Acórdão nº 147/17.4T9BGC-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório 1. Nos autos de inquérito (actos jurisdicionais) nº. 147/17.4T9BGC, a correr termos na Procuradoria da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por decisão proferida a 29/6/2020, na sequência do requerimento apresentado pelo assistente F. J., foi determinado que a arguida R. M.

prestasse caução económica, no valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), em qualquer uma das modalidades legalmente admissíveis, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão.

  1. Inconformada, a arguida R. M. interpôs recurso, pugnando pela revogação da decisão, mediante a formulação das seguintes conclusões (1): «A) Por despacho do Tribunal a quo foi ordenado que a Recorrente preste caução económica, no valor de 500.000,00€, não se conformando a mesma com tal despacho desde logo porque o valor que é completamente desproporcional, desajustado e impossível de realizar.

    1. Diz a lei do nº 3 do art. 227º do C. P. Penal que “Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior”.

    2. Ora, diz o nº 2 do artigo 32º da C. R. Portuguesa que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”, ou seja, direito constitucionalmente consagrado e premissa sobre a qual assenta todo o direito processual Penal e bem assim todo o direito Penal.

    3. Refira-se que o facto da aqui Recorrente ter sido constituída arguida apenas nos indica que sobre a mesma há indícios suficientes da prática do crime e do seu agente, não nos permite por si só, qualificar o grau de ilicitude, pois só é punível “o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.”, e até ao momento ainda não apurou o Tribunal a quo tal grau de ilicitude e bem assim a sua culpabilidade.

    4. Fundamenta o Tribunal a quo que a Recorrente tem vindo a mostrar um comportamento menos correto para com a justiça na medida em que não se apresenta nas audiências de discussão e julgamento quando para tal é notificada para estar presente, dando inclusive o Tribunal a quo como provado que a Recorrente age em conluio com as mais variadas pessoas, porque tem amigos e irmão em França e desloca-se várias vezes e com frequência e facilidade a Espanha.

    5. É sabido que a Recorrente não compareceu em audiência de julgamento quando se encontrava devidamente notificada para tal, sendo condenada pelo seu incumprimento enquanto sujeito processual.

    6. Se faltou à audiência de julgamento que estava agendada, não é porque anda “fugida à ação da justiça”, pois que a Recorrente continua a receber todas as notificações enviadas pelos Tribunais e bem assim pelo Tribunal a quo.

    7. Fundamentar a aplicação da medida de garantia patrimonial de que ora se recorre com o facto de a Recorrente se deslocar várias vezes para França/ Espanha e ter sido vista a entrar em dependências bancárias com base em depoimentos de testemunhas que nunca em França estiveram nenhum base fatual pode ter para o que no caso importa, apenas e denota uma tentativa malograda e irreal de fundamentação.

    8. Tais depoimentos foram suficientes, contudo para que ao Tribunal a quo não restassem dúvidas de que a Recorrente está a dissipar o seu património.

    9. Saliente-se que, ainda que a Recorrente se desloque a Paris para estar com a sua família, a mesma tem cumprido escrupulosamente o tipificado na lei no que respeita à medida de coação a que ficou sujeita aquando da sua constituição de Arguida.

    10. E bem assim nos demais processos, à exceção no processo que respeita à ação de anulação do casamento celebrado com o pai do Assistente.

    11. Mais, dar como provado que a Recorrente “é vista por várias pessoas a entrar em dependências bancárias”, é pouco ou se não mesmo nada, uma vez que, de tal não se extrai do depoimento das testemunhas, nem podia sequer de forma alguma constar porque além de se tratarem de pessoas que residem em Portugal, com grande certeza nunca foram a França, e o ouvir dizer não faz prova nem pode servir para a situação concreta dos autos.

    12. Os depoimentos prestados não passaram de afirmações hipotéticas conjeturadas não só pelas testemunhas como pelo próprio Assistente.

    13. É certo que termos o princípio da livre apreciação da prova do lado do julgador, mas também é certo que a mesma tem de ser olhada e analisada de forma igualitária, racional e imparcial.

    14. Ainda, dizer e dar como provado que os irmãos da Recorrente têm dois carros de alta gama, designadamente Porsh e Jeep, é lamentável e denotam desde logo falta de factos para apoiar a fundamentação da decisão.

    15. É assombroso ver que deu tal facto como provado e valorou o mesmo, pois que se assim não fosse nem ao mesmo se fazia referência, porque em nada tem a ver com a prática do ilícito.

