnante em facturas que a Administração fiscal reputou de falsas.

80. Para julgar a impugnação parcialmente procedente, considerou a douta sentença, que " quanto às obras C... - Vila Moura, T... Hotel - Setúbal, Q... - Lisboa, Entrecampos - Lisboa, Bairro da Boa Esperança - Beja, B... Parque- Sintra, Centro Comercial - São João da Madeira, considerar as faturas e o imposto dedutível, porque relativamente a cada uma delas foram emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, não obstante da prova testemunhal produzida não ter resultado provado qual concretamente, deverá dar-se por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes." II. E é relativamente a este ponto que não pode a Autoridade Tributária conformar-se com esta decisão de procedência parcial da presente Impugnação entendendo que a, aliás Douta Sentença, fez uma errada análise da factualidade que fixou, bem como consequente incorreta aplicação do direito; III. Em nosso entendimento a sentença recorrida: errou nos juízos fáctico-conclusivos resultantes do probatório, pois considerou que a Administração demonstrou a existência de indícios suficientes de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e que a impugnante não fez prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelo emitente das facturas, retirando daí a legalidade da atuação da Administração Tributária.

  1. Do que se retira da motivação da decisão de facto a decisão sobre esta matéria baseou-se na prova documental junta aos autos, em especial, o Relatório de Inspecção Tributária e sobretudo nos depoimentos das testemunhas inquiridas que não lograram convencer o tribunal no sentido da prova positiva da factualidade alegada pela Impugnante.

  2. Em suma, errou o tribunal nas conclusões que retirou da matéria de facto, em concreto a efetiva prestação de serviços por parte dos respetivos emitentes, que, segundo parece, não se sabe quais são.

  3. Nos presentes autos, movemo-nos no âmbito de correcções ao IVA deduzido, nos termos do artigo 19.°, n.° 3 do Código do IVA, por desconsideração de facturas reputadas pela Administração de falsas (e, consequentemente, do IVA nelas contido e deduzido), nos termos do qual não pode deduzir-se imposto que resulte de operaçõo simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

  4. Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.° da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

  5. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção, não importando apenas para que a escrita do sujeito passivo possa presumir-se verdadeira nos termos do artigo 75.° da LGT que a mesma se encontre organizada segundo a lei comercial e fiscal.

  6. Nesta matéria, tal como bem se referiu na douta sentença no enquadramento jurídico efectuado, deve ter-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação.

  7. Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.° da LGT.

  8. Ora é consabido que para abalar a presunção de veracidade da escrita consagrada no artigo 75.° da LGT não é necessário que a Administração Fiscal prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 204.° do Código Civil bastando-lhe tão somente a prova de elementos indiciários que por objetivos e sérios levem a concluir nesse sentido.

  9. E foi por esta linha de raciocínio que a douta sentença recorrida se orientou: considerou que os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT