Acórdão nº 00581/15.4BELRA de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE (...) propôs acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE C(...), peticionando o seguinte: “Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e consequentemente, deve: 1. O Réu ser condenado a pagar ao Autor a quantia de €186.502,82 (cento e oitenta e seis mil, quinhentos e dois euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos que à presente data totalizam a quantia de €14.695,40, bem como dos vincendos, até efetivo e integral pagamento.

  1. Ser o Réu condenado no pagamento de custas de parte.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada totalmente procedente a acção e condenado o Réu ao pagamento ao Autor de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no valor de €186.502,82, bem como ao pagamento dos juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões: 1.ª Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 28.12.2019, a qual, julgando provados e preenchidos, no caso concreto, todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado - o facto ilícito, a culpa, a existência de danos e o nexo de causalidade entre os danos e o facto ilícito praticado - julgou procedente a acção instaurada pelo ora Recorrido, o MUNICÍPIO DE (...), condenando o MUNICÍPIO DE C(...) ao pagamento ao Autor de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no valor de €186.502,82, bem como ao pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

  1. Ao considerar provados e ao concluir pela verificação, in casu, dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual - o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto provada e errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 562.º e 564.º n.º 1 do CC.

  2. Ao contrário do entendimento plasmado na sentença recorrida, não decorre só por si do ponto 12) do probatório que o pagamento dos salários ao funcionário R., no período entre Novembro de 2007 e Agosto de 2011, por parte do MUNICÍPIO DE (...), ainda que obrigatório, tenha constituído um dano indemnizável, para efeitos de responsabilidade civil extracontratual, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter concluído, com fundamento apenas nesse facto, que o despacho do Senhor Presidente da Câmara de C(...), de 10.01.2007, provocou prejuízos ao MUNICÍPIO DE (...).

  3. A constatação de que o facto ilícito causou prejuízo a alguém, i.é., lhe casou dano efectivo, é condição essencial para que se conclua pela obrigação de indemnizar (art. 564.º n.º 1 do CC), concluindo-se pela existência de danos caso eles resultem da prova produzida, recaindo sobre o Autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito arrogado (art. 342.º n.º 1 do CC).

  4. O Autor alegou que durante o período que medeia entre o despacho do Presidente da Câmara Municipal de C(...) que veio a ser anulado e a sua reintegração nesse Município, o funcionário R. não prestava trabalho efectivo ao Autor, uma vez que não podia exercer funções distintas das correspondentes à sua categoria profissional e que essas funções já eram exercidas desde 1999 por outro funcionário do MUNICÍPIO DE (...), pelo que se o Réu não tivesse praticado o acto que veio a ser anulado, não teria o Autor de adiantar àquele funcionário, a título cautelar, e sem a correspondente prestação de trabalho, os salários que deveria ter recebido do Réu - cf. artigos 23.º, 24.º, 35.º, 36.º, 37.º e 38.º da petição inicial aperfeiçoada - mas não apresentou o Autor qualquer meio de prova susceptível de comprovar tais factos, como lhe competia (art. 342.º n.º 1 do CC).

  5. Em sede de contestação, o Município Réu impugnou expressamente o alegado naqueles artigos - cf. artigo 20.º da contestação apresentada a 25.05.2017 - pelo que, a questão de saber se o funcionário R. prestou ou não serviço efectivo no MUNICÍPIO DE (...) no período compreendido entre Novembro de 2007 e Agosto de 2011 consubstanciava matéria de facto controvertida.

  6. A sentença recorrida terá considerado que tal matéria controvertida não se afigurava essencial para a decisão de mérito a proferir, não tendo designado data para a realização de audiência prévia (art. 87.º-A do CPTA), e não tendo sido proferido despacho nos termos do art. 87.º-B, para os fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 87.º-A do CPTA, possibilitando a abertura de fase de instrução quanto à realidade factual controvertida (arts. 410.º do CPC e 90.º do CPTA).

  7. Por não ter sido produzida prova em sede de instrução, e por não resultar da prova documental junta aos autos, não se pode considerar que se provou e, por isso, o Tribunal não deu como provado que, no período em que o funcionário R. esteve ao serviço do MUNICÍPIO DE (...), entre Novembro de 2007 e Agosto de 2011, não prestou serviço efectivo, ou seja, não deu como provado que o funcionário não trabalhou durante aquele período.

