Acórdão nº 3678/17.2T8VCT-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Pende, no Tribunal de Família de Viana do Castelo, acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, na qual o autor J. C.

pediu que o réu E. S.

seja reconhecido como seu pai, com fundamento na procriação biológica resultante de relação sexual deste com sua mãe.

Apesar de citado por carta registada com aviso de recepção por si assinado, o réu não contestou.

No subsequente despacho saneador proferido em 18-01-2018 foi determinada – oficiosamente – a realização de exame pericial com vista a determinar a paternidade biológica, através do INML.

Apesar de por três vezes notificado, uma delas pela GNR, o réu não compareceu à realização da colheita de amostras para realização da perícia, em duas tendo justificado a sua falta com atestado médico junto aos autos através de requerimentos subscritos pelo advogado que neles estava associado e que se intitulou e actuou como seu mandatário, inclusive recebendo as notificações.

O réu faleceu, entretanto, em 09-11-2018, com 89 anos de idade.

Nesse dia, o autor apresentou requerimento do teor seguinte: “1- O Autor tomou conhecimento que o Réu faleceu no dia de hoje, -/11/2018, no Hospital de Viana do Castelo.

2- A participação do funeral encontra-se na pagina de Facebook da Funerária J. D., http://www.funeraria....com 3- O corpo do Réu já foi libertado pelo Hospital e entregue à Funerária J. D..

4- O Funeral realiza-se amanha, dia 10/11/2018, pelas 10,30 horas, na Igreja Paroquial de ... freguesia deste Concelho).

5- Face à morte do Réu, solicita-se, que seja ordenado com a máxima URGENCIA o seguinte: a. O cancelamento de todas as cerimónias fúnebres, b. Que se ordene a condução do corpo de E. S. ao Instituto de Medicina Legal do Porto, a fim de se poder realizar a recolha de ADN ao cadáver deste.

  1. Após a realização do exame forense, que se proceda à entrega do corpo à sua Família.

6- O corpo de E. S. encontra-se depositado nas instalações da Funerária J. D., sita, sita à Rua …, Viana do Castelo, telefone …….

7- A Realização das diligências supra requeridas , são o único meio disponível ao Autor, para se poder concluir a investigação da paternidade, objecto do presente processo.

Pede deferimento”.

Ainda no mesmo dia 09-11-2018, quanto a ele, foi proferido despacho judicial com este teor: “A fls. 66 vem o autor informar que o réu faleceu no dia de hoje e que o seu funeral se realizará amanhã, pelas 10h30m, na Igreja Paroquial de ..., pelo que requer que seja ordenado, com urgência, o cancelamento das cerimónias fúnebres e a condução do corpo do falecido E. S. ao GML onde deverá ser efectuada a recolha de ADN ao cadáver.

Na presente acção de investigação de paternidade, intentada pelo autor contra o réu foi ordenada a realização de exame pericial tendo em vista apurar a paternidade biológica do autor, o qual já foi solicitado do IML.

Para a concretização do mesmo, afigura-se essencial a recolha de amostras biológicas (ADN) do falecido E. S.. A ser realizado amanhã o seu funeral, essa prova apenas será possível através de uma futura exumação de cadáver, com todos os inconvenientes que daí decorrem.

Assim, torna-se patente que a recolha de amostras de ADN deve ocorrer o mais breve possível, antes da realização do funeral e sem que se cancelem as cerimónias fúnebres.

Nestes termos e dadas as circunstâncias, determino que: - se solicite a colaboração da PJ de Braga (Laboratório de Polícia Científica) para, com a descrição que a situação requer, proceder à recolha, no local onde se encontra o falecido (até amanhã, pelas 8h estará na Funerária J. D. em ... e, a partir das 8h30m na Igreja Paroquial de ...), das referidas amostras biológicas/ADN através de zaragatoa bocal (4 ou 5); - que as referidas amostras sejam preservadas com o respeito das regras e remetidas ao GML do Porto, onde será realizado a perícia médico-legal.” Em 21-11-2018, foi junto aos autos o relatório, datado de 12-11-2018, elaborado pela Polícia Judiciária de Braga respeitante à execução de tal decisão e do envio ao INML da zaragatoa bucal recolhida com a amostra de ADN.

Em 01-02-2019, foi junto o relatório com o resultado do exame pericial efectuado pelo INML-Porto com base em tal amostra e que exprimiu como sendo de 99,9999999996 a probabilidade de o autor ser filho do réu.

