Acórdão nº 00517/15.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: E., S. A.

(ex O., SA ; Quinta de (…)) interpõe recurso de sentença, que deu parcial procedência a acção administrativa comum intentada no TAF de Viseu por A.

(Rua (…)), condenando a ré/recorrente «a pagar ao Autor a quantia de 6.695,09 € (seis mil seiscentos e noventa e cinco euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento».

A recorrente conclui: 1. A ora Recorrente não se pode conformar com a Douta Sentença ora recorrida, não só no que respeita ao julgamento da matéria de facto, como também no que concerne ao julgamento da matéria de direito.

  1. Quanto ao recurso relativo à matéria de facto, o mesmo prende-se sobretudo com a escassez da matéria julgada como provada por comparação com toda a prova produzida e que, do nosso ponto de vista, é relevante para o julgamento dos presentes autos.

  2. No que concerne ao recurso da matéria de direito, a divergência com a Douta Decisão ora recorrida prende-se sobretudo com uma diferente interpretação do regime legal aqui aplicável, entendendo a Ré Recorrente que apesar de o Venerando Tribunal ad quo ter subsumido a situação sub judice às corretas normas legais aqui aplicáveis, fez uma interpretação errónea desse regime.

  3. No que concerne à matéria de facto, do ponto de vista da Ré Recorrente e como supra se referiu, os mesmos apenas pecam por defeito relativamente à prova que foi efetivamente produzida nestes autos.

  4. Havendo diversos outros factos que, segundo cremos, deveriam igualmente ter sido julgados como provados, não existindo sequer motivos para que assim não tenha sucedido.

  5. Com efeito, conforme referimos supra, estando em causa nestes autos a medição do grau de diligência que a Ré Recorrente empreendeu no âmbito do sinistro sub judice, do nosso ponto de vista, todos os factos que possam importar para o julgamento dessa diligência deverão ser considerados, revelando-se da maior importância, sob pena de não fazermos um julgamento real e verdadeiro desse grau de diligência.

  6. Dessa forma, justifica-se desde logo alargar do âmbito ou objeto deste recurso a uma matéria que Venerando Tribunal ad quo certamente terá julgado como irrelevante para a decisão do mérito da causa, mas que não o é.

  7. Tendo a respetiva prova sido produzida por três testemunhas (A., A. e A.), cujos depoimentos deverão ser confrontados com os documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com a contestação da Ré Recorrente.

  8. Sendo esses factos: a) Que a Ré Recorrente gere e administra um Centro de Controlo, que funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano, e que tem como missão a coordenação de todos os meios logísticos ao dispor da mesma para serem utilizados na A24, quer ao nível da prevenção de sinistros, manutenção e reparação das infraestruturas e assistência em caso de sinistro. b) Que o Centro de Controlo gerido e administrado pela Ré Recorrente recebe, de forma exclusiva, todos alertas, endógenos ou exógenos, dos utentes, da GNR, das bombas de gasolina, etc., relativos a situações que implicam a intervenção da Ré Recorrente. c) que toda e qualquer atividade testemunhada ou protagonizada por quaisquer Agentes da Ré Recorrente é obrigatoriamente registada, tanto pelo agente ou operador do Centro do Controlo, pelo agente que faz o patrulhamento, como também de um qualquer agente de operação e manutenção que é enviado a um determinado local da A24 para acudir a alguma ocorrência, para prestar assistência a um utente ou fazer outro tipo de intervenção, em função de procedimento ou normativo interno no seio da Ré Recorrente que a isso obriga. d) que a fiscalização regular da vedação existente na A24, por parte da Ré Recorrente, é feita periodicamente, todos os anos, e, de forma espontânea, em caso de acidente e em caso de avistamento de animais. e) Que a vedação existente na A24 não foi concebida de acordo com a configuração escolhida pela Ré Recorrente, mas sim de acordo com o RECAPE – Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução da A24, conforme as dimensões e características aprovadas na fase de construção da autoestrada pelo instituto de conservação da natureza e o Ministério do Ambiente. f) Que a vedação existente na A24 não pode ser alterada, nem sequer pode ser reforçada, por parte ou por iniciativa da Ré Recorrente, ainda que a mesma considere essa intervenção como necessária a evitar a entrada de animais. g) Da Inexistência de vedações nos nós de acesso à autoestrada, por imposição contratual, em função da natureza ou configuração da via aqui em causa. h) Que a Ré Recorrente tem uma atitude proactiva, pioneira e de constante procura, por parte da Ré Recorrente, dos meios mais inovadores e eficazes existentes no mercado com vista a dissuadir e impedir a entrada de animais na A24, participando em reuniões, fóruns e conferências, nacionais e internacionais, com outras entidades que buscam resolver o mesmo problema e com recurso a técnicas de odores, de efeitos visuais e até sonoros, os quais diminuíram até 80% a percentagem de entrada de animais na A24. f) O facto da raposa ser um animal matreiro, ágil, flexível e curioso, com enorme capacidade de aceder a locais onde, à partida, esse acesso lhe é vedado e parece impossível.

