Acórdão nº 660/20.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO I....., nacional de Marrocos, instaurou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna / SEF, impugnando a decisão da Diretora Nacional do SEF de 13/02/2020, que considerou o seu pedido de proteção internacional infundado, pedindo se anule tal decisão e seja a entidade requerida condenada a conceder-lhe (i) asilo ou, caso assim não se entenda, (ii) proteção subsidiária por autorização de residência ou (iii) direito de residência por razões humanitárias.

Citado, o SEF apresentou resposta, pugnando pela improcedência da ação.

Por sentença datada de 04/06/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada dos pedidos.

Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A. No dia 05 de Fevereiro de 2020, o Recorrente, ao chegar ao Aeroporto de Lisboa, vindo de Marrocos, requereu o pedido de asilo junto do Recorrido, o qual lhe foi posteriormente indeferido, pelo que, discordando com o teor da decisão proferida, intentou uma acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Recorrido; B. O Recorrente, ainda que de forma muito genérica e abstracta, fundamentou o seu pedido na falta de condições mínimas de sobrevivência, que, pese embora o estado de origem tenha a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e de tomar medidas para os concretizar, não são oferecidas pelo seu país, nomeadamente o acesso ao mercado de trabalho e aos mais elementares cuidados de saúde, pondo em risco a integridade física e a própria vida do Recorrente e dos seus familiares mais velhos; C. O Recorrido alega que o Recorrente fundamentou o seu pedido, única e exclusivamente, em motivos económicos, o que não corresponde à verdade, na medida em que este não veio para Portugal para, simplesmente, ter acesso a boas condições de vida materiais, até do ponto de vista lucrativo, mas por uma questão de sobrevivência, que implica o acesso a bens de primeira necessidade, que não estão, nem ao seu dispôr, nem da família; D. Ainda assim, o tribunal de primeira instância decidiu, na douta decisão objecto de recurso, julgar improcedente a acção administrativa urgente de impugnação de decisão de recusa de concessão de pedido de protecção internacional, absolvendo o Recorrido dos pedidos de anulação do acto administrativo e de concessão de protecção internacional ou de autorização de residência por razões humanitárias; E. Salvo melhor opinião, não teve o tribunal de primeira instância a capacidade de analisar o assunto em análise tal como este assim o exigia, pois, e ao contrário do que seria expectável, não soube questionar o carácter abstracto e sintético da entrevista realizada ao Recorrente e a subsequente decisão proferida pelo Recorrido, que, na verdade, não transparece o real cenário vivido pelo Recorrente no seu país de origem, limitando-se a apresentar proferir uma Sentença também ela com contornos vagos e superficiais.

F. Sublinhe-se que, não obstante as declarações proferidas pelo Recorrente terem sido sempre proferidas com verdade, a forma de expressar do requerente de asilo nem sempre consegue corresponder à exacta realidade do problema e da situação que, in casu, deu origem à deslocação do país de origem para Portugal, em virtude dos condicionalismos da língua, da fragilidade da pessoa e da situação em que esta se encontra, bem como do carácter automático e mecânico que caracteriza a entrevista realizada do âmbito do procedimento administrativo; G. Ao invés da Sentença objecto de recurso, na verdade, é notório, que se encontram preenchidos os requisitos que permitem concluir que a fundamentação do pedido de asilo do Recorrente, se baseia, em resumo, no fundado receio de não conseguir ultrapassar as sérias dificuldades que se fazem sentir no país de origem, que coloca em risco de vida o Recorrente e a sua família; H. Pelo que, feita uma avaliação do processo de protecção internacional, resulta claro que, o pedido de asilo deveria ter sido concedido, ou, ainda que assim não se entendesse, o pedido de protecção subsidiária, ou, em última análise, a autorização de residência por razões humanitárias, decisão administrativa esta que o tribunal de primeira instância, erradamente e sem fundamento legal, se limitou a ratificar; I. Perante a deficiência analítica do processo administrativo, não poderia o tribunal de primeira instância deixar de decidir pela anulação do acto administrativo, até em linha com o teor do ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR, que refere que “o benefício da dúvida deverá ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos”, o que é o caso.

J. Como se pode ler no Ac. deste TCAS de 24/02 /2011 , Rec. 07226/11, proferido em caso semelhante ao dos presentes autos. «(…) o princípio do "non - refoulement", nos termos do qual é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do indivíduo, incluindo o retomo forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta. O princípio de ”non-refoulement" significa que ninguém será expulso ou reenviado para um país onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas e aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado país, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.” K. Pelo que se vislumbra a razão humanitária fundada para o não regresso, razão porque se afigura ter sido demonstrada a necessidade de protecção internacional ou a concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão Recorrente no presente processo.

L. O Recorrente, a par da sua família, é vítima de um tratamento desumano e degradante no seu país de origem, na medida em que não lhe é garantido qualquer acesso aos mais elementares cuidados de saúde e ao mercado de trabalho, constituindo uma nítida ofensa grave aos direitos humanos, facto que muito dificilmente consegue ser objecto de prova, pelas condições em que os requerentes de asilo se apresentam aquando do pedido de protecção internacional, não constituindo o Recorrente uma excepção, e que não foi sequer considerado pelo Tribunal de primeira instância.

M. Como refere Andreia Sofia de Oliveira, “para se aferir do preenchimento do conceito de perseguição para efeitos de atribuição do direito de asilo, haverá que fazer-se uma abordagem “holística”, ou seja, há que olhar a situação como um todo, admitindo-se que as motivações económicas, relacionadas com a pobreza ou a falta de oportunidades, também concorram para a motivação do requerente, o que não afastará a existência de actos de perseguição se existirem motivações fortes do ponto de vista da ofensa grave, intencional e discriminatória aos direitos fundamentais do requerente que justificam a necessidade de protecção internacional” (cf. da Autora, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção...

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