Acórdão nº 992/11.4BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 09.01.2016, que julgou improcedente a reclamação para a conferência por si deduzida e manteve a decisão proferida pelo relator, que havia julgado procedente as exceções dilatórias de falta de objeto e de caducidade do direito de ação, assim absolvendo o R. e os demais Contrainteressados da instância.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 431 e ss., ref. SITAF: «(…) A. O Ministério Público interpôs a presente ação com fundamento na violação de direitos fundamentais inerentes à utilização da habitação contígua ao prédio licenciado, defendendo que os atos administrativos impugnados ofenderam o conteúdo essencial de direitos fundamentais, designadamente o direito à integridade física e moral e o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, previstos nos artigos 25º e 66º da Constituição da República Portuguesa.

B. O tribunal considerou que, não se encontrando o edifício habitado, apenas subsiste a invocada violação dos artigos 60º e 73º do RGEU que prescrevem sobre distâncias mínimas entre fachadas e respetivos vãos e que conduz à anulabilidade dos atos.

C. Pelo que considerou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e, por outro lado, a exceção de falta de objeto, porquanto foi facultada habitação aos reclamantes e o prédio encontra-se desabitado.

D. Sempre se dirá que o facto de se considerar que o prédio se encontra desabitado não é suficiente para concluir que o mesmo tem ou não condições para vir a ser habitado, uma vez que o mesmo continua a possuir licença de habitação.

E. Sendo que estes, apesar de terem sido realojados, mantêm contrato de arrendamento válido, pelo que o seu direito à utilização da habitação em devidas condições de salubridade e arejamento continua afetado, o que constitui a violação de um direito fundamental garantido constitucionalmente.

F. O artigo 133 nº 2 alínea d) do CPA (vigente à data da propositura da ação) prevê o vício de nulidade, perante a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que se exigiria apurar, com referência à factualidade concreta, se o conteúdo essencial do direito se mostra atingido na presente situação.

G. Sendo que, conforme dispõe o artigo 58º, nº 1 do CPTA, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo de impugnação e o autor no seu pedido inicial peticiona a declaração de nulidade dos atos administrativos.

H. Também não poderia considerar a existência de falta de objeto, uma vez que os direitos fundamentais que o autor considera terem sido desrespeitados são o direito à integridade física e moral e o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado previsto nos artigos 25º e 66º da CRP e não o direito a uma habitação de dimensão adequada com condições de higiene e conforto (artigo 65º da CRP).

I. O RGEU contém normas de natureza proibitiva e impositiva, que têm como destinatários todos aqueles que pretendam executar novas edificações ou quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição das edificações e obras existentes, dentro do perímetro urbano ou zonas rurais e localidades a elas equiparadas J. Ora, no presente estado dos autos não há elementos suficientes para decidir tais questões, pelo que sempre o conhecimento de tais exceções de caducidade do direito de ação e de falta de objeto deveria ter sido relegado para a sentença.

K. Na verdade, o disposto nos artigos 87º nº 1 b) do CPTA então vigente e 595º, nº 1, alínea b) do CPC não se coaduna com tomadas de posição que, em nome da celeridade, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções mais abrangentes, ainda não possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correto nessa altura.

L. Ou seja, na dúvida, deve o processo prosseguir os seus normais termos, com a organização da base instrutória e passagem à fase da instrução e produção das provas, apresentando-se excecional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.

M. Foram violadas, por erro de interpretação, as normas constantes dos artigos 25º, 65º e 66º da CRP, 60º e 73º do RGEU, 133º nº 2 alínea d) do CPA, 58º, nº 1 e 87º nº 1 b) do CPTA e 595º, nº 1, alínea b) do CPC.

N. Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos. (…)» O Recorrido, Município de Setúbal, contra-alegou, concluindo como se segue – cfr. fls. 463 e ss., ref. SITAF: «(…)

A) O Ministério Público A. interpôs a presente ação, com fundamento numa pretensa violação pela obra licenciada do art° 73° do R.G.E.U. e por ofensa ao direito ambiental, inerente à utilização da habitação contígua, pretensamente prejudicado pelo seu défice de arejamento, iluminação natural e exposição solar, resultante da construção do edifício cujo licenciamento é posto em causa.

B) Considerando que a pretensa diminuição dessas condições de salubridade ofenderia o “direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado”, que, na sua perspetiva, tem dignidade constitucional de um direito fundamental.

C) Ora, a existir tal direito, o titular do mesmo seria quem habitasse a casa vizinha do prédio aqui em causa, que se encontra há muito desabitada e que, pela sua antiguidade, não preenche, independentemente dos constrangimentos à sua iluminação, arejamento e insolação, consequentes à construção do prédio vizinho, as condições de habitabilidade mínima atualmente exigíveis.

D) Por outro lado, o Ministério Público, na presente ação, não vem defender um direito ambiental difuso com titulares indeterminados, mas um pretenso direito ambiental subjetivo que tinha de ter titulares concretos que, pelo que acaba de se referir, embora tenham existido, já não existem.

E) Pelo que não existe qualquer direito subjetivo - desde logo por inexistência de titulares do mesmo - a “um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado”, nem idêntico direito de titulares difusos, cuja tutela pudesse ser visada pela presente ação.

F) O que se traduzia...

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