Por despacho de 26-02-2019, foi declarada suspensa a instância, com fundamento no óbito do réu, até ser julgada a habilitação.

Esta foi requerida pelo autor e apensada em 01-04-2019. Nesse incidente, por sentença de 23-01-2020, uma vez conseguida a última das citações de uma das requeridas apenas em 30-10-2019 após variadas diligências para o efeito, foram declaradas habilitadas M. G., M. I. e M. S..

Foi declarada levantada a referida suspensão da instância por despacho de 03-03-2020, em razão de terem sido julgados habilitadas as suas sucessoras.

Na habilitação e na causa principal as sucessoras do réu constituíram mandatário forense e, num e noutro processo, receberam notificações e apresentaram requerimentos em 4 e 31 de Março, 3 de Abril, 11, 25 e 27 de Maio, 4, 18 e 24 de Junho, 12 e 31 de Agosto, 1 e 4 de Setembro, todas do ano de 2020, designadamente em requerimento de 01 de Setembro referiu a habilitada M. I., a propósito de indicar testemunhas, que “tendo tomado conhecimento de que o objecto do presente litígio…”.

Na sessão da audiência de julgamento realizada em 07-09-2020, a ré habilitada, M. I., apresentou requerimento, no qual arguiu “a nulidade da prova científica efectuada pelo departamento de investigação criminal de Braga da Polícia Judiciária” com fundamento em que “o relatório em título que teve por objecto a recolha e exame de amostras biológicas efectuado ao cadáver de E. S., que foi efectuado muito tempo antes de a requerente ser declarada habilitada […] não podia ter sido produzido sem a presença e audição da requerente, que tinha o direito de se pronunciar sobre a admissibilidade e objecto da mesma”. Tal omissão “é susceptível de influir no exame e decisão da causa, consubstanciando por isso uma nulidade” que está em tempo de invocar “uma vez que é na audiência de julgamento que o tribunal aprecia as provas”.

Sobre tal requerimento, pronunciou-se o autor, nos seguintes termos: “1. O Autor deu entrada do presente processo em 06.11.2017, com a finalidade de obtenção de informação necessária à identificação do seu progenitor biológico.

  1. A filiação biológica pode ser demonstrada por três vias distintas: a. através dos exames de sangue; b. presunções legais de paternidade (provas testemunhais) ou c. através do recurso a alguma das presunções naturais ou judiciais alicerçadas em regras de experiência, "incumbindo ao autor demonstrar que houve relações de sexo entre a mãe e o pretenso pai durante o período legal da concepção e que tais relações foram exclusivas".

  2. As possibilidades de demonstração da filiação biológica identificadas no ponto anterior, são, não cumulativas.

  3. Por despacho de 18.01.2018, foi determinada a realização de exame pericial de sangue, tendo em vista apurar a paternidade biológica do Autor.

  4. O falecido E. S. foi notificado para a realização do referido exame.

  5. O falecido E. S. encontrava-se mandatado no processo por Advogado, Dr. P. V. ( cuja identificação se encontra associada no sistema Citius).

  6. O falecido E. S. não compareceu várias vezes á realização do exame, tendo, através do seu mandatário, feito vários requerimentos ao processo a justificar a sua não comparência.

  7. Jamais o falecido declarou ou manifestou a sua oposição à realização do exame de sangue.

  8. Unicamente, não compareceu nas datas agendadas e justificou a sua ausência.

  9. Inclusivamente, foi entregue um atestado médico nos presentes autos, subscrito por um médico dentista, sendo este, marido da habilitada M. I..

  10. A realização de exames biológicos ao cadáver permite "provar" a filiação biológica 12. A Jurisprudência existente é unânime em revelar que :"A prudência e o bom senso assim o recomendam, uma vez que sobre esta matéria factual não restam dúvidas de que a prova pericial ao ADN representa o meio direto mais fiável para a descoberta da verdade.". “ a sua morte marcou o termo da sua personalidade jurídica e o fim da sua pessoa, enquanto sujeito de direitos “ 13. A diligência realizada ao cadáver, não carecia nunca, do consentimento da habilitada M. I..

  11. Acrescenta a Jurisprudência que “no confronto entre os direitos em conflito, deve ser sacrificado o direito ao respeito que é devido ao cadáver da pessoa humana, em benefício do direito prevalecente à identidade pessoal do investigante".

  12. Não existe qualquer omissão da formalidade invocada pela habilitada Termos em que, Deve improceder o teor do requerimento oferecido pela habilitada M. I., seguindo-se os ulteriores termos até final.” Foi, de seguida, com data de...

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