Acórdão nº 00736/04.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. C., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 15.07.2015, pela qual foi julgada improcedente a impugnação (por convolação do instaurado recurso contencioso de anulação) do Despacho do Sr. Subdiretor Geral dos Impostos, datado de 29.05.2000 o qual negou provimento à reclamação graciosa que teve por objeto o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 1991.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: “Da errónea qualificação dos serviços prestados no âmbito do contrato de assistência comercial e representação A.

O Tribunal a quo errou ao considerar que a obrigação de pagamento das comissões à S. se constituiu por efeito da «boa cobrança das facturas correspondentes aos produtos vendidos» pela Recorrente.

B.

A referida obrigação foi constituída em 1991, ao abrigo do disposto na Cláusula III, n.º 1, al. b), e n.º 2, ai. b), do contrato de assistência comercial e representação celebrado entre a Cruz e a S..

C.

O pagamento das comissões teve como contraprestação a garantia - sublinhe-se, garantia — do pagamento pontual e satisfatório das mercadorias expedidas, bem como, adicionalmente, a prestação do serviço de representação da Recorrente, através da selecção de clientela com baixo risco comercial.

D.

A S. assumiu um dever de garantia do pagamento pontual e satisfatório dos produtos vendidos pela Recorrente, desde o momento da celebração do contrato.

E.

O dever de garantia do pagamento pontual e satisfatório dos produtos vendidos pela Recorrente decorre da lex contractus, em especial, do disposto na Cláusula III., n.º 2, al. b), do contrato celebrado entre as partes - «garantindo o pagamento pontual e satisfatório das mercadorias expedidas».

F.

Quando se obrigou ao pagamento das comissões, a Recorrente sabia que a S. estava desde logo a garantir o pagamento pontual e satisfatório das mercadorias expedidas, tornando esse pagamento manifestamente previsível.

G.

No caso vertente, deve valer a interpretação que as próprias partes fazem do contrato, nos termos do disposto no número 2 do artigo 236.º do Código Civil.

H.

As comissões em apreço foram não apenas devidas pela garantia de boa cobrança prestada pela S., mas também pela prestação de serviços de representação, através da selecção de clientela — «representação, através da selecção de clientes com baixo risco comercial».

I.

A prestação deste conjunto de serviços constitui uma obrigação duradoura, de execução prolongada.

Do erro quanto à data de constituição e à data de vencimento da obrigação de pagamento das comissões J.

Se a Recorrente beneficiou, desde a data da celebração do contrato, dos serviços prestados pela S., pode afirmar-se que o direito ao recebimento das comissões devidas por conta da prestação desses serviços se constituiu, concomitantemente, na esfera jurídica daquela sociedade — é o que decorre, justamente, da sinalagmaticidade do contrato e do princípio pacta sunt servanda.

K.

A obrigação em apreço foi constituída aquando das vendas por conta do contrato de assistência comercial e representação, daqui se inferindo, pois, que, no exercício de 1991 — ano em que teve início o processamento das vendas —, as comissões devidas à S., relacionadas com estas vendas, eram, ao abrigo do contrato assinado, manifestamente previsíveis.

L.

Atenta a sua manifesta previsibilidade, a imputação dos custos incorridos com o pagamento das comissões, aos proveitos obtidos com as vendas realizadas pela Recorrente, justifica-se à luz do mais elementar princípio da prudência, subjacente à contabilidade e ao PDC então vigente, e atento o modelo de dependência parcial entre a contabilidade e a fiscalidade.

M.

O prazo de constituição da obrigação contratual em apreço, no ano de 1991, não se confunde com o prazo de vencimento da referida obrigação, que, nos termos da Cláusula III., n.º 2, al. b), do contrato celebrado entre as partes, ocorre «após o efectivo pagamento» das mercadorias vendidas pela Recorrente.

Da errónea não contabilização dos custos incorridos com o pagamento das comissões N.

