Acórdão nº 19525/17.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | JORGE LEAL |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 25.10.2017 Elisabete instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra V – Companhia de Seguros, S.A.
e José.
A A. alegou, em síntese, que no dia 02.10.2015, pelas 20h 05m, quando atravessava a Alameda dos Oceanos, no Parque das Nações, em Lisboa, foi alvo de atropelamento por um veículo ligeiro que pertencia e era conduzido pelo R. José (…). O acidente ocorreu por culpa do condutor, que se aproximou de uma passadeira de peões sem abrandar a velocidade, conduzindo desatento e com imperícia. Em consequência do acidente a A. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, que descreveu. O 2.º R. havia transferido a responsabilidade civil emergente do aludido veículo para a seguradora, ora 1.ª R..
A A. concluiu pedindo que a R. seguradora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15 000,00, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 8 255,36, a título de danos patrimoniais e, ainda, em indemnização a liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos morais e patrimoniais que eventualmente viessem a ser apurados.
A R. seguradora contestou, impugnando a descrição do acidente efetuada pela A., alegando que o sinistro ocorrera por culpa exclusiva da A., que atravessara a via subitamente, em corrida, a cerca de 4,80m da passadeira de peões, sem atentar na aproximação do veículo conduzido pelo 2.º R., que circulava a velocidade não superior a 40 km/hora e nada pôde fazer para evitar a colisão. Mais alegou que o acidente foi também, do lado da A., um sinistro laboral, tendo a A. sido ressarcida pela respetiva seguradora. No mais, a R. impugnou os danos invocados pela A., por desconhecimento.
A R. concluiu pela sua absolvição do pedido.
O 2.º R. contestou e reconviu, concluindo pela sua ilegitimidade processual, a sua absolvição do pedido e a condenação da A. no pagamento da quantia de € 294,22, a título de indemnização de danos patrimoniais.
Houve réplica.
Em audiência prévia, foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade processual do 2.º R.
, que consequentemente foi absolvido da instância. Julgou-se prejudicado o pedido reconvencional deduzido. Mais se julgou inadmissível o pedido genérico que havia sido deduzido pela A. e, consequentemente, absolveu-se a R. da instância, quanto a ele. Identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final e em 17.02.2020 foi proferida sentença, em que se julgou a ação improcedente e, em consequência, se absolveu a R. do pedido.
A A.
apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1.º O presente recurso é interposto da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 4, que considerou a acção interposta pela A, ora recorrente, improcedente, absolvendo a 2ª R do pedido.
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O tribunal a quo deu como provado os factos constantes dos pontos 1º a 5º da douta sentença recorrida isto é que: ”no dia 2.10.2015 o veículo automóvel…após transpor a passadeira de peões e a cerca de 4,80 metros desta, ocorreu o aparecimento da A, na via, que de forma repentina e em passo de corrida, invadiu a fila de trânsito…que …o condutor nada pôde fazer para evitar o peão, tendo-o colhido…, na sequência do atropelamento a A foi transportada para o hospital…sofreu traumatismo craneano…” 3.º Considerou ainda que a culpa do acidente deve recair sobre a A que, não só iniciou a travessia fora do local apropriado para os peões como violou os deveres impostos pelo CE, decisão com a qual a recorrente não se conforma, senão vejamos: 4.º Entende a Recorrente que o tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação do depoimento das testemunhas, porquanto fundamenta a sua decisão no facto das testemunhas terem referido que a A atravessou a correr, fora da passadeira e que o automóvel atropelante circulava a cerca de 30/40 km, e da testemunha João (…) que elaborou o auto com base das declarações prestadas por aquelas testemunhas em audiência, que por serem demasiado coincidentes, levantam dúvidas sobre a sua veracidade.
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Não se pode aceitar que tendo o condutor uma distância de cerca de 5 metros de via para percorrer e a uma velocidade inferior a 40km/h, não tenha conseguido evitar o atropelamento da A.
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Não vale dizer que a A, surgiu na via, de forma repentina, pois o condutor antes de embater na A, teve que percorrer cerca de 5 metros, o que significa que o atropelamento se deu porque o condutor não reduziu a velocidade por forma a parar o veículo o espaço livre á sua frente, caso surgisse, como surgiu, um obstáculo na via. Daí a sua responsabilidade no atropelamento, ao contrário da decisão recorrida.
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Fazendo uma apreciação correcta das provas produzidas em audiência de julgamento e da documentação constante dos autos, o tribunal a quo, não podia deixar de condenar a R, nos termos peticionados, pois não restam dúvidas de que o condutor do veículo infringiu as normas legais que regulam os limites de velocidade e a regra de que o condutor deve praticar uma condução, seguindo o critério de velocidade excessiva que lhe permite fazer parar o veículo no espaço livre à sua frente, de forma a evitar qualquer obstáculo, sem causar perigo para si e para os outros que circulam na via.
