Acórdão nº 0220/20.1BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A Fazenda Pública vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datado de 8 de julho de 2020, que julgou procedente a reclamação deduzida pelo A……….., com os demais sinais dos autos, contra a decisão proferida em 31.01.2020, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, que lhe indeferiu o pedido de anulação de venda da fracção “……” destinada a habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo matricial 1463, da freguesia ………… operada em execução fiscal por meio de leilão electrónico.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 – Deve revogar-se a sentença sub judice, julgando-se improcedente a Reclamação, pois, ao contrário do decidido, não se pode dar como preenchido um dos pressupostos previstos no art. 257, nº 1, al. a) do CPPT.

2 – Com efeito, o facto de não ter sido publicitada no anúncio/edital a ocupação do bem vendido não determina uma omissão ou divergência na descrição exigida pelo art. 249, nº 5, al. c), em consonância com o art. 257, nº 1 al. a), ambos do CPPT.

3 – Uma vez que, não se trata duma característica qualitativa, dum elemento essencial do bem, e, de que bem consideradas as coisas, o potencial interessado não possa diligentemente tomar conhecimento deslocando-se ao local.

4 – Desta maneira, não constitui fundamento de anulabilidade da venda sub judice, por erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que tinha sido anunciado.

5 – Nem, manifestamente, inexistindo contrato de arrendamento se trata duma limitação a que se refere o art. 257 do CPPT, em conjugação com a disposição do art. 908 do CPC.

6 - Pelo que, a nosso ver, o acto reclamado não enferma do vício que se lhe imputa.

I.2 – Contra-alegações Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

  1. Em 30/11/2017, em sede de venda na modalidade de leilão eletrónico no âmbito do processo de execução fiscal nº 1007200901003305 em que é executado B…………, o ora Recorrido adquiriu, livre de ónus e encargos, a fração autónoma designada pela letra “…..” correspondente ao …… andar ……. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no ……., na rua ………… nº ………, Concelho de Sintra, descrito na conservatória no registo predial de Agualva-Cacém sob o número 562 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ……….. sob o artigo 1463, tendo sido adjudicada por despacho em 13/12/2017 e emitido título de transmissão a seu favor em 27/12/2017.

  2. O ora Recorrido apresentou proposta de aquisição do imóvel e efetuou o pagamento do preço e demais encargos com a sua aquisição na expectativa de efetivamente entrar na sua posse e fazer o seu uso normal na qualidade de seu legítimo proprietário, nos termos do artigo 1305º do CC, o que aliás lhe havia sido garantido pelo órgão de execução fiscal.

  3. Antes da apresentação da proposta de aquisição do imóvel pelo Recorrido nunca lhe foi comunicado que o imóvel se encontrava ocupado por terceiro, nem que havia sido transmitido a terceiro, nem que existia registo de propriedade anterior também a favor desse terceiro, pois que nenhuma destas informações constava do edital ou do anúncio da venda.

  4. O ora Recorrido só teve conhecimento destas circunstâncias depois de inúmeras insistências, troca de emails e telefonemas com o órgão de execução fiscal, com o intuito de que lhe fosse entregue o imóvel, após o que o serviço de finanças se assumiu inerte e se recusou expressamente a efetuar quaisquer diligências que garantam a entrega, precisamente por ser permanentemente ocupado por terceiro, aliás em clara violação do disposto no artigo 256º, nº 2 do CPPT.

  5. Ou seja, só (muito) após a aquisição do imóvel é que o adquirente – ora Recorrido – tomou conhecimento de que existia um ónus real sobre o mesmo e que até à data do pedido de anulação da venda e, na verdade, até hoje, o impedia de entrar na posse do imóvel e de exercer os poderes e direitos normais como proprietário do bem.

  6. E tal ónus real que recai sobre o imóvel adquirido não havia sido tomado em consideração pelo Recorrido aquando da aquisição, nem caducou com a venda, pois tal informação não se encontrava plasmada no edital/anúncio da venda, em violação do disposto no artigo 249º, nº 5, al. c) do CPPT e, de resto, em violação das regras da boa-fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais nos termos do artigo 277º, nº 1 do CC, e em violação dos princípios da boa fé, da justiça, da igualdade e da legalidade que devem nortear a atividade da Recorrente, conforme dispõem os artigos 266º, nº 2 da CRP, 10º do CPA e 55º da LGT.

  7. E, também assim, o objeto do negócio não se mostrava afinal conforme com o anunciado, verificando-se, cumulativamente, uma situação de erro sobre as qualidades do objeto transmitido.

