Acórdão nº 768/14.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M..... instaurou ação administrativa comum contra o Estado Português, peticionando a condenação do réu no pagamento da quantia de € 75.000,00, por demora na tramitação de processo, a que acrescem juros e imposição de sanção pecuniária compulsória, bem como no despendido com obtenção de certidão e cópias no valor de € 153,95.

O réu contestou, apresentando defesa por exceção, invocado a prescrição do direito da autora, e por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.

Por sentença de 11/02/2018, o TAC de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente e condenou o réu a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 14.300,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa anual de 4 %, desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento, a que acrescem juros à taxa anual de 5 %, desde a data em que a presente decisão transitar em julgado, bem como € 153,95 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4 %, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, a que acrescem juros à taxa anual de 5 % desde a data em que a presente decisão transitar em julgado.

Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1) O Réu não impugnou, expressa ou implicitamente, os factos alegados pela Autora, designadamente os relativos aos danos, constantes dos artigos 164.º a 220.º da petição inicial, cujo ónus lhe incumbia, nos termos do artigo 574.º, n.º 1, do CPC.

2) No decorrer da audiência prévia, a Autora, invocando tal circunstância, pugnou pela consideração de tais factos como provados e assentes, passando a conhecer-se imediatamente do mérito da causa, mas tal foi desatendido pelo Tribunal a quo, que determinou o prosseguimento dos autos, com fixação dos temas de prova e a realização da audiência, do que logo reclamou, pelo que o despacho impugnado deve ser revogado por esse Tribunal Superior.

3) Em consequência, devem ser considerados admitidos por acordo e dados como assentes todos esses factos alegados pela Autora quanto aos danos, atento o disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC, sendo os demais atos praticados na audiência prévia e na audiência final, incluindo a produção de prova testemunhal, considerados contra a lei e irrelevantes, conhecendo agora esse Tribunal Superior do objecto da causa com base nessa mais ampla e global factualidade, nos temos do artigo 149.º, n.º 1, do CPTA.

4) Mesmo que considerasse, o que a Autora não concede, que o Réu havia impugnado validamente tais factos, sendo necessário produzir as provas em audiência, a verdade é que o Tribunal a quo não apreciou todos esses factos alegados pela Autora nos artigos 164.° a 220,° da petição inicial, considerando-os provados ou não provados, além de ter retirados factos da sequência e contexto em que foram apresentados, o que lhes desvirtua o seu sentido e alcance, tudo isso acarretando a nulidade da sentença, a qual deve ser declarada e suprida por esse Tribunal Superior.

5) Na procedência da impugnação de tal despacho, a factualidade mais ampla a considerar agora, vertida nos artigos 164.º a 220.º da petição inicial, atentas as normas jurídicas aplicáveis, enunciadas nesse articulado e também na sentença, deverá conduzir à fixação de uma indemnização em montante bem mais elevado do que o atribuído pelo Tribunal a quo. atendendo-se o valor peticionado. atenta a forte gravidade e a longa duração e persistência dos danos sofridos pela Autora, bem superior ao comum dos casos, pois que tais específicos danos não patrimoniais devem merecer ressarcimento autónomo e muito para além daquilo que imporia a mera demora do processo, uma vez que a jurisprudência dos Tribunais Superiores e do próprio TEDH vem considerando presumido o “dano moral” (sem necessidade de alegação e prova do mesmo).

Assim, se são alegados e provados danos não patrimoniais extensos, duradouros, permanentes e graves, o valor da indemnização tem de ser muito superior àquele de referência habitualmente atribuído, como aqui sucede com a Autora 6) Neste caso não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo o tempo excecionalmente longo que o recurso e a execução levaram a ser tramitados e decididos, com muitos e largos períodos, alguns de vários anos, totalmente parados, resultado da persistente inércia do Tribunal, apesar da simplicidade das questões factuais e jurídicas a resolver, sem necessidade sequer de diligências de produção de prova e da realização de audiência, bem como o comportamento processual corretíssimo da aqui Autora, que até tentou impulsionar os autos, com vários requerimentos dirigidos ao Tribunal e ao CSTAF.

