Acórdão nº 94/20.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A Federação Portuguesa de Futebol, vem interpor recurso da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo n.º 21/2020, que anulou as decisões disciplinares proferidas, em formação restrita, em 3 de Março de 2020, mantidas pela deliberação do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em sede de recurso hierárquico impróprio interposto pela F... – Futebol, SAD, que sancionaram a ora Recorrida em multas no valor total de € 24.609,00 (vinte quatro mil seiscentos e nove euros), por violação do disposto nos artigos 127.°, n.° 1, 182.°, n.° 2 e 187.°, n.° 1, a) e b) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, por factos ocorridos no jogo n.° 12002 da Liga NOS, entre a ora Recorrida e a S... - Futebol SAD, realizado no dia 8 de Fevereiro de 2020, no Estádio do D..., e por violação do disposto nos artigos 182.°, n.° 2 e 187.°, n.° 1, a) e b) do RD, no jogo n.° 12108 da Liga NOS, entre a V... - Futebol SAD e a Recorrida, realizado no dia 16 de Fevereiro de 2020, no Estádio D....

A Recorrente, no recurso que dirigiu a este TACS, apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do DesP..., notificado em 25 de setembro de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.

9 21/2020.

  1. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitrai em declarar nula a deliberação do Conselho de Disciplina que, sob a forma de Acórdão, condenou em multa a ora Recorrida pela prática de infração p.p. pelos artigos 127.

    9, n.

    9 1,182.

    9, n.

    9 2 e 187.

    9, n.

    9s 1, ais. a) e b) do RD da LPFP, porquanto decidiu que o artigo 214.

    5 do Regulamento Disciplinar da LPFP é materialmente inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.nº 10 da CRP.

  2. Em tudo o mais, andou bem o Tribunal a quo ao considerar improcedentes as alegadas alteração substancial de factos e insuficiência fáctica e probatória para efeito de responsabilização disciplinar da Recorrida, o que, naturalmente, não constará do objeto do presente recurso.

  3. A decisão arbitral de que ora se recorre, na parte decisória a que acima aludimos, é passível de censura porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passa a demonstrar Vejamos 5. O Colégio Arbitral entendeu que o artigo 214.

    º do RD da LPFP é materialmente inconstitucional e, em consequência, não podendo ter aplicação, o ato punitivo sub judice, praticado no procedimento administrativo de primeiro grau é nulo, o mesmo valendo para a deliberação que o manteve, ou seja, para o ato colegial praticado no procedimento administrativo de segundo grau.

  4. Porém, como veremos, o TAD andou mal ao declarar a nulidade da deliberação impugnada, ignorando por completo todo o complexo normativo aplicável ao caso, designadamente o específico do ramo do Desporto, pelo que se impõe a confirmação da legalidade da decisão impugnada.

  5. Atualmente, e no seguimento de um percurso histórico-legislativo, o quadro normativo que temos, constante do artigo 53.

    9 do RJFD, é o seguinte: apenas é exigível processo disciplinar para as infrações mais graves; estabelecimento da necessidade de audiência do arguido apenas nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar; garantia de recurso quer tenha ou não existido processo disciplinar.

  6. Tal pressupõe, o contrario, que: nas infrações menos graves não há necessidade de existir processo disciplinar, podendo as mesmas ser sancionadas sem atender a essa formalidade; não existindo processo disciplinar, não existe necessidade de audiência do arguido; tal é perfeitamente admissível e pretendido pelo legislador, tanto que existe garantia de recurso das sanções aplicadas quer tenha ou não existido processo disciplinar.

  7. Vejamos, agora, como foi efetuada a transposição dos princípios constantes do mencionado artigo 53.º do RJFD para o RD da LPFP.

  8. Desde logo, a celeridade do procedimento é uma preocupação facilmente constatável ao longo do RD da LPFP, bastando olhar para os prazos reduzidos que são estabelecidos em todas as fases.

  9. Para o que ora nos interessa, tem lugar a aplicação do processo sumário quando estiver em causa o exercício da ação disciplinar relativamente a infrações disciplinares menos graves ou, em qualquer caso, infrações disciplinares puníveis com sanção de suspensão por período de tempo igual ou inferior à de suspensão por um mês ou por quatro jogos (artigo 257.

    9 do RD da LPFP).

  10. Nos termos do artigo 258.

    º, n.

    9 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito.

  11. O Processo Sumário é configurado, também neste Regulamento Disciplinar, como um procedimento especial, propositadamente célere - Atente-se, ao disposto no artigo 259.

