Acórdão nº 02185/17.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. M., Lda, devidamente identificada nos autos interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 26.04.2019, que julgou totalmente improcedente a Execução de Julgados por si apresentada.

1.2.

A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a acção de execução de julgados instaurada pela Recorrente contra a AT, à qual serve de título o despacho de revogação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou e, consequentemente, dos actos de autoliquidação do IVA de Setembro de 2014 a Novembro de 2015 que foram sindicados pela ora Recorrente no âmbito do processo arbitral n.º 441/2016-T que correu os seus (curtos) trâmites no CAAD.

  1. Não obstante a factualidade dada como provada – da qual não foram extraídas as consequências legais que se impõem à luz do direito e da jurisprudência, mormente as que se deveriam extrair da demonstração de que o erro da liquidação em excesso é imputável à AT e não à Recorrente, e que o preceituado no artigo 78.º do CIVA não é aplicável, porque foi a Recorrente, e não os seus clientes, quem suportou materialmente o IVA indevido –, o Tribunal a quo julgou improcedente a acção de execução de julgados, com uma fundamentação – salvo o devido respeito – alinhada acriticamente com aquela que foi a contestação da AT.

  2. Partindo do (errado) pressuposto que o disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável à situação sub judice, entendeu o Tribunal a quo que “A Entidade Executada entendeu notificar a Exequente informando-a do entendimento de que os componentes das próteses dentárias beneficiavam da taxa de 6% e para o SP emitir as notas de crédito aos seus clientes, com a devida regularização do IVA, nos termos do art.º 78.º do CIVA, pois nos termos do n.º 5 do art.º 78.º a regularização do IVA só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto” (cfr. pág. 9 da sentença).

  3. Quanto às consequências que deverão ser extraídas do despacho de revogação da AT, entendeu o Tribunal a quo que “(…) assiste razão à FP quando afirma que a AT, tendo concluído pela desconformidade legal do acto tributário de autoliquidação do imposto com o disposto no CIVA, no que diz respeito à taxa aplicável, decidiu proceder à anulação dos seus efeitos jurídicos, num evidente reconhecimento do direito que ao contribuinte assiste, mas questão distinta é a apreciação dos mecanismos legais que o ordenamento tributário coloca à disposição dos titulares do direito para a sua concretização” (cfr. pág. 9 da sentença).

  4. Ora, como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através do método subtractivo indirecto e assenta no princípio da neutralidade: “ao operar através do método subtractivo indirecto nas diversas fases do processo produtivo, é um modelo de imposto sobre as transacções que parece garantir, de forma razoável, o requisito da neutralidade. É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo”.

  5. A mecânica deste imposto assenta, em suma, numa lógica de repercussão do imposto para o consumidor final, devendo ser neutral nas cadeias (de produção) anteriores à transmissão a favor do consumidor final: através da liquidação do IVA (pelo sujeito passivo que vende) e da respectiva dedução (pelo sujeito passivo que adquire) nas cadeias anteriores à chegada dos bens ao consumidor, garante-se a neutralidade deste imposto na fase de produção; quando é alcançado o consumidor final, este deverá suportar o encargo económico do imposto (porque não o poderá deduzir).

  6. Porém, apesar de formalmente (ie., nas facturas emitidas nas cadeias de transmissões) esta mecânica aparentar funcionar plenamente, nem sempre o IVA é economicamente repercutido para o adquirente dos bens, ficando o seu encargo na esfera do próprio sujeito passivo fornecedor, interrompendo-se, assim, a cadeira da repercussão e a neutralidade do imposto. Essas situações são, precisamente, aquelas em que o sujeito passivo fornecedor liquidou o IVA (por erro ou porque eram as directrizes da administração fiscal) a uma taxa superior àquela que é a devida e acaba por ser ele materialmente a suportar o IVA (indevido) e não o adquirente.

  7. Num mercado concorrencial como o dos implantes dentários, em que a procura pode ter acesso a vários fornecedores que concorrem entre si, a subida de preço decorrente de uma opção por aplicar a taxa normal em cumprimento de Instruções da AT, pode, notoriamente, prejudicar a quota de mercado do agente que opera essa subida de preço – sim, porque para o cliente que não deduz o IVA este imposto é parte do preço de custo e, em condições de igualdade de produto, a opção mais eficiente será comprar aos fornecedores que não aumentam esse preço.