7) E também não foi valorada devidamente a negligência grosseira com que a tramitação de tais processos foi “tratada” e o facto de o procedimento ter a ver com a vida profissional da agora Autora, para ingresso numa carreira de prestígio na função pública, sendo muito relevantes os “interesses em jogo”, tendo os danos provados de ser necessariamente vistos e considerados com referência ao momento em que ocorreram e não à luz do conhecimento actual designadamente com a não abertura de mais concursos a partir de finais de 1999 e a advinda privatização do Notariado em 2004, cuja evolução e oportunidades futuras então se desconheciam, sendo que nesta última data deveria, pela normalidade das coisas, estar já decidido o recurso contencioso, com a clarificação das expectativas de carreira da Autora, além de que sempre poderia vir a abrir concurso para Conservadores (públicos).

8) Ao contrário do sustentado na sentença, a Autora não invocou danos por não ter ingressado na carreira dos registos e notariado, mas sim porque o perdurar do processo por tantos anos, em cujo desfecho favorável acreditava (como veio a ocorrer), não lhe permitiu a resolução do litígio em tempo de poder candidatar-se aos cursos que ocorreram, além de que mantinha a expectativa que outros houvesse, não sendo na altura possível prever o que iria ocorrer nesse campo, sendo também essa indefinição (mas com expectativa legítima de sucesso no recurso) um fator que condicionou a sua vida em termos profissionais (como se alega na petição).

9) Todos esses fatores, com enfoque na elevada gravidade e persistência dos sofrimentos e perturbações na sua vida ao longo de tantos anos, aliado à frustração pela ineficácia do sistema judicial na defesa dos seus direitos, apesar dos seus vários pedidos, o que se revelou particularmente corrosivo para a Autora, bem como ao maior poder e capacidade financeira do Réu, deverão conduzir à revogação da sentença e à fixação da indemnização no montante peticionado de 75.000,00€.

10) Mesmo no hipotético caso de se manter a factualidade dada como assente na sentença, por não proceder a impugnação daquele despacho (o que não se concede), deve considerar-se que o Tribunal a quo não valorou devidamente todos os aspetos supra enunciados (maxime a simplicidade factual e jurídica das matérias em apreciação em ambos os processos, sem necessidade sequer de realização de diligências de prova; a corretíssima conduta processual da Autora, que até tentou por várias vezes impulsionar os autos; as várias e longas paragens dos processos, nalguns casos de anos; a negligência grosseira por parte do Tribunal, com desrespeito pelas mais elementares regras de diligência na pronta administração da justiça; o objeto do recurso contencioso e execução, relacionados com a vida profissional da Autora, com perspetivas de acesso, no final de curso superior, a uma carreira de prestígio na função pública; a necessária ponderação de todos os aludidos fatores com referência ao momento em que tudo se passou e não vistos com o conhecimento presente; o maior poder e capacidade financeira do responsável Estado), devendo esse Tribunal Superior, no uso de prudente equidade, fixar o valor da indemnização, nesse caso, no montante de pelo menos 30.000.00€.” Igualmente inconformado, o réu Estado Português interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1- A Autora assenta o pedido indemnizatório no facto de não ter podido ser notária pública devido à exclusão na admissão ao curso de auditores dos Registos e Notariado em 1998, na prova de exame psicológico.

2- Na sequência da acção (recurso contencioso de anulação) que interpôs em 15/2/1999, na vigência da LPTA, impugnando o referido acto de exclusão, a própria autora reconheceu, posteriormente, a existência de causa legítima de inexecução, vindo em sede de execução de julgado anulatório a ser-lhe fixada uma indemnização de 75.000 euros, no ano de 2014.

3- Pelo que não se pode estabelecer um juízo de “causalidade probabilística” entre o alegado atraso processual e o desenvolvimento profissional da carreira da Autora.

E muito menos que apenas a celeridade do processo possibilitaria o ingresso da autora na carreira de notária e que as vicissitudes processuais seriam, de modo total, atribuídas ao Tribunal.

4- Sucede que, nos termos do decidido na sentença sob recurso, não foram os invocados atrasos na tramitação dos processos judiciais que inviabilizaram o ingresso da autora na carreira de notária para a qual poderia ter concorrido novamente, logo em 17/11/1999, não o tendo feito.

5- Saliente-se a este propósito que, na pendência do processo, ocorreu em 2004, uma profunda reforma na jurisdição Administrativa.

6- O atraso na decisão dos processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável - garantido pelo art° 20° do CRP e de acordo com o art° 6o n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - pode gerar uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

7- Por outro lado, a violação de um direito fundamental não gera só por...

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