Acórdão nº 00232/13.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: C.

(Ladeira (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa especial intentada contra a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública (Ministério da Administração Interna), julgada improcedente.

O recorrente formula sob conclusões: 1. Não é controvertida aplicação aos autos da Lei n.º 5/2006 de 23/02, com as alterações sucessivamente introduzidas, doravante abreviadamente RJAM.

  1. A douta sentença está ferida de nulidade, porquanto os fundamentos que lhe subjazem conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ie, a uma sentença condenatória da entidade recorrida; 3. A fundamentação de direito ali enunciada evidencia um errado enquadramento jurídico dos factos e, como tal, faz incorrer a decisão recorrida em nulidade, por via da respetiva contradição com tais fundamentos; 4. Tendo em conta o facto n.º 17 dado como provado na sentença recorrida, a arma em apreço e que inicialmente foi classificada pela entidade recorrida na classe A, foi reclassificada na classe C (com exceção do tapa-chamas).

  2. Ou seja, a entidade recorrida logrou admitir, tal como sempre reivindicara o ora recorrente ainda em sede pré-contenciosa, que a arma em apreço NÃO PODE SER considerada “equipamento, meio militar e material de guerra ou classificada como tal por portaria do Ministério da Defesa Nacional” (Cfr. art.º 3.º, n.º 2 al. a) do RJAM). E, como tal, NÃO É um produto relacionado com a defesa.

  3. Logo, e ao invés do que conclui a douta sentença recorrida, a arma em apreço NÃO PODE NUNCA cair no âmbito de aplicação da Lei n.º 37/2011 de 22/06 (doravante abreviadamente LMC), a qual que simplifica os procedimentos aplicáveis à transmissão e circulação de produtos relacionados com a defesa; 7. A carabina em questão, tendo sido fabricada para fins venatórios, nem sequer é confundível com nenhum bem, nem tecnologia ou serviços militares, na sua forma tangível e intangível, os quais se integram no âmbito de aplicação da referida LMC.

  4. É, pois, incontroverso que só caindo no âmbito de aplicação da LMC os produtos relacionados com a defesa (ie, material de guerra ou destinado a fins militares), a arma em apreço, por ser de classe C, está, por natureza, totalmente excluída da respetiva aplicação.

  5. Mas mesmo que admitíssemos, ainda que por mero exercício de raciocínio, que as armas de classe C fossem subsumíveis na LMC, sempre seríamos levados a concluir que a específica carabina em questão está excluída do seu âmbito.

  6. E tal resulta óbvio e inequívoco, desde logo, porque o ponto ML1 se refere expressamente a “armas de canos de alma lisa automáticas”, enquanto que a arma sob litígio aparece definida no RJAM como “arma de fogo longa semiautomática (…) de cano de alma estriada” (Cfr. de novo art.º 3.º, n.º 5, al. a) do RJAM).

  7. Ou seja, para que a arma em causa fosse subsumível em qualquer dos pontos a) b) ou c) do ML.1, imprescindível seria, antes de tudo, que se tratasse de armamento militar ou fabricado para esse fim e, depois, que configurasse uma arma automática de canos de alma lisa, o que não é, de todo, o caso da arma em questão.

  8. Por seu turno, e referindo-nos também ao tapa-chamas (o qual, diga-se en passant, é elemento integrante da arma em apreço!) tal acessório não sói subsumir-se na citada al. d) do n.º 2 do ponto ML.1, tal como pretende a douta sentença recorrida, porquanto este ponto apenas inclui os “acessórios e componentes especialmente concebidos para as armas automáticas referidas nos pontos ML1.a, ML.1b ou ML1.c.” 13. Aqui chegados, inevitável se torna concluir que há, efetivamente, uma contradição inequívoca entre os fundamentos e a decisão recorrida, porquanto o invocado enquadramento legal da arma sob litígio, na classe C, logra exclui-la (bem como ao tapa-chamas que dela faz parte integrante) do âmbito de aplicação da LMC e, consequentemente, sempre implicaria a condenação da entidade recorrida a anular o ato impugnado, na parte atinente ao tapa chamas.

  9. Razão pela qual a sentença recorrida é, salvo o devido respeito, nula à luz do disposto no art.º 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi art.º 140.º do CPTA.

  10. Mal andou, ademais, a sentença recorrida ao corroborar a subsunção do tapa-chamas no âmbito de aplicação da LMC, porquanto sendo impossível enquadrar a arma sob litígio numa das categorias compreendidas nos pontos ML1a., ML1b. ou ML1.c (desde logo, porque é da classe C, e portanto não relacionada com a defesa), também o respetivo tapa-chamas se mostra forçosamente excluído desse âmbito de aplicação.

  11. Com efeito, e relembrando a al. d) do ponto 2 do ML1., esta refere-se expressamente, entre outros, aos “tapa-chamas destinados às armas referidas nos pontos ML.a, ML1.b ou ML1.c.

    ”, nos quais a carabina em questão não se subsume.

