Acórdão nº 1648/20.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRICARDO FERREIRA LEITE
Data da Resolução21 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório I....., Recorrente/Requerente nos presentes autos, em que é Recorrido/Requerido o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, vem recorrer a decisão do TAC de Lisboa, datada de 31 de Outubro de 2020 que absolveu o Recorrido do pedido formulado e que visava impugnar a decisão proferida em 14 de setembro de 2020, pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor e determinou a sua transferência para Itália.

Para tanto, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) a) O Recorrente considera que a Sentença recorrida padece de vários erros na fixação e apreciação da matéria de facto e de direito.

b) Resulta demonstrado dos autos que entre os anos de 2014 e 2019 o Recorrente esteve e permaneceu por períodos superiores a cinco meses em vários Estados Membros da União Europeia, entre os quais se contam Itália, Áustria e Portugal e que atentos tais registos e o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento de Dublin III, tanto o Estado Italiano, como o Estado Austríaco, deixaram de ser responsáveis pela análise de qualquer pedido internacional, apresentado anteriormente pelo Recorrente.

c) Face ao disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 13.º do Regulamento de Dublin III, Portugal é o Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional dado que o Recorrente se encontra em território português desde 12/06/2019 até ao momento presente.

d) O Tribunal a quo faz uma errada subsunção dos factos às normas invocadas violando o disposto no n.º 1 e n.º 2 do Artigo 13.º do Regulamento de Dublin III.

e) Atentos os Registos Eurodac constantes dos autos, tanto o Estado Italiano como o Estado Austríaco deixaram de ser responsáveis pela análise de qualquer pedido internacional apresentado pelo A. há vários anos atento o disposto no n.º 1 e n.º 2 do Artigo 13.º do Regulamento de Dublin III, uma vez que não notícia de qualquer decisão emitida por esse dois Estados relativamente aos pedidos de protecção internacional que lhes foram apresentados pelo Recorrente («Essa responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira.»).

f) Ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, Portugal é o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional do A.

g) O Tribunal a quo deveria ter aplicado à situação sub judice o disposto no n.º 1 e n.º 2 do Artigo 13.º do Regulamento de Dublin III e não o fez, lavrando a sua decisão em erro de determinação da norma aplicável.

h) Face ao que se impõe a revogação da douta Sentença recorrida e a sua substituição por outra que defira na íntegra o pedido de proteção internacional do Recorrente à luz das normas jurídicas acima indicadas.

i) O Tribunal a quo violou o princípio da legalidade, da justiça e da razoabilidade por não aplicação do disposto n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º do Regulamento de Dublin o qual deveria ter sido aplicado ao caso concreto.

j) Estando o Recorrente em Portugal desde 12/06/2019 e, portanto, há mais de 1 ano, para os efeitos do n.º 2 do Artigo 19.º do Regulamento de Dublin III, é forçoso concluir que o Recorrente abandonou o território Italiano há mais de 3 meses.

k) Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo há muito tempo que o Estado Italiano deixou de ser o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional em crise, pois tal competência e responsabilidade passou a ser do Estado Português nos termos do n.º 2 e n.º 3 do Artigo 19.º do referido Regulamento.

l) O douto Tribunal a quo deveria ter aplicado o disposto no n.º 2 e n.º 3 do Artigo 19.º do Regulamento de Dublin III ao caso concreto, ao não fazê-lo lavrou em erro de determinação da norma aplicável na sua decisão, incorrendo assim em erro de julgamento.

m) Ao contrário do pugnado pelo Tribunal recorrido verificam-se as circunstâncias previstas no § 2.º do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Dublin III.

n) As falhas sistémicas no procedimento de asilo são públicas e notórias e não carecem de demonstração, não obstante, as mesmas foram largamente alegadas e demonstradas pelo Recorrente, através das cópias das notícias e artigos públicos juntos aos autos na Petição Inicial para as quais remetemos e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, mas que o Tribunal recorrido desvalorizou.

o) Ao Recorrente não é exigível que concretamente alegue e demonstre os tratamentos desumanos ou degradantes de que foi vítima em Itália, sendo apenas necessário que as falhas sistémicas do regime de asilo em Itália levem a um risco sério e real de um tratamento degradante ou desumano do Recorrente, o que se verifica, atento o facto de ser um migrante africano que deu entrada em Itália por uma rota do Mar Mediterrâneo, o que qualquer juízo de experiência comum, estribado em factos públicos e notórios, permite confirmar.