    16. Ainda, deu-se como provado que a Recorrente tem pelo menos dois prédios urbanos e um automóvel, o que desde já indica que até ao momento a mesma não se desfez do seu património, pelo que não se depreende de onde advém o risco ou indícios de que a mesma se vai desfazer de tal património por forma a se imiscuir de pagar um eventual pedido de indemnização.

    17. Continuando, sempre se diga que o fundado receio do Assistente de modo tal que o levaram a peticionar a aplicação de uma medida de garantia patrimonial como seja a aplicação de uma caução económica no valor de 500.000,00€ com base no receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento da indemnização civil emergente do crime, não está como é visível preenchido pois que está fundamentando apenas e tão só com base em simples apreciações do comportamento perpetrado pela Recorrente no que toca à Justiça porque em termos patrimoniais nada se provou que a Recorrente está a dissipar/sonegar património.

    18. Não podemos esquecer que estamos aqui a falar da prestação de uma garantia patrimonial no valor de 500.000.00€, e para que tal seja deferido necessário se torna uma fundamentação cuidada, o que, com o devido respeito não sucedeu.

    19. Mais, para que seja exigido a caução económica necessário se torna, dar-se como provado que tenham diminuído as garantias patrimoniais, desde logo com a dissipação de património, e isso não se logrou provar.

    20. Veja-se que sempre esteve na disponibilidade do Tribunal a quo averiguar de uma eventual dissipação de património, até porque estava e está a Recorrente à disposição do Tribunal a quo para toda a colaboração no que tange a essa matéria, mas quanto a isso o Tribunal considerou não ser necessário, bastando-se com uma prova testemunhal débil.

    21. Não foi provado o concreto e razoável receio objetivo de dissipação de património e consequentemente o não pagamento do pedido de indemnização que virá o Assistente a formular nos autos, pois que não se sabe sequer se o formulará e qual o seu valor, uma vez que este apenas mostrou a sua intenção.

    22. Ressalte-se que, a caução económica enquanto garantia patrimonial, e de acordo com o preceituado pelo nosso legislador no artigo 227º C. P. Penal, tem pressuposta a pendência de um pedido de indemnização que haverá de ser conhecido nos próprios autos de processo penal, onde aquele foi formulado por força do princípio de adesão.

    23. A caução económica, a prestar, quando a mesma tem lugar deve ser fixada em função do valor da quantia a garantir, ou seja, do pedido de perda de vantagens. E essas são desconhecidas até ao momento nos presentes autos.

    24. Aos requisitos legais previstos no artigo 227º do C. P. Penal, jurisprudência recente tem ainda salientado, a capacidade económica do requerido, pois como se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa datado de 28.2.2015: "Contudo, é inerente à exigibilidade da prestação de caução a viabilidade da sua prestação, sob pena de prática de acto processual inconsequente e inútil, proibido por lei (artº 130º/CPC).” Z) Chegados aqui, e depois de uma exaustiva análise da decisão e bem assim da fundamentação do Tribunal a quo, é forçoso concluir que inexiste qualquer acto ou prática de actos tendentes a diminuir, subtrair ou lapidar património por parte da Recorrente AA) Mais, a caução económica tem de levar em conta a capacidade económica do devedor, pelo menos, a capacidade sumariamente indiciada, porque em causa está a exigência de prestação da garantia de valor que, se não existir no património do requerido, inviabiliza o resultado útil da providência.

    BB) Isto para o Tribunal a quo passou completamente ao lado, talvez porque o que importa é obrigar a Recorrente a prestar uma caução económica e não cumprir os desígnios da lei. Até porque há ainda que ter presente, como salienta o Prof. Germano Marques, que a caução terá de ser adequada à realização da finalidade que a justifica e proporcional à obrigação que se destina garantir, estando pois sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade.

    CC) Importa reforçar que não há qualquer facto provado de forma clara e objectiva relativamente à capacidade ou não das garantais de pagamento por parte da Recorrente, logo não há de acordo com a letra da lei o porquê de aplicar tal medida de garantia patrimonial, até porque nem sequer se deu como provado qualquer acto atual, ou até mesmo passado, de qualquer lapidação ou diminuição de património por parte da Recorrente.

    DD) Mais, alguma jurisprudência recente tem ainda evidenciado como requisito para a prestação da caução, a capacidade económica do arguido, e tal requisito não foi sequer acautelado.

    EE) Em conclusão, é inerente à exigibilidade da prestação de caução a viabilidade da sua prestação, sob pena de prática de acto processual inconsequente e inútil, ademais, proibido por lei.

    FF) Com todo o respeito que é muito e devido, mas de acordo com a prova produzida somos obrigados a concluir, porque outra conclusão de...

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