  8. É que, veja-se, foi precisamente por força da existência deste ónus real que não foram entregues as chaves do imóvel ao Recorrido e por força deste e da existência deste erro, desta desconformidade, que o Recorrido perdeu legitimamente qualquer interesse no imóvel adquirido, pois que se verificaram irremediavelmente frustradas quaisquer expectativas de ocupação e utilização do bem imóvel adquirido, motivo pelo qual mantém a sua intenção de anulação da venda e, ainda, de restituição de todos os montantes que teve de despender.

  9. Tal constitui fundamento de anulação da venda nos termos do artigo 257º, nº1, al. a) do CPPT, conforme aliás tem sido entendimento da jurisprudência e da doutrina analisadas, designadamente das elencadas em sede de motivações de recurso, e também assim entendeu, e bem, o douto Tribunal a quo.

  10. Devendo, em consequência, manter-se inalterada a decisão recorrida, dada a manifesta bondade da mesma.

  11. Sem prescindir, sempre se acrescentará que conforme já entendido no acórdão do STA de 29/04/2015, processo nº 0698/14, disponível em www.dgsi.pt, e embora tratando situação diversa da dos autos no que respeita ao fundamento de anulação da venda, conclui que, não obstante a não entrega do bem por desconhecimento do seu paradeiro não ser fundamento da nulidade da venda, é fundamento do pedido de devolução daquilo que já foi pago, e ”tal desiderato, a devolução do preço pago pela aquisição do bem, poderá ser obtida mediante requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal para que este o determine, uma vez que este já reconheceu de modo expresso que não poderia proceder à entrega do bem.”, o que no presente caso o Recorrido até fez.

  12. Pelo que sempre deverá manter-se a decisão recorrida no que respeita à devolução dos valores pagos pelo Recorrido à Recorrente em virtude da venda operada em sede de execução fiscal e cuja anulação se pretende.

  13. Face a tudo quanto ficou supra exposto, concluímos que andou bem o douto Tribunal a quo ao determinar a anulação do ato reclamado e a anulação de todo o processado, e consequentemente da venda nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 257º, nº 1, al. a) do CPPT e 838º, nº 1 do CPC ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT, com todas as consequências legais, nomeadamente no que respeita à devolução de todas as quantias até agora pagas pelo Recorrido à Recorrente em virtude da venda, não merecendo esta decisão qualquer mácula.

    I.3 – Parecer do Ministério Público O Ministério Público veio emitir parecer com o seguinte conteúdo: 1.OBJETO.

    Sentença do TAF de Loulé, que julgou procedente reclamação judicial deduzida contra o ato do Chefe do SLF de Albufeira, que indeferiu pedido de anulação de venda da fracção ……. do artigo matricial 1463.º da freguesia ………. operada em execução fiscal por meio de leilão electrónico.

    2. FUNDAMENTAÇÃO.

    A sentença recorrida anulou a venda concretizada em execução fiscal, no entendimento de que o facto do bem vendido se encontrar ocupado, de facto, por um terceiro, constitui fundamento de anulação nos termos do disposto no artigo 257.º/1/a) do CPPT e 838.º/1 do CPC, por erro sobre as qualidades e que, tendo o OEF tido conhecimento dessa situação no decurso do procedimento de venda deveria ter procedido à rectificação do edital de venda ou suspendido o respetivo procedimento.

    A nosso ver, com o, sempre, devido respeito por opinião contrária, a sentença recorrida parece não ser de manter.

    Vejamos.

    O erro sobre as qualidades do objecto transmitido que releva para efeitos de anulação da venda deve consistir em divergência entre as qualidades e o teor dos editais e anúncios.

    Como expende Jorge Lopes de Sousa sobre os requisitos dos editais e anúncios, em anotação ao artigo 249.º do CPPT (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, IV volume, Áreas Editora, página 121) “ (…) Porém, sendo os anúncios e editais aqui referidos os únicos meios previstos para proporcionar aos eventuais compradores informação sobre as características do bem a vender, é de entender que daqueles deverá constar toda a informação relevante para a formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de uma exigência manifestamente imposta pelas regras da boa-fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (art. 227.º, n.º 1 do CC) e toda a actividade da administração pública (arts. 266.º, n.º 2, da CRP).

    Pela mesma razão, deverão constar dos anúncios e editais todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender, como, por exemplo, a existência de um contrato de arrendamento relativo a um imóvel ou a existência de rendas em atraso, na venda de um direito a um arrendamento”.

    Como deflui do probatório, após a fase de publicitação da venda, a AT, através de auto de diligência elaborado pelo SLF de Sintra, em 09/11/2017, constante dos autos de execução, teve conhecimento de que estava ocupado por uma irmã do executado, inexistindo contrato de arrendamento.

    Como decorre, ainda, do probatório o executado alienou à referida sua...

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