p) A manutenção da decisão administrativa impugnada no ordenamento jurídico português viola frontalmente o estabelecido no n.º 1 e in fine do Artigo 13.º e no n.º 2 do Artigo 3º do Regulamento nº 604/2013, bem como o estabelecido no Artigo 58.º e n.º 1 do Artigo 163.º do CPA.

q) A manutenção do acto administrativo impugnado é igualmente atentatória do direito à vida, do direito à integridade pessoal (física e moral) e o direito à dignidade, esses, sim, absolutos e universais, e portanto, invioláveis, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1 do Artigo 24.º e Artigo 25.º, todos da Constituição da República Portuguesa e no Artigo 1.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aplicável ao ordenamento jurídico português por força do Artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, conjugados com o Artigo 2.º e n.º 1 do Artigo 3.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com os Artigos 1.º, 2.º e 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, todos igualmente aplicáveis ao ordenamento jurídico português por força do Artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

r) A decisão impugnada colocará o Recorrente numa situação de vulnerabilidade social e económica gritante e de exclusão social irreparáveis.

s) A inviolabilidade dos direitos fundamentais sobrepõe-se à legalidade a que as entidades administrativas competentes possam estar vinculadas.

t) Os factos alegados e provados pelo Recorrente permitem o acionamento da cláusula de salvaguarda prevista no parágrafo 2 do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Dublin.

u) O douto Tribunal a quo deveria ter aplicado o disposto no parágrafo 2 do n.º 2 do Artigo 3.º do Regulamento de Dublin III ao caso concreto, ao não fazê-lo lavrou em erro de determinação da norma aplicável na sua decisão, incorrendo assim em erro de julgamento.

v) Impõe-se a revogação da douta Sentença recorrida e a sua substituição por outra que defira na integra o pedido de protecção internacional do Recorrente à luz das normas jurídicas acima indicadas.

w) Impõe-se a revogação da Sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a anulação do acto administrativo impugnado, por deficit instrutório, nos termos dos Artigo 58.º e n.º 1 do Artigo 163.º ambos do CPA, bem como a condenação da Entidade Administrativa a instruir o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes e proteção internacional em Itália (…)”* O recorrido, por sua vez, não apresentou contra-alegações.

* Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

* * II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA): A questão a dirimir nos autos prende-se com saber se a decisão em crise incorreu em erro de julgamento por, alegadamente: -Desconsiderar o vertido no artigo 13.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin III; - Violar o princípio da legalidade, da justiça e da razoabilidade por não aplicação do disposto n.ºs 2 e 3 do artigo 19.º do Regulamento de Dublin; - Violar o artigo 19.º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento de Dublin III, conjugado com o artigo 18.º do mesmo regulamento e com o despacho n.º 3863-B/2020, de 27 de março; - Não ponderar as condições de acolhimento em Itália e do sistema de asilo italiano.

*III. Factos (dados como provados na sentença recorrida): 1. O Autor, nacional da Gâmbia, entrou em Itália, vindo da Líbia em 10.01.2014 – cf. fls. 2 e 24 do PA; 2. Na sequência da recolha de impressões digitais do Autor, foi consultado o sistema EURODAC e detetados os registos n.º .....

e n.º .....

, inseridos por Itália respetivamente em 10.01.2014 e 25.11.2017 e o registo n.º .....

inserido pela Áustria em 12.08.2014 – cf. fls. 3 a 5 do PA; 3. Em 12.06.2019, o Autor, apresentou um pedido de proteção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa, que foi registado sob o número de processo .....

- cf. fls. 1 do PA; 4. Em 02.07.2019, o Autor prestou declarações, junto do SEF, em língua inglesa por assim ter solicitado, tendo sido lavrado o instrumento intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se destaca, designadamente, o seguinte: - cf. fls. 20 a 25 do PA; 5. Em 03.07.2019, no âmbito do processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR) efetuaram um pedido de retoma a cargo do Autor, às autoridades Italianas, invocando o artigo...

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