Acórdão nº 53/19.8PAABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Data17 Dezembro 2020

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 53/19.8PAABT, do Juízo Local Criminal de Abrantes, o tribunal, na audiência de discussão e julgamento, decidiu indeferir uma diligência probatória requerida pelo Ministério Público

Inconformado com essa decisão, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição): “I – Vem o presente recurso interposto do despacho judicial proferido na audiência de julgamento realizada no dia 09.06.2020, que indeferiu a promoção, por parte do Ministério Público, de aditamento ao rol de testemunhas de J…, Agente da PSP que elaborou os autos de apreensão e entrega constantes dos autos e indicados como prova documental na acusação pública. Considerou o Tribunal a quo que tal era inadmissível, por decorrer do artigo 340º, nº 4, do C.P.P. que, são indeferidos os requerimentos de prova quando for notório, como sucede in casu, que a prova poderia ter sido oferecida com a acusação, e, ainda, que a inquirição do agente da PSP que efetuou os autos de apreensão e entrega juntos aos autos poderia violar direitos constitucionais dos arguidos e o seu direito ao silêncio

II – Ora, entende o Ministério Público que o artigo 340º, nº 4, alínea a), do C.P.P., concretiza, e, em rigor, solidifica, a regra de necessidade que rege toda a produção de prova não oferecida pelos sujeitos processuais em momento anterior à audiência de julgamento, uma vez que, efetivamente, prevê o indeferimento da produção de prova “exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa”, argumento este que não é invocado, em momento algum, pelo Tribunal a quo, pelo que deveria ter sido deferido o requerido aditamento ao rol de testemunhas de J…, por ser o mesmo imprescindível ao apuramento da verdade material e boa decisão da causa

III – Com efeito, nos presentes autos foi deduzida acusação contra N… e S…, imputando-lhes a prática de um crime de furto, p. e p. no artigo 203º, nº 1, do C.P., sendo, na perspetiva do Ministério Público, elemento essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa a inquirição do referido agente da PSP, uma vez que foi este, na companhia e por indicação de N…, que encontrou a carteira da ofendida S… no local que foi apontado pelo arguido

IV – Fácil é perceber que a prova indiciária ou indireta já decorrente da prova produzida na audiência de julgamento já havida e decorrente da ausência de outros hóspedes, de apenas se encontrarem os arguidos na pousada (a arguida no exterior), de ter o arguido N… visto onde estava guardada a chave e o cofre (sendo que apenas foi aberto o cofre da ofendida quando as demais funcionárias também ali tinham os seus cofres), e de saber o arguido indicar precisamente onde estava abandonada a carteira da ofendida, já expurgada dos bens de valor de fácil utilização/troca, levam a concluir que foi o arguido quem dela se apropriou. Este último indício, decorrente da referida apreensão e entrega da carteira, é essencial à prova da autoria dos factos

V – O artigo 340º do C.P.P., que regula os princípios gerais para produção de prova que não tenha sido indicada pelas partes antes da audiência de julgamento, consagra, legal e genericamente, o princípio da investigação ou da oficialidade; no seu nº 1 é estabelecida uma regra de necessidade, segundo o qual a produção de novos meios de prova só é possível nos casos em que o tribunal determine a mesma como necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa

VI – A omissão, por parte de qualquer sujeito processual, da indicação de prova indispensável, não deve obstar à realização de diligência probatória essencial ao apuramento da verdade material e boa decisão da causa, sob pena de total falimento dos desideratos processuais que se pretendem alcançar e do completo esvaziamento do poder de investigação, direção, e, em última instância, de decisão do Juiz. Ao ser dado conhecimento ao Tribunal da existência de meio de prova indispensável e essencial, a decisão de não a produzir é injustificável, num modelo processual que busca a prova da verdade material como pressuposto e fundamento da decisão condenatória ou absolutória

VII – Alias, após a inquirição das testemunhas em audiência (nomeadamente de S…, que referiu que a sua carteira foi recuperada após contacto da PSP com os arguidos, segundo lhe foi comunicado), o Tribunal deveria, ex oficcio, ter determinado a inquirição do referido agente da PSP

VIII – Com efeito, e com o devido respeito, o Tribunal não apreciou toda a letra da lei, porquanto o artigo 340º, nº 4, alínea a), do C.P.P. prescreve o indeferimento da requerida produção de prova quando for notório que “as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa” – sublinhado nosso – ignorando, precisamente, esta excecionalidade que o Tribunal não apreciou

IX – Ora, o Tribunal recorrido não indeferiu o promovido por considerar irrelevante a prova, mas, sim, por considerar que o Ministério Público deveria ter indicado o referido agente como testemunha quando deduziu acusação. Tal é contrário à lei criminal, e aproxima-se do conceito civilista de preclusão, o qual é incompatível com o sistema nacional de acusatório, integrado pelo princípio da investigação. Se ao Juiz não fosse imposto o dever de, podendo, produzir a prova que afaste as suas dúvidas quanto à veracidade do narrado na acusação, esvaziar-se-ia o seu poder de decisão num exercício meramente formal. O Tribunal não pode concluir pela insegurança quanto à prática dos factos pelo arguido, quando não produziu prova existente para tal; da mesma forma, não pode concluir pela sua condenação quando é indicada prova relevante que possa contribuir para a absolvição

X – O conhecimento, por parte de Tribunal, de prova...

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