    I. A este respeito, refira-se que a Recorrente foi das únicas empresas distribuidoras de implantes dentários que obedeceram ao dictum da citada Instrução Administrativa – como se pode comprovar pelos múltiplos casos de liquidações adicionais julgados pelo CAAD sobre a matéria, na sequência dos quais todos os Requerentes receberam os reembolsos de IVA devidos, depois de terem decidido não observar o teor da dita Instrução.

  8. Para o poder fazer sem perder clientes a Recorrente decidiu absorver a totalidade dos 23% do IVA em causa, mantendo os preços intocados, mesmo sabendo que os seus competidores só suportavam IVA à taxa de 6%; e fê-lo com a convicção de que, mais tarde, haveria uma clarificação sobre a correcta interpretação da lei e todos ficariam em pé de igualdade, sendo-lhe possível recuperar o imposto pago a mais.

  9. Reside precisamente aqui um dos vícios de análise da decisão em crise: ao contrário do que pensa o órgão recorrido, nos casos em que a taxa liquidada é superior à devida por força de entendimento ilegal da AT ou mesmo do sujeito passivo, não há que chamar à colação o artigo 78º, para além de ser uma falácia presumir-se um “enriquecimento sem causa”.

    L. À luz da jurisprudência comunitária citada nas alegações, deverá ser restituído o IVA pago indevidamente ao sujeito passivo – como é o caso da Recorrente –, sempre que o encargo económico do imposto seja por ele suportado, podendo, contudo, negar-se essa restituição quando o imposto tenha sido repercutido efectivamente no terceiro.

  10. Quanto à prova de que a restituição do imposto ao sujeito passivo provoca, ou não, o seu enriquecimento sem causa, a jurisprudência comunitária também tem tecido importantes conclusões.

  11. É que, nas situações que ora analisamos, medir o enriquecimento sem causa nem sempre será uma tarefa fácil, porque “o operador pode optar por excluir qualquer aumento nos seus preços de retalho e manter o seu volume de vendas limitando ou reduzindo a sua margem de lucro para absorver a totalidade ou parte do imposto. Caso contrário, se decidir não proceder dessa forma e, em vez disso, aumentar os preços no mesmo montante do imposto, aquele pode verificar que os seus lucros diminuem porque realiza menos vendas. O operador pode inclusivamente optar por absorver, ele próprio, parte do imposto e, mesmo assim, haver uma queda nas vendas. Em todos esses casos - que são plausíveis numa situação de concorrência forte entre os operadores - o operador sofrerá uma perda económica em resultado da cobrança de um imposto ilegal, de forma que não poderá dizer-se que o imposto foi (totalmente) repercutido em terceiros nem que aquele obteve um enriquecimento sem causa se o imposto (uma proporção adequada dele) lhe for reembolsado”.

  12. Compreendendo as dificuldades que a teoria do enriquecimento sem causa poderiam acarretar em matéria de ónus de prova, o TJUE entendeu que “(…) são incompatíveis com o direito comunitário todas as modalidades de prova cujo efeito seja tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a obtenção do reembolso da imposição cobrada em violação do direito comunitário. Tal é o caso, designadamente, das presunções ou regras de prova que têm como objectivo fazer recair sobre o contribuinte o ónus de provar que as imposições indevidamente pagas não foram repercutidas em terceiros (…).

    A este respeito, o direito comunitário opõe-se a que um Estado-Membro submeta o reembolso dos direitos aduaneiros e de imposições contrários ao direito comunitário a uma condição, tal como a ausência de repercussão destes direitos ou imposições em terceiros, quando caiba ao recorrente fazer a prova de que esta condição está preenchida (acórdão Dilexport, já referido, n.° 54)”.

  13. De todo o exposto, as únicas conclusões que são absolutamente seguras são as seguintes: (i) foi a Recorrente que suportou a diferença entre a taxa normal de 23% e a taxa reduzida de 6%, e (i) com a intransigência em reembolsar o IVA à Recorrente, quem seguramente enriquece sem causa é a AT, a mesma AT que induziu a Recorrente num erro de subsunção de quem sai como única beneficiada.

  14. Quanto ao n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, esta norma visa evitar que um determinado sujeito passivo transmitente de um bem regularize o IVA a seu favor sem que o sujeito passivo adquirente, que o deduziu, não tome disso conhecimento e não faça a necessária regularização do IVA deduzido na favor do Estado, o que redundaria para este num prejuízo. Porém, esta preocupação já não surge quando os adquirentes não tenham direito à dedução do imposto (como é o caso dos sujeitos passivos sem direito à dedução ou dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT