Acórdão nº 1607/13.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório F......., melhor identificado nos autos, deduziu oposição à execução fiscal n.° ......., instruída pelo Serviço de Finanças de Cascais - 2 (Carcavelos) originariamente instaurada contra a sociedade "M......., Lda”, para cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (IRS) - retenção na fonte, de 2012, no valor de € 3.926,00, peticionando a extinção da reversão da execução fiscal, com fundamento na ilegitimidade do devedor subsidiário. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 221 e ss. (numeração do SITAF), datada de 15/01/2020, julgou a acção procedente. Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 248 e ss. (numeração do SITAF). A Fazenda Pública recorrente formula as seguintes conclusões: «(…). II - A Sentença ora recorrida, socorrendo-se da factualidade dada como assente no seu segmento III - Fundamentação, que aqui damos por plenamente reproduzida para todos os efeitos legais, postulou que o Oponente actuou como um gerente competente e criterioso da sociedade originária executada, empreendendo diversas diligências que lograram ilidir a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, sendo a situação de insuficiência patrimonial daquela sociedade ditada por factores exógenos, não imputáveis ao Oponente.

III - O presente recurso tem como escopo demonstrar o desacerto a que, com o devido respeito e na perspectiva da Fazenda Pública, chegou a Sentença recorrida, ao considerar que foram provados factos que atestem uma actuação diligente do Oponente na condução dos destinos da sociedade devedora originária e que a respectiva insuficiência patrimonial se ficou a dever a factores exógenos, que não imputáveis ao Oponente, incorrendo, por isso, em erro de julgamento no seio da apreciação da prova e dos factos perante a conjugação dos elementos trazidos aos autos e que suportaram a sua decisão.

IV - Com efeito, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, a prova de que não houve culpa do gerente na insuficiência do património para solver as dívidas fiscais ou equiparadas, impende sobre o mesmo gerente ou administrador, estabelecendo os normativos citados, uma presunção de culpa, e fazendo pesar, materialmente, sobre este o risco decorrente da necessidade de realizar a prova do contrário V - A culpa que releva para efeitos dessa responsabilidade, não é apenas a que respeite ao incumprimento da obrigação de pagamento dos impostos, mas aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais VI - Efectivamente, tal culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um gerente medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater famliae), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais - Cfr. arts 487.°, n.° 2 e 799.°, n.° 2 do Código Civil (CC).

VII- Portanto, cabe ao Oponente, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT e no n.° 2 do artigo 350.° do Código Civil, enquanto gerente da sociedade, demonstrar e provar que, em face dessa situação, agiu com a diligência própria de um bonus pater familiae, como gerente competente e criterioso, que demonstre que fez esforços no sentido de inverter essa situação de molde a evitar que o património da sociedade se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas fiscais.

VIII - E aqui, antecipa-se já, nenhuma diligência empreendida pelo Oponente resultou provada nos presentes autos, para além do aumento de capital efectuado em 26-09-2011 e elencado na alínea R. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida, com o intuito de salvar, ou pelo menos minorar, a situação financeira desastrosa da sociedade da qual era gerente.

IX - E isto porquanto, cfr. 3m:37s a 04m:50s, de 06m:54s a 07m:20s, de 20m:55s até 23m: 15s e 31 m:29s até 31 m:48s do ficheiro digital de gravação da audiência de inquirição de testemunhas, é assente que a testemunha deixou de ter qualquer contacto com a sociedade devedora originária a partir de finais de 2007, desligando-se totalmente daquela, não podendo exercer, por imperativos legais e contributivos, qualquer função na sociedade devedora originária durante um período de 3 anos, e todo o conhecimento que possui sobre os factos em apreço advém por interpostas pessoas, ou seja, não foi obtido por aquisição directa e pessoal.

X - Estamos na presença de depoimentos indiretos que resultam precisamente daquilo que lhes foi transmitido por empregados e fornecedores da sociedade devedora originária; circunstância que, só por si, é susceptível de mutilar a credibilidade do depoimento prestado em sede de audiência de inquirição de testemunhas.

XI - Não vemos, portanto, como afirmar, como fez a Sentença recorrida, que a testemunha possuía um conhecimento directo e imediato dos factos que importam para a boa decisão da causa, sobretudo se tivermos em consideração que nos encontramos perante factos posteriores ao ano de 2007 e dívidas exequendas relativas ao período de tributação de 2012.

