Acórdão nº 02212/19.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A……….

, nacional da Guiné-Bissau, interpôs no TAC de Lisboa, nos termos do art. 37º nºs 4 e 5 da Lei 27/2008, de 30/6, ação impugnatória do despacho de 25/10/2019 da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”), que, nos termos do art. 19º-A, nº 1 a) da citada Lei, considerou inadmissível o pedido de proteção internacional efetuado a Portugal e, ao abrigo do art. 37º nº 2 da mesma Lei, determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua retoma a cargo no processo Dublin 2407.19PT.

  1. O TAC de Lisboa, por se ter julgado territorialmente incompetente (cfr. fls. 102 e segs. SITAF), remeteu os autos para o TAF do Porto, o qual, por sentença datada de 10/2/2020 (cfr. fls. 118 e segs. SITAF), julgou a ação improcedente.

  2. O Autor, inconformado com esta decisão, interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), o qual, por acórdão de 3/7/2020 (cfr. fls. 178 e segs. SITAF), concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e, em substituição, julgou a ação procedente, anulou o despacho impugnado, e condenou a entidade demandada «a reinstruir o procedimento de asilo, aferindo acerca das condições de acolhimento dos requerentes de proteção em Itália, devendo, ainda, depois, ponderar a aplicação, ao caso, da previsão do art. 3º, nº 2, do Reg. (UE) 604/13, de 26-06».

  3. O SEF, inconformado, agora, com este Acórdão proferido pelo TCAN, veio interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 192 e segs. SITAF), retificadas posteriormente (cfr. fls. 226 SITAF): «1ª – Resulta evidente que o tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de retoma a cargo, ao qual a Itália está vinculada.

    1. - Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente recurso de revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos verditos a quo, 3ª – É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas.

    2. – Está in casu, em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça.

    3. – Como outrossim e diretamente o princípio da legalidade.

    4. – De harmonia com o ar.º 18º nº 1 al. d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 junho, e o artº 37º, nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da lei nº 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 27/07/2018, um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no nº 2 do art.º 25º do Regulamento Dublin.

    5. – Consequentemente e vinculadamente, por despacho do diretor nacional do ora recorrente proferido aos 23/08/2018, nos termos dos arts. 19º A, nº 1 a) e 37º nº 2 da citada Lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do citado Regulamento, motivo pelo qual o Estado Português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos do art.º 29º e 30º do regulamento Dublin.

    6. – O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália (cfr. art.º 13º, nº 2 do citado Regulamento (EU) 604/2013 e art.º 37º, nº 1 da lei nº 27/2008 (Lei de Asilo), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência.

    7. – “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (…) é a própria Lei 27/2008, de 30 de junho, que no seu artigo 37º, nº 2, lhe impunha a atuação levada a efeito” (cf. Acórdão do TCA Sul de 19/01/2012, proc. nº 08319/11).

      10º - A alegação do requerente, desacompanhada da apresentação de um mínimo de elementos objetivos, é insuficiente para considerar demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, ou que, dadas as particulares condições do A. a transferência implica um risco sério e verosímil de exposição do A., a um tratamento contrário ao artigo 4º da CDFUE.

    8. – Nos presentes autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo Italiano, único óbice parta que Portugal não proferisse a decisão o de transferência ora impugnada.

    9. – Com efeito, relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Itália encontra-se vinculada pela Diretiva 2013/33/UE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.

      13º - Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do Sistema Europeu comum de Asilo (SECA), existe uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de proteção internacional nesses estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da união e pelos direitos fundamentais.

    10. - Ao contrário do pugnado pelo douto acórdão recorrido, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido.

    11. – Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente não restava outra solução que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.

    12. – Estabelece o artº 3º, nº 2, do regulamento 604/2103, que, “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-membro inicialmente designada responsável por existirem motivos válido para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do art.º 4º da carta dos direitos Fundamentais Da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável”.

    13. – Estabelece o arº 17º, nº 1, do referido regulamento que “Em derrogação do artigo 3º, nº 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento”.

    14. – E nos termos do art.º 4º da CDFUE “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas, desumanos ou degradantes”.

    15. – O douto Acórdão recorrido ao considerar a Acão procedente e condenar o ora Recorrente no dever de reconstruir o procedimento, instruindo-o com informação atualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, de molde a aferir se no caso concreto o aqui Recorrido tem enquadramento na previsão do artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do Estado-Membro responsável, em conformidade com o regulamento (UE) que o hospeda.

    16. – Ora, no âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da lei de Asilo (artigos 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe á Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrário do invocado pelo douto acórdão ora recorrido.

    17. – Nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas Condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente, a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrario ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou o pedido de Proteção Internacional.

    18. – Nessa linha, veja-se as sentenças proferidas pela 4ª U.O no Proc. nº 1843/19.7 BELSB e pela 3ª U.O no Proc.2115/19.2 BELSB e, sobretudo, a Sentença proferida pelo TACL, no processo 1741/18.1BELSB; o Acórdão do TCA Sul de 10/01/19 proferido no Proc. nº 1353/18.0BELSB, o Acórdão do TCA Sul de 21/02/2019 proferido no Proc. nº...

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