Se, no exercício de 1991, a Recorrente contabilizou proveitos com a venda das mercadorias aos seus clientes, deveria também ter contabilizado - como, de resto, contabilizou — os encargos relativos à obtenção desses proveitos — o que se antolha pela aplicação dos princípios da especialização dos exercícios e das normas relativas à periodização do lucro tributável das empresas.

O.

Aplicando o princípio da especialização dos exercícios, a Recorrente andou bem ao considerar como custos, relativos ao exercício de 1991, os encargos economicamente imputáveis a este período, já que foi neste ano que se constituíram as obrigações contratuais das partes, sendo irrelevante o exercício em que a obrigação veio a ser cumprida, com o pagamento pontual das mercadorias.

P.

O nexo de causalidade e de sinalagmaticidade entre os proveitos conseguidos com os serviços prestados pela S. e os encargos assumidos com o pagamento das comissões a esta sociedade foi constituído a partir de 1991 e, como tal, foi contabilística e fiscalmente imputado àquele exercício.

Q.

Se a Recorrida aceita os proveitos obtidos pela Recorrente com as vendas ocorridas no exercício de 1991 — independentemente do respectivo recebimento —, não pode concomitantemente desconsiderar os custos relacionados com a realização dessas vendas.

R.

Ainda que os custos não devessem ser contabilizados no exercício de 1991 – no que, evidentemente, não se concede —, sempre teriam de ser contabilizados em exercícios posteriores.

S.

Os custos incorridos com o pagamento das comissões devidas pela prestação serviços de natureza duradoura e de execução continuada, como é manifestamente o caso dos serviços prestados pela S., devem ser imputados proporcionalmente à sua execução, nos termos da parte final da alínea b) do número 3 do artigo 18.° do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos.

Da errónea quantificação do facto tributário T.

A Recorrida desconsiderou, in totum, os gastos com as comissões devidas à S., ao abrigo da Cláusula III., n.º 2, al. b), do contrato celebrado entre as partes, e não curou de destrinçar os gastos com os serviços de representação e de selecção de clientela, adicionalmente prestados por aquela sociedade, pelo que não pode aceitar-se a não contabilização do montante total das comissões pagas ao abrigo da referida cláusula contratual.

U.

A Recorrida quantificou o facto tributário apenas em função dos créditos efectivamente pagos à Recorrente no exercício em apreço, pelo que, as liquidações impugnadas deveriam ter sido anuladas pelo Tribunal a quo, já que as mesmas foram incorrectamente quantificadas, não sendo demais recordar que, nos termos do artigo 100.º, do CPPT, a mera dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário impõe, sem mais, a sua anulação.

Termos em que deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.” 1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 342 e ss., com o seguinte teor: “I-- C., Lda veio recorrer da sentença do TAF de Viseu, que declarou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano 1991.

A liquidação adicional resultou de correcções aritméticas efectuadas pela AF, na sequência da não aceitação de custos, relativos a um contrato de assistência comercial e representação celebrado com a S..

II-- Das conclusões que a recorrente vem alegar: - errónea qualificação dos serviços prestados no âmbito do contrato de assistência comercial e representação - erro quanto à data de constituição e à data de vencimento da obrigação de pagamento das comissões - errónea não contabilização dos custos incorridos com o pagamento das comissões - errónea quantificação do facto tributário.

III-- Entendemos que o recurso não merece provimento.

Nos termos do disposto no artigo 23.° n.°1 do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

São gastos fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.° e 34.° do CIRC, os gastos contabilísticos suportados pelas empresas e indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

Integram esta categoria os que preenchem um conjunto de requisitos gerais necessários à dedutibilidade fiscal dos gastos, dos quais se destacam a comprovação material dos gastos realizados, a indispensabilidade dos gastos, a conexão dos gastos aos ganhos sujeitos a imposto e a efetividade dos gastos realizados.

Por...

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