  9. Ora, sobre estes factos, é desde logo importante atentar que as três testemunhas que os afirmaram proferiram depoimentos cuja Douta Sentença recorrida referiu expressamente terem-se revelado “depoimentos esclarecedores, firmados com clareza e de forma convincente”.

  10. Deste modo, se requer que esta matéria de facto seja julgada como provada e, consequentemente, seja aditada à restante matéria de facto já dada como provada pela Douta Sentença recorrida.

  11. Por sua vez, quanto ao recurso da matéria de direito, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 5, do anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, as concessionárias das autoestradas encontram-se submetidas às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, uma vez que lhes compete, entre outras funções, a manutenção e a prestação de um serviço público, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei no 189/2002, de 28 de agosto.

  12. De facto, as concessionárias regem-se no âmbito da concessão no exercício de poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas.

  13. Por sua vez, como decorre dos artigos 7.º a 10.º do mesmo regime jurídico, importa atentar que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

  14. Este é o regime jurídico substantivo aplicável e é este, e apenas este, o regime jurídico que deverá ser aplicado ao caso sub judice, para efeitos de se decidir sobre a condenação ou não da Ré Recorrente.

  15. Ora, vindo nestes autos imputada à Ré Recorrente uma atuação omissiva caracterizada por uma alegada não tomada de providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na A24, a qual terá resultado no acidente sub judice, perguntarmo-nos: da análise feita às diligências que a Ré Recorrente empreendeu e demonstrou nestes autos, praticadas no âmbito da respetiva atividade, podemos concluir que a mesma atuou no sentido de evitar a entrada na A24 do animal que provocou o acidente sub judice? Ou de outro modo, da análise feita às diligências que a Ré Recorrente empreendeu e demonstrou nestes autos, podemos concluir que a Ré Recorrente atuou no sentido de prevenir o condutor do veículo sinistrado para a existência na via do animal no qual este embateu, de modo a que este evitasse o embate? 17. A resposta a estas duas questões é apenas uma: SIM! A Ré Recorrente atuou em ambos os sentidos referidos e fê-lo com extrema diligência, zelo e prudência.

  16. Sendo praticamente impossível, como veremos, que se aponte uma qualquer diligência – claro está, que seja sensato e razoável exigir-lhe - que a Ré Recorrente pudesse ou devesse ter empreendido no sentido evitar, com eficácia, o acidente sub judice.

  17. De facto, para além do regime substantivo supra referido, necessário ao apuramento da responsabilidade da Ré Recorrente sub judice, importa igualmente atentar no regime estabelecido pela Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, concretamente ao seu artigo 12.º, sendo que, através da referida norma, o legislador interveio especificamente na repartição do ónus da prova de um dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar, isto é, na prova do cumprimento ou incumprimento das obrigações de segurança a que estão vinculadas as concessionárias.

  18. Importa desde já realçar que a Ré Recorrente não coloca em causa, de maneira alguma, a validade desta norma, desde logo ao nível constitucional.

  19. A questão coloca-se, porém, ao nível da interpretação e ao sentido e alcance da referida norma, e que, do ponto de vista que ora se defende, extrapola, de forma muito grave, o verdadeiro sentido desta.

  20. Referimo-nos à exigência que, em tantas e tantas Sentenças, e em tantos e tantos Acórdãos dos Tribunais Superiores, é feita à necessidade de as concessionárias, nas ações com um objeto semelhante ao da presente, não se satisfazerem com a demonstração do cumprimento de obrigações genéricas, mas sim as obrigar a comprovarem diligências específicas ou especiais em relação ao acidente que, em cada processo, está em discussão; bem como a comprovarem o local por onde entrou o animal, demonstrando ainda que nada poderiam ter feito para que o mesmo entrasse na via.

  21. Ora, do nosso ponto de vista, este tipo de interpretação é totalmente contra legem, não tendo o mínimo sustento em qualquer das normas referidas.

  22. Não havendo nem uma norma que preveja este tipo de exigência, designadamente, que preveja a suposta...

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