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Assim, considera a recorrente que o condutor ao não reduzir a velocidade na aproximação de uma travessia de peões, num local muito movimentado, com pouca luminosidade, violou os deveres de cuidado impostos legalmente, o que levou ao atropelamento da A e que, tendo transferido a sua responsabilidade dos danos causados no âmbito do seguro automóvel para a 2ªR, seria esta responsabilizado, independentemente da culpa, mas sim, pelo risco de circulação automóvel.
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Assim, o Tribunal a quo julgou mal a matéria de facto constante dos pontos 1 e 2 dos factos provados, ao considerar que a A apareceu repentinamente e em passo de corrida, e que o condutor nada pôde fazer para evitar o peão, quando deveria considerar provado que o condutor praticava uma condução descuidada, circulando a uma velocidade excessiva, que tendo em conta as condições do local, não pode parar no espaço livre sem embater na A.
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Não se entende como se pode dar como provado que a A, atravessou a via em passo de corrida e fora da passadeira, baseado em depoimentos pouco credíveis e demasiado coincidentes das testemunhas apresentadas pela R.
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É por demais evidente que, num acidente rodoviário, tudo acontece em fracção de segundos, e, a não ser que haja concertação entre os depoimentos, os relatos dos acontecimentos sejam todos iguais, como acontece no presente caso. Senão vejamos: 12.º A testemunha Vanessa (…), quando perguntado se assistiu ao atropelamento, disse:… sim…estávamos na rotunda, seguíamos em frente, na Alameda dos Oceanos,…íamos a caminhar…estávamos as três juntas…vimos a senhora a atravessar…saiu do meios dos prédios e passou a correr…devido à falta de visibilidade…a senhora atravessou fora da passadeira…ia de escuro, o que não facilitou a visibilidade para o senhor (referindo-se ao condutor)ao minuto 48;53)…correu direito, sempre em frente, não foi na diagonal…sempre em frente… perguntado onde estavam e se havia alguma passadeira e a que distância, disse…2/3 metros da passadeira…depois da passadeira,… ouvimos um estrondo…foi tudo tão rápido…”só ouvimos o barulho do atropelamento…só vimos a senhora depois do atropelamento…tenho a percepção de que vinha a correr…, perguntado a que velocidade vinha o veículo atropelante, disse 30/40Km/.(Cd1aos00h:44m:41s a 00h:56m:06s).
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A testemunha Débora (…), perguntado disse:…sei que já era de noite…começamos a atravessar, fora da passadeira…e vimos uma senhora a atravessar, a correr… e depois deu-se o acidente…sim, estávamos paradas…foi quando a senhora passou por nós…vinha a correr…deu-me a sensação que ela embateu no veículo…perguntado sobre que velocidade circulava o veículo atropelante, disse: vinha dentro das normas, não vinha mais de 30K…perguntado sobre a passadeira, disse:…existe uma passadeira antes do veículo…existe iluminação pública….mas com as árvores ofusca um pouco…perguntado sobre o vestuário da vítima, disse:…roupa escura…(CD1 aos01h:08m:29s a 01h:23m:28s).
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A testemunha João (…), agente da BT, que elaborou o auto e que fez o croqui do acidente, quando perguntado qual a posição do peão em relação ao veículo atropelante, disse: consta do croqui…não mediu as distâncias…o veículo estaria ligeiramente à frente da passadeira (ao minuto02:24s) e o peão terá ficado ligeiramente atrás no sentido da marcha do veículo…alguns metros…conforme as testemunhas disseram…perguntado sobre a vítima, disse: a vítima penso que já estava na ambulância, mas haveria uma marca de sangue junto ao lancil (03:17s)…penso que é o que consta do croqui…não estava consciente…perguntado se as testemunhas estavam nalgum dos carros, disse: não, eram peões…perguntado disse: sim, falei com as pessoas e foi dessa forma que elaborei o croqui…o peão estava em estado bastante grave… perguntado de o peão estava vestido de escuro, disse: não me apercebi. Perguntado se verificou elementos objectivos…que lhe permitisse concluir que o peão atravessou fora da passadeira, disse:…trata-se de um testemunho…indicação das testemunhas…pela posição final do veículo indica que o atropelamento teria sido fora da passadeira…(CD 1aos00:00m:01s a 00:12m:02s).
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A testemunha, José (…), condutor do veículo sinistrado, quando perguntado disse:…vinha acompanhado de uma outra pessoa…vínhamos em condução normal…está nos autos mais ou menos a velocidade que ia…mais ou menos 40/50Km…já era de noite…a iluminação ali não é assim das melhores…e de repente o que vejo…vejo um vulto a atravessar em frente (16:30) ao carro, vindo do nada e…e pronto…embateu no carro (16:38)…(CD1 aos 00:12m:02s a 00:31m:32s).
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A testemunha, Paula (…), que vinha ao lado do condutor, disse: não vi nada…senti uma pancada no carro (ao minuto 34:24)… o para-brisas do meu lado veio...
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