  12. Estranha se afiguraria, para dizer o mínimo, a intenção do legislador que pretendesse considerar mais perigoso um acessório do que a própria arma, no seu todo, e da qual tal componente é apenas um elemento integrante!...

  13. Parece-nos, salvo melhor opinião, que ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 3.º do RJAM os “acessórios da classe A” se referem tão-somente e especificamente, aos equipamentos, meios militares e material de guerra e não a todas as armas no geral.

  14. Verifica-se, desta feita, uma contradição na sentença recorrida, ao dar como provado o enquadramento da arma na classe C, e como tal excluída do âmbito de aplicação da LMC, ao mesmo tempo que considera o tapa-chamas como acessório proibido, enquadrável na classe A e, como tal, subsumível na LMC.

  15. Razão pela qual, a sentença recorrida é, outrossim e salvo o devido respeito, nula à luz do disposto no art.º 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi art.º 140.º do CPTA.

  16. É a própria entidade recorrida quem admite ter errado aquando da revogação da primitiva classificação da arma sob litígio na classe A, tendo-a submetido a novo exame pericial e procedido à respetiva reclassificação na classe C; 22. Ou seja, foi a própria entidade recorrida quem logrou revogar o primitivo ato final de indeferimento de 09/10/12 (Cfr. facto n.º 13 do rol de factos dados como provados), acabando por reclassificar a arma na classe C, exceção feita ao tapa-chamas que manteve enquadrado na classe A (Cfr. facto n.º 17 do rol de factos dados como provados).

  17. Concluiu, pertinentemente, a meritíssima juiz a quo, a fls. 20, que “No caso concreto, e atenta a factualidade provada, é certo que ao A. não foi concedida a oportunidade para exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à projetada classificação (desfavorável) do tapa-chamas, o que levaria à conclusão de que o ato impugnado violou o disposto no art.º 121.º do CPA, sendo anulável nos termos gerais.

    ” 24. Não obstante, mal andou o tribunal recorrido ao socorrer-se do art.º 163.º, n.º 5, al. a) do novo CPA para obviar ao efeito anulatório do citado art.º 121.º.

  18. Até porque a arma esteve sempre na posse e à disposição da entidade recorrida, ou seja, as respetivas características não se alteraram ao longo dos seis anos que já leva este processo – desde 2012 (ano do primitivo ato impugnado) e até à data presente!… 26. Ou seja, se é certo que a entidade recorrida exerce uma atividade estritamente vinculada ao abrigo do RJAM, não é mesmo certo que, mesmo dentro dessa estrita legalidade, o concreto enquadramento jurídico-legal das armas examinadas sempre implica uma indiscutível margem de discricionariedade.

  19. E tanto assim é que foi a própria entidade recorrida quem começou por, discricionariamente, enquadrar a arma em causa na classe A (cfr. facto n.º 13 dado como provado na douta sentença recorrida de fls. 8) para, mais tarde, e unilateralmente, acabar por a reclassificar na classe C (Cfr. facto n.º 17, dado como provado na douta sentença recorrida de fls. 9), desta feita, sem ouvir o ora recorrente quanto ao tapa-chamas.

  20. Ora tendo em conta que conteúdo do ato recorrido foi efetivamente diverso em 09/10/2012 e que a apreciação do caso concreto logrou permitir à entidade recorrida reclassificar a arma em causa na classe C, em 11/05/2017, então, forçoso será concluir que o princípio do aproveitamento dos atos administrativos sempre terá que ceder perante o direito de audiência prévia do ora recorrente, aliás constitucionalmente consagrado! 29. Termos em que, e salvo o devido respeito, hão-de V. Exªs concluir que o tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que condene a entidade recorrida a anular o “ato reclassificador” (Cfr. de novo facto n.º 17, dado como provado na douta sentença recorrida de fls. 9), na parte atinente ao tapa-chamas, por violação dos invocados art.ºs 121.º, n.ºs 1 e 2 do CPA.

  21. Veio, ademais, a entidade recorrida, a 30/04/2018, requerer o pagamento de custas de parte, alegadamente, da responsabilidade do aqui recorrente. Não lhe assiste qualquer direito, porém.

  22. Desde logo, porquanto não cabe à entidade recorrida reclamar honorários ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 26.º do RCP, uma vez que, tal como resulta do n.º 5 do citado art.º 26.º do RCP, não há lugar ao pagamento daquele valor quando não tenha sido constituído mandatário.

  23. Ora compulsados os autos, constata-se que a entidade recorrida está representada por jurista designado por despacho proferido pelo seu Diretor Nacional a 09/05/2017, ao abrigo do disposto no art.º 11.º do CPTA (Cfr. PA de fls.).

  24. Razão pela qual não pode vir tal entidade reclamar honorários, dado que a designação de jurista não equivale à constituição de mandatário.

  25. Acresce que a referida nota discriminativa e justificativa de custas de parte não se mostra sequer consolidada, porquanto foi remetida ao arrepio do quinquídio previsto no art.º 25.º, n.º 1 do RCP, ie, antes do trânsito em julgado dos presentes autos.

  26. Termos em que, não poderá tal nota...

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