    9 do RD da LPFP.

  12. Nesse sentido, para garantir a necessária celeridade deste tipo de processos, determina o artigo 249.º do RD da LPFF que "Salvo o disposto no presente Regulamento quanto ao processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido através da instauração do correspondente procedimento disciplinar.".

  13. Ora, no âmbito do processo sumário (artigo 259.

    º, número 1 do RD da LPFP) não se encontra consagrado o direito de audiência prévia ao arguido. E tal ocorre por existir flagrante delito, que para estes efeitos se traduz na perceção direta e clara de que aquele agente cometeu uma infração (artigo 258.º, número 2), ou baseado no relatório dos árbitros, da polícia ou do delegado, cujos factos deles constantes foram diretamente visionados pelos respetivos signatários.

  14. De facto, a celeridade que se exige na tramitação de determinadas infrações disciplinares, que sublinhe-se correspondem a infrações leves ou cuja sanção não ultrapassa determinados limites, não se compadece com um procedimento disciplinar que consagre as garantias de defesa do arguido em toda a sua amplitude (como se, na verdade, de um procedimento criminal se tratasse).

  15. É pois exigível, no especifico mundo das competições desportivas, um tipo de obtenção de decisão sancionatória que seja célere, de forma a acompanhar a dinâmica das competições e provas, que muitas vezes levam a que o jogo ou jogos seguintes, se venham a disputar no espaço de 48 ou 72 horas. Na verdade, não raras vezes, existem jornadas ao fim de semana e ao meio da semana.

  16. Tal implica que o Conselho de Disciplina - composto por pessoas e não por máquinas - analise vários relatórios elaborados após cada jogo - de arbitragem, dos delegados, de policiamento disciplinar - que nem sequer ficam disponíveis logo após o jogo respetivo, verifique e enquadre juridicamente as eventuais incidências disciplinares, elabore o ato final e o publicite, em tempo útil, ou seja, antes da próxima jornada.

  17. Como se depreende do acima exposto, aquilo que se pretende (e exige) é que a aplicação de sanções seja efetiva, isto é, que se projete da forma mais breve possível na competição ou prova que se desenrola, sob pena de se perderem os seus efeitos úteis.

  18. Dessa forma - e só dessa forma - a defesa dos valores desportivos e as finalidades da sanção - prevenção especial e geral - se vêm alcançadas.

  19. A preterição do direito de audiência prévia do arguido encontra fundamento nas especificidades do direito do desporto e, mais concretamente, na imposição de um normal desenrolar das competições desportivas, de forma a garantir a preservação da verdade desportiva e o equilíbrio da competição, através da aplicação de sanções em tempo célere e com efeito útil, para que as mesmas sejam cumpridas imediatamente ou nos jogos que se seguem.

  20. As federações desportivas, embora sejam entidades de direito privado, participam na organização e gestão do serviço público desportivo, através da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva.

  21. A finalidade da atribuição desse estatuto às federações desportivas e, em particular, à ora Recorrente, é a de proporcionar meios e formas de atuação que revistam de interesse e utilidade para a comunidade em geral no âmbito do desporto.

  22. Para isso são-lhe atribuídas um conjunto de prerrogativas de autoridade para o cabal exercício das suas legais competências, isto é, é investida dos poderes públicos, designadamente, de regulamentação e disciplina.

  23. Através da concessão de poderes públicos, o Estado realiza as atribuições que lhe estão cometidas na Lei Fundamental: as federações exercem poderes de autoridade sobre as entidades integradas na sua organização e submetidas à sua ação reguladora.

  24. O exercício do poder disciplinar, enquanto exercício de um poder público, no cumprimento de uma missão de serviço público, manifesta-se no sancionamento de uma multiplicidade de regras desportivas, de entre as quais, a violação das regras do jogo e as relativas à ética desportiva e ao combate à violência no desporto. (cfr. artigo 52.2 rjfd).

  25. O exercício do poder disciplinar é, pois, não temos qualquer dúvida, um meio instrumental necessário da organização e gestão do desporto e uma forma de garantir o direito ao desporto constitucionalmente garantido.

  26. Caso se garantisse o contraditório no âmbito dos processos sumários a própria continuidade das competições desportivas seria colocada em risco e, em última instância, a Recorrente não conseguiria promover e desenvolver a modalidade desportiva, dever no qual foi, como infra melhor se explanará, constitucionalmente incumbida, levando inclusivamente a que as federações se vissem impossibilitadas de...

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