Acórdão nº 376/09.4BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida no TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela sociedade denominada «J.........., S.A.», na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que, por sua vez, havia sido interposto da decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2003.

Termina as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: «A.

Vem-se apontar erro de julgamento na decisão proferida pelo Tribunal recorrido, porquanto na mesma se deu como integralmente provado o teor do RIT e da decisão do procedimento de revisão da matéria tributável, onde ficou bem demonstrada a motivação das correcções com recurso a métodos indirectos efectuadas à impugnante e, bem assim, a fundamentação para a aplicação da avaliação indirecta, concluindo, ao arrepio desse probatório, pela ilegalidade da utilização da avaliação presuntiva.

B.

É admissível que a decisão judicial se aproprie do teor do RIT como elemento probatório e de fundamentação, como se retira da lição desse Tribunal Central Administrativo (processo n°02800/08): «1. A sentença, ao levar ao probatório circunstâncias de facto por transcrição de excertos do relatório da acção inspectiva, remetendo para esse mesmo documento, mostra-se devidamente fundamentada, pela apropriação de tal circunstancialismo, considerando-o demonstrado com apoio no referido relatório, evidenciando, por um lado, a respectiva ponderação pelo decisor e possibilitando, por outro, uma cabal reacção contenciosa contra tal julgamento».

C.

Já não será de aceitar que tal força probatória seja ignorada quando criticamente confrontada com as alegações da impugnante, desconsiderando ainda o acréscimo de fundamentação que foi conferido ao acto tributário sindicado, por via das conclusões a que chegou a AT em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, verdadeiro 2° grau de fundamentação (art°91°da LGT).

D.

Só assim se justifica uma significativa alteração da quantificação da matéria tributável inicialmente vertida no RIT, passando tal valor de €1.424.062,86 para €1.093.396,83 e assim moldando decisivamente o resultado final da liquidação de IRC impugnada.

E.

Postula-se no aresto impugnado o obstinado axioma de não bastar a contabilidade do sujeito passivo evidenciar plúrimas irregularidades - reconhecidas aliás pelo Tribunal -, sendo essencial a AT provar tais irregularidades não permitirem a correcção por métodos directos.

F.

É ponto assente que tal é o quadro delimitador da actuação da AT nos presentes autos, como definido nos artigos 87°, nº1, al. b) e 88°, als. a) e b) da LGT e no art°52°, n°1 do Código do IRC.

G.

No entanto, importa atentar nos concretos elementos que suportam a necessidade da AT aqui recorrer à utilização de métodos indirectos para o apuramento da matéria tributável: -- Da inexistência de inventário permanente resulta a impossibilidade da valorização dos produtos em vias de fabrico e dos produtos acabados, tratando-se de valorimetria das existências contrária às regras de normalização contabilística, que se alia à impossibilidade alegada pela recorrida em facultar os componentes incorporados nos produtos, gerando a impossibilidade de determinação das quantidades produzidas de cada produto e o respectivo custo de produção; -- A impetrante, notificada pela inspecção tributária para apresentar elementos que permitissem verificar a valorização das matérias-primas e o custo industrial dos produtos vendido, não dispunha de elementos contabilísticos obrigatórios para tal efeito e prestou informações contraditórias quanto ao critério de avaliação de custos, começando por referir o "custo médio ponderado", para em momento subsequente invocar que "a matéria-prima é custeada com base no último preço"; -- Absoluta falta de rigor e objectividade nas informações prestadas a solicitação da Inspecção Tributária, pautadas pela vagueza e imprecisão das expressões "...foram possivelmente vendidos...", "... havendo também a incorporação destes em outros produtos..." e "...estes produtos não são vendidos com a mesma designação que foram adquiridos."; -- Indícios de omissão de vendas de determinados artigos fabricados pelo sujeito passivo nos sectores de estofos e de móveis, decorrentes das divergências detectadas e não justificadas de falta de compras e de vendas de produtos, de existências iniciais e finais e das vendas registadas.

H.

Cumular de circunstâncias que se afiguram ser a eloquente expressão da "impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável' por "insuficiência de elementos de contabilidade", ao invés do que postula a impugnante e se firmou com menos clarividência na sentença sob recurso.

l.