XII - De qualquer forma, não consta do depoimento da testemunha que tenha sido assinado qualquer contrato com a R....... para a implantação de estabelecimento comercial na estação de São Pedro, nem qualquer contrato com a S....... com vista a um reforço de financiamento da sociedade devedora originária, contrariamente ao que foi postulado nas alíneas I., J., K, e L. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida; muito menos o Oponente logrou carrear para os presentes autos qualquer prova documental que o ateste.

XIII - Também não se retira do depoimento da testemunha J....... que foram acordados pagamentos prestacionais das dívidas fiscais e contributivas e que foram acordadas rescisões com trabalhadores e renegociados os contratos de arrendamento da sociedade, contrariamente ao que foi postulado nas alíneas P. e Q. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida. E que documentos foram juntos aos autos pelo Oponente com vista à demonstração de tais factos? Absolutamente nenhuns! XIV - Neste quadro de incertezas e insuficiência que a prova testemunhal oferece, devemos atentar ao entendimento vertido no acórdão deste Venerando TCA Sul, de 29-05-2007, proc. n.° 1462/06m onde se extrai que "[n]ão pode considerar-se efectuada tal prova se dela apenas resultou e com base em depoimentos de testemunhas, que o oponente teve que enfrentar uma grave crise da sociedade que geria, devido à extinção das fronteiras dentro da Comunidade Europeia, o que fez com que a mesma diminuísse muito a actividade, tivesse que despedir trabalhadores e pagar-lhes as respectivas indemnizações, tendo mesmo o oponente que vender bens seus para fazer face às dívidas da sociedade, se nenhum documento foi junto aos autos que comprovasse, em concreto, qualquer desses factos e que tenha impedido o oponente de efectuar o pagamento das dívidas executadas" (destaque nosso).

XV - Resulta, ainda, da factualidade dada como assente, que o Oponente demonstrou já em 2010 ter conhecimento que a sociedade devedora originária se encontrava em dificuldades financeiras, cfr. alínea M dos probatório fixado na Sentença, e como lhe competia, caso fosse um gerente diligente e competente, o Oponente não tomou imediatamente qualquer medida necessária e adequada para reverter tal situação.

XVI - Com efeito: -não foi realizado qualquer tipo de prova, ainda que documental, da celebração de negócios jurídicos com a R....... ou com a S......., com vista à injecção de capital na sociedade devedora originária; -não foi junto qualquer tipo de elemento probatório, ainda que documental, que o Oponente tivesse diligenciado no sentido do pagamento prestacional das dívidas fiscais e contributivas da sociedade da qual era gerente; -não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, que permitisse revelar uma intenção séria do Oponente em angariar novos clientes ou diversificar a oferta e abrangência de mercado; -não existe prova, documental que fosse, sobre o renegociação dos contratos de arrendamento e sobre a redução de custos operacionais da sociedade devedora originária que haja sido empreendido pelo Oponente; - não foi junto aos autos qualquer elemento probatório, ainda que de cariz documental, de que foi o Oponente que apresentou a sociedade devedora originária à insolvência.

XVII - Da Sentença recorrida retira-se uma conclusão absolutamente inconcebível: para fazer a prova que ilida a presunção de culpa não é sequer preciso fazer a prova. Pois se, relativamente a esta questão, não foi trazida prova documental pelo Oponente e se a testemunha, como dissemos anteriormente, sabe de factos porque lhes foi transmitido por interpostas pessoas, então não foi realizada qualquer tipo de prova admissível! XVIII - Sendo que, a apresentação da sociedade devedora originária à insolvência também não se configura como medida susceptível de ilidir a presunção de culpa, uma vez que a mesma surge no final de uma cadeia de acontecimentos que se desconhecem. Crucial seria saber quais as medidas concretas adoptadas para inverter o curso dos acontecimentos, porque só assim estaríamos em condições de avaliar a razão pela qual os impostos não foram pagos e concluir se conseguiu ou não ilidir a presunção de culpa. O que nunca emergiu no caso subjudice, por falta de demonstração do Oponente.

XIX - Impugna-se, desta forma e para os devidos efeitos legais, a factualidade dada como assente nas alíneas I., J., K., L., P., e Q. do probatório constante da Sentença recorrida, por ancorada em prova testemunhal sem conhecimento...

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