Acórdão nº 335/17.3T8CHV-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelANIZABEL PEREIRA
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: *I- Relatório: Na ação executiva comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no Juízo de Execução de Chaves – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, em que é exequente J. C. e executados C. E. e outros, procedeu-se à venda dos imóveis penhorados nos autos sob as verbas nº 2, 3 e 4.

- A venda, por proposta em carta fechada, teve lugar no dia 22.01.2020 e foram adjudicadas as verbas nº2, 3 e 4 ao proponente A. R., pelo valor proposto de 107.500€, o qual apresentou um cheque visado no valor de 5.750€.

- Notificado para proceder ao depósito do resto do preço, o proponente não conseguiu fazer o pagamento com a referência enviada, pois por questões técnicas e informáticas a mesma só permite o pagamento único até 99.999,00 euros, e o pagamento era superior e não permitiu qualquer pagamento.

- A AE teve de criar nova referencia com o nº 000969613, a 28/01/2020, para que permitisse ao proponente fazer o pagamento dividindo-o e o proponente fez o pagamento, a 31/01/2020 que foi quando a referência ficou disponível, mas apenas para a primeira tranche do pagamento, tendo avisado a AE disso mesmo, não fez no mesmo dia os dois pagamentos porque a referência criada não o permitiu, e teve de aguardar ficar novamente disponível e a segunda tranche entrou com data de 4/02/2020.

- No dia 31.01.2020, M. O., alegando ser unida de facto com o executado C. A. há mais de 18 anos, veio exercer o direito de remição na venda dos bens imóveis penhorados nos presentes autos e objeto de venda como verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas junto sob ref.ª34108292, juntando os documentos.

- Apesar de a AE não ter criado referência de multibanco para pagamento do valor de 107.500,00 euros, referente ao pedido de remição de M. O., por entender estar a aguardar despacho judicial do pedido, foi esse valor depositado na conta pessoal e privada da agente de execução em 07-02-2020, a qual posteriormente transferiu para a conta de execução em 10.02.2020.

- Notificadas as partes do pedido de remição, o exequente opôs-se singelamente a tal pedido, por requerimento junto aos autos, em 13.02.2020 e o executado deu a sua anuência a tal pedido.

- Em 09.06.2020, a AE informou que após despacho a autorizar a remição, por notificação solicitou, nos termos do artº 843º, nº 2 do CPC, o pagamento dos 5% do valor da indemnização do valor da venda, pago pelo proponente, e não do valor base.

- Em 07-05-2020 foi proferido despacho nos seguintes termos: “ A Remidora M. O., Unida de Facto ao Executado, veio exercer o direito de remissão na venda dos bens imóveis penhorados nos presentes autos e objeto de venda como verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas junto sob ref.ª34108292.

Como resulta da comunicação junta pela AE e respetivos documentos, tal pretensão foi exercida tempestivamente.

A Remidora remeteu à AE as certidões dos registos de nascimento dos membros da união de facto, bem como cópia do cheque, cópia do depósito e comprovativo da transferência respeitante ao depósito do preço da remissão.

Vejamos se é de deferir tal pretensão: O art. 842.º, que prevê o Direito de Remição, estipula que “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.” Ora, por via da figura jurídica de Remição, a lei do processo prevê a possibilidade de o cônjuge do executado ou qualquer dos parentes em linha reta haverem para si o património adjudicado ou alienado na venda executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido por terceiros, pelo exequente ou pelos credores reclamantes, preterindo a proposta de compra por estes apresentada.

A finalidade declarada desta opção legislativa radica numa ideia de proteção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo, ou seja, a família prefere aos estranhos.

Na verdade, este direito não implica um qualquer prejuízo do interesse dos terceiros credores pois a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha.

Com efeito, o que interessa aos credores é o preço por que os bens são vendidos sendo certo que os remidores hão-de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor.

Por outro lado, as normas contidas no regime constante dos artigos 1690.º e seguintes do Código Civil assumem-se como normas especiais em relação ao regime geral do Direito das Obrigações pelo que é possível recorrer à interpretação analógica ao unido de facto das normas constantes dos artigos 842.º e seguintes do C. P. C.

Em face dos normativos supra mencionados, verificando-se os pressupostos plasmados nos arts.842.º e 843.º ambos do CPC, defere-se o requerido devendo os bens adquiridos pelo proponente (bens melhor identificados nas verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas lavrado em 22/01/2020, junto sob ref.ª34108292), serem objeto do direito de remissão pela Requerente, Unida de Facto ao Executado.

Diligencie a AE, com a brevidade possível, em conformidade com o decidido.

Notifique.

” *Inconformado com aquele despacho, veio o proponente dela interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1. Dispõe o artigo 842º do C.P.C. que ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou venda.

  1. Por sua vez, entendeu o Tribunal a quo que, radicando a finalidade declarada desta opção legislativa numa ideia de protecção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo e, por outro lado, assumindo-se as normas contidas no regime constante dos artigos 1690º e seguintes do Código Civil como normas especiais em relação ao regime geral das obrigações, é possível recorrer à interpretação analógica ao unido de facto das normas constantes dos artigos 842º e seguintes do C.P.C.

  2. Salvo o devido respeito que se impõe, ao reconhecer o direito de remição à Unida de Facto ao Executado, a decisão a quo incorreu em duplo erro: fez errada interpretação do artigo 842º do C.P.C. e recorreu erradamente à aplicação analógica do regime das dívidas dos cônjuges constante dos artigos 1690º e seguintes do C.C.

  3. Com efeito, na tomada de tal decisão a Meritíssima Juiz não teve em conta o plasmado no artigo 9º, nº 1 do C.C. (que visa, precisamente, afastar os excessos interpretativos): se é certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, também é certo que, nos termos do nº 2, não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

  4. Entendemos nós que o direito de remição – direito de preferência qualificado – compete apenas e só às pessoas enunciadas no preceito em causa como, aliás, no mesmo sentido vai o entendimento do Dr. V. R. que, apesar de não se pronunciar sobre o tema, atribui carácter taxativo ao artigo 842.º (in A acção Executiva Anotada e Comentada, página 527, 2.º Edição); o que, pelo menos de forma indirecta, afasta o exercício do direito de remição pelo unido de facto.

  5. E, com todo o respeito, não se nos afigura que o regime do casamento possa ser equiparado, no nosso sistema jurídico, ao regime da união de facto, nem se vislumbra qualquer indício de que tenha sido, aliás, esse o propósito do legislador ao regular e adoptar medidas de protecção das uniões de facto, consubstanciadas na Lei 7/2001, de 11 de Maio.

  6. Outrossim, não temos nele qualquer norma, ou sequer encontramos no seu espírito (mens legis), qualquer indício de que o legislador pretendesse alargar à protecção da união de facto – além do direito à casa de morada de família e, mesmo aí, em termos limitados e bem diferentes dos do regime do casamento – a protecção dada pelo nosso sistema jurídico à família stricto sensu; 8. Menos ainda se poderá perspectivar na letra e no espírito da norma que concede...

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