Ao invés igualmente da decisão vertida no processo de impugnação n°25/11.0BELRA, vindo aí a redundar num juízo merecedor do nosso aplauso e concordância, porquanto «Pelo exposto, conclui estarem reunidos os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos, face às insuficiências e contradições evidenciadas na contabilidade da impugnante relativa ao ano de 2003.».

J.

Circunstância com que se legitima assacar novo erro de julgamento ao aresto recorrido, desta feita por via da violação do princípio ou da autoridade do caso julgado, uma vez que decidiu em sentido oposto ao da sentença proferida no citado processo n°25/11.0BELRA, julgado no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal e intentado pela recorrida para sindicar liquidações adicionais de IVA relativas a 2003, fundamentadas nos mesmos procedimentos de inspecção tributária e de revisão da matéria tributável.

K.

Se é verdade que não estamos perante um caso julgado material ou formal, devia não obstante a sentença impugnada ter norteado o seu sentido decisório no respeito pelo que o mesmo Tribunal anteriormente julgara, evitando-se a existência de duas apreciações contraditórias tendo por objecto uma idêntica situação fáctico-jurídica - a ilegalidade ou legalidade do recurso à avaliação indirecta pela AT neste caso concreto.

L.

Do mesmo passo, tal teria igualmente acautelado a salvaguarda do princípio da uniforme interpretação e aplicação do Direito, o qual sai algo mais que beliscado do confronto entre os dois arestos que se trazem agora à colação.

M.

Adicionalmente, indeferiu o Tribunal a quo o pedido formulado pela Fazenda Pública para que fosse dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como admitido pelo art°6, n°7 do RCP, por «No caso dos autos não ocorreram quaisquer factos ou circunstâncias determinantes de uma simplificação da tramitação processual ou de complexidade inferior à comum que justifiquem a dispensa de pagamento solicitada.».

N.

Reputa-se que tal interpretação da Lei, no sentido de se exigir para tal redução ou dispensa de pagamento a verificação de uma menor complexidade da causa e de uma simplificação da tramitação processual, vai contra a formulação e o espírito da norma.

O.

O preceito parece antes apontar para a ponderação casuística duma situação-padrão, a qual teria o seu contraponto inibidor nas situações elencadas no n°7 do art°530° do CPC onde se indicam as acções de "especial complexidade"; nessas sim, sendo desde logo de afastar a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

P.

Em apoio de uma interpretação e aplicação mais benignas do regime contido no RCP, chama-se à colação a jurisprudência sobre a matéria firmada no Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão n°01953/13, de 2014-05-07): «A norma constante do n°7 do art.6° do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Nestas circunstâncias a nosso ver e ao invés do decidido, que considerou não estarmos numa situação de simplicidade jurídica, reafirmamos, também por atenção ao disposto no art° 447-A n° 7 do CPC (actualmente art° 530° n° 7), a não complexidade da(s) questão(ões), pelo que estão reunidos os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos impetrados, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.» Q. Tendo o Tribunal a quo incorrido no vício de error in judicando em mais de um segmento decisório, estima-se dever ser revogada a sentença impugnada, com o concomitante juízo de improcedência para o pedido anulatório da liquidação adicional de IRC que ali, a nosso ver indevidamente, se anulou.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as douta e sapientemente suprirão, pugna a Fazenda Pública para que se dê provimento a este recurso, revogando-se a sentença em crise e, julgando em substituição, se decrete a improcedência desta impugnação tributária e determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça para a recorrente, com o que se fará a sempre desejada Justiça!» ** A recorrida apresentou contra-alegações aí concluindo do modo que segue: «1ª) A liquidação de IRC e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2003, impugnada no presente processo, resultou da fixação da matéria tributável por métodos indirectos; 2ª) A Administração Tributária (AT), considerou que havia uma impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável; 3ª) Para demonstrar a referida impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável, a AT invocou, em primeiro lugar, a circunstância de a ora recorrida não possuir inventário permanente; 4ª) A exigência de as empresas terem um...

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