  8. E não tendo sido provado que o funcionário não trabalhou no MUNICÍPIO DE (...), que nele não desempenhou qualquer função no sobredito período, não se pode concluir que se provou que o Autor sofreu danos com a prática do dito acto, pelo que, não poderia a sentença ter concluído, como concluiu, que o MUNICÍPIO DE (...) sofreu um prejuízo real e efectivo ao proceder ao pagamento dos salários ao trabalhador.

  9. Tendo sido, ou não, obrigado a suportar as remunerações do funcionário, decorre das presunções naturais e da experiência comum, ao contrário do que a sentença inferiu, que o MUNICÍPIO DE (...) recebeu, em contrapartida, o trabalho prestado pelo funcionário R..

  10. Não tendo o Autor provado os alegados danos causados pela prática do acto emanado a 10.01.2007 pelo Presidente da Câmara de C(...), não poderia a sentença ter decidido pela verificação dos mesmos, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento.

  11. E não tendo sido provada a existência de qualquer dano/prejuízo sofrido pelo MUNICÍPIO DE (...) com a prática do despacho de 10.01.2007, não se poderá considerar preenchido o pressuposto cuja prova se afiguraria necessária e que seria condição sine qua non para que pudesse a sentença ter concluído, como erradamente concluiu, estarmos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual do MUNICÍPIO DE C(...).

  12. Inexistindo danos provados pela prática do despacho do Senhor Presidente, estava naturalmente comprometida a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano, pelo que, também incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao concluir que se não fosse o acto ilegal, o Autor não teria suportado a quantia peticionada, na medida em que o funcionário R. teria sido transferido para o Município Réu e, como tal, a sua remuneração teria sido assegurada por este, e que aquele acto é um evento adequado à produção deste efeito.

  13. Também diversamente do que entendeu a sentença recorrida, a circunstância que determinou que o funcionário R. se tivesse mantido ao serviço do MUNICÍPIO DE (...), com a inerente obrigação do pagamento de salário, foi a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo cautelar n.º 891/07.4BELRA, e que deferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo que o funcionário intentou contra o acto do Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...), de 05.07.2007 – matéria dada como provada pela sentença a quo nos pontos 8) e 9) do probatório – pelo que caso se tivesse provado pela existência efectiva de danos causados pela prática do acto da autoria do Presidente da Câmara de C(...), nunca os mesmos poderiam ser imputáveis ao Município Réu, pelo que sempre falharia o nexo de causalidade.

  14. Por não se acharem verificados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente a existência de danos patrimoniais, os quais não se provaram nos presentes autos, não poderia a sentença recorrida ter concluído pela responsabilidade civil extracontratual do Município Réu, e pela consequente obrigação de o Réu indemnizar o Autor.

  15. Ao decidir nos termos em que decidiu, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto provada e por errada interpretação e aplicação das normas dos arts. 562.º e 564.º n.º 1 do CC.

  16. A decisão a quo, impondo ao Município Réu o pagamento da indemnização ao Autor na quantia de €186.502,82 - sem que tenham sido provados e sem que se possam considerar como provados, por errada inferência ou por erradas presunções, os alegados danos patrimoniais - é uma decisão susceptível de originar uma situação de enriquecimento sem causa por parte do MUNICÍPIO DE (...) à custa do MUNICÍPIO DE C(...), nos termos do disposto no art. 473.º do CC.

  17. Posto isto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, ser a sentença recorrida revogada na parte em que considerou estarem preenchidos os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, e ser substituída por acórdão que julgue pela não verificação desses pressupostos e, em sua consequência, pela improcedência da presente acção, absolvendo-se o MUNICÍPIO DE C(...) dos pedidos, assim se fazendo Justiça! O Autor juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Termos em que deve a sentença ser mantida, na íntegra.

Só assim se fazendo JUSTIÇA! O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. Em 16 de março de 1999, o Presidente da Câmara Municipal de C(...) proferiu despacho através do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT