Acórdão nº 01259/20.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS - SEF -, igualmente identificado nos autos, que, em 21.09.2020 julgou “(…) o presente processo cautelar improcedente, não adotando a medida cautelar requerida (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que veio julgar improcedente o processo cautelar deduzido pelo ora Recorrente e, consequentemente, improcedente a medida cautelar requerida.

  1. Com tal decisão, o Mm° Juiz a quo violou e fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, na redação introduzida pela Lei n.° 28/2019, de 29 de março; bem como do artigo 62.° do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, de 05/11, na redação introduzida pelo artigo 2.° do Decreto-Regulamentar n.° 9/2018, de 11/09, para efeitos de interpretação e consideração do alcance do art.123.°, n° 1, alínea b), da Lei n.° 23/2007, de 04/07.

  2. Entende o Recorrente que os factos dados como provados nos números 5 e 9 não deveriam constar do corpo da sentença nos termos ali propostos, em face da prova documental produzida, pugnando, dessa forma, pela alteração de tais números.

  3. Da confrontação da matéria de facto dada como provada nos pontos n.°s 2, 4, 5, 6, 7 e 9, com a interpretação preconizado pelo douto Tribunal quanto ao sentido e alcance do artigo 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007, e do artigo 62.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, veio a julgar improcedente o requisito do fumus boni iuris e, consequentemente, a também improcedente o petitório deduzido pelo Recorrente.

  4. O entendimento preconizado pelo douto Tribunal recorrido quanto ao artigo 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007 assenta na base de que, para efeitos da “situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses” determinada por lei, deverão ser aferidos os descontos realizados pelo Recorrente para o sistema de segurança social no período de doze meses anteriores à prática do ato administrativo suspendendo.

  5. Leitura que, de resto, acaba por ser novamente preconizada pelo douto Tribunal recorrido quanto ao alcance do artigo 62.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, ao destacar que “do mesmo modo e com os mesmos argumentos falece a argumentação do Requerente”.

  6. Quer num caso, quer noutro, são os normativos em causa totalmente omissos quanto àquela forma de contabilização do período de um ano.

  7. Sendo ainda certo que nenhum outro elemento poderá aqui servir de respaldo à teoria partilhada pelo insigne Tribunal, porquanto nada mais é dito a este propósito, tanto numa vertente de iure constituto, como numa vertente de iure condendo.

  8. O que nem tampouco se alcança pela ponderação de uma interpretação extensiva que houvesse tido lugar, uma vez que, além de nada ser lavrado a este respeito, também nada nos leva a concluir que o legislador minus dixit quam voluit.

  9. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina para elementos de ordem sistemática, histórica e teleológica.

  10. A verdade é que a redação dos artigos 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007, e 62.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, não pode nunca equivaler a uma leitura que venha estabelecer como período de referência os doze meses imediatamente anteriores à prática do ato administrativo impugnado, e, por isso, bem além do escopo legislativo.

  11. Se legislador queria significar que o período de contagem de “pelo menos doze meses" ou “período superior a um ano" se referia ao período dos doze meses imediatamente anteriores à prática do ato administrativo impugnado, teria usado, por certo, essa expressão literal de modo de contagem, 13. Como aliás o fez ao longo da Lei n.° 23/2007, nos artigos 56.°-A, n.° 1, alínea e); 56.°- G, n.° 2; 85.°, n.° 2, alíneas a) e b); 117.°, n.° 1, 124.°-B, n.° 1, alínea b); e 198.°-A, n.° 2, alínea b) - todos eles artigos através dos quais se colhe um específico e literal modo de contagem.

  12. É ainda do conhecimento geral que por “situação regularizada perante a segurança social" se deve compreender a inexistência de dívidas contributivas, quotizações, juros de mora ou outros valores devidos pelo contribuinte ao Sistema da Segurança Social - sem prejuízo das situações de pagamento faseado ou de impugnação do valor devido com prestação de garantia para o efeito.

  13. Sendo que, quanto a isto, inexiste qualquer valor em dívida, reclamado ou de que o Recorrente haja sido notificado para regularizar, o que por si demonstra o efetivo cumprimento do pressuposto legal de ter a “situação regularizada”.

  14. Já quanto à expressão “inserção no mercado laboral”, jamais faria sentido apreciar a verificação deste elemento com referência aos doze meses imediatamente anteriores, porquanto, 17. Caso tivesse sido esse o desígnio legislativo, ter-se-ia atendido a diplomas reguladores da área laboral e contributiva, como sucede com o artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 220/2006.

  15. Além disso, se a lei refere “por um período superior a um ano”, daqui decorre que o período igual a um ano não é suficiente para o preenchimento daquela previsão, de modo que, a vingar o entendimento alinhavado pelo douto Tribunal recorrido, nunca se poderia dar como cumprido tal pressuposto.

  16. É, por isso, manifesto que as expressões empregues nos artigos 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007, e 62.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, não tem o sentido que lhes foi atribuído pelo douto Tribunal Recorrido na sentença proferida, nem tampouco poderão ser dessa forma interpretadas, sob pena de violação do artigo 9.° do Código Civil, dos artigos 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007, e 62.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, cuja aplicação se requer, e dos artigos 13.° e 15.° da Constituição da República Portuguesa.

  17. Por publicação da Lei n.° 28/2019, de 29/03, foi estabelecida uma presunção de entrada legal na concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional, procedendo, à sétima alteração à Lei n.° 23/2007, de 4 de julho 21. Passou o artigo 88.°, n.° 6, da Lei n.° 23/2007 a dispor que “presume-se a entrada legal prevista na alínea b) do n.° 2 sempre que o requerente trabalhe em território nacional e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses.” 22. Veja-se, como exemplo da informação promovida que para estes cidadãos é veiculada, o Folheto informativo elaborado pelos serviços do SEF, onde é possível ler que: “Quem não tenha comprovativo de entrada legal no país, mas cumpra todos os restantes requisitos previstos na Lei, e esteja a trabalhar em Portugal há mais de um ano, com descontos para a Segurança Social, pode beneficiar do regime excecional por razões humanitárias para a concessão de uma autorização de residência".

  18. Solução que é, ainda, confirmada na própria página on-line do SEF.

  19. Mais se alertando para o facto de o elemento temporal “por um período superior a um ano” não especificar qualquer modo de contagem.

  20. É de concluir que tal decisão proferida pela Entidade Demandada padece de uma violação legal, por desrespeito do artigo 88.°, n.°s 1, 2 e 6, da Lei n.° 23/2007...

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