Acórdão nº 064/20.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução09 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório I.1.

A sr.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.) vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“C.P.T.A.”), aplicável “ex vi” artigo 25.º, nºs. 2 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria - “R.J.A.T.”, na redação da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.), da decisão arbitral proferida em 11-5-2020 no processo n.º 785/2019-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrido A………, sinalizado nos autos, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral de 22-4-2019, no processo n.º 539/2018-T, do CAAD que se indica como fundamento.

I.2.

Formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões: A – O Acórdão arbitral recorrido (785/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…) Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019 5005573145, referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 13 886,02;(…) Condenar a AT na restituição ao Requerente do imposto pago em excesso.” B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “Efetivamente, atendendo à jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo CAAD relativamente a situações ocorridas em momento posterior ao das alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, está-se em crer que o novo quadro legislativo não impedirá a aplicação ao caso concreto da jurisprudência ditada pelo já citado Acórdão Hollmann. A tal propósito cabe citar, em primeiro lugar, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, disponível em http://www.dgsi.pt/.

Versou o referido Acórdão sobre recurso interposto pela AT da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial de uma liquidação de IRS do ano de 2010, determinando a sua anulação em 50%.

Consta do respetivo sumário: “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”.

Cabe igualmente referir, entre outras, a decisão arbitral proferida em 08.04.2019, no processo n.º 600/2018-T, referente a mais-valias imobiliárias auferidas por não residente, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes, em cuja fundamentação, para além do mais, se lê o seguinte: “Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado. O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo. (…) Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. (…) O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.” Face à jurisprudência citada, com a qual se concorda, haverá de concluir-se pela ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, ainda que o Requerente não tenha optado pelo regime de tributação a que se referem os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, na medida em que tal opção não seria suscetível de afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa, e não de apenas de 50% do seu valor, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º, do referido Código.

Questão diversa é a de saber se tal ilegalidade determina a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019 5005573145, conforme peticionado, ou se a mesma deve ser anulada na sua totalidade. Quer a doutrina quer a jurisprudência apontam no sentido de que o ato tributário é um ato divisível, quer por natureza, dado que impõe a obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária, quer por determinação legal (cfr. o artigo 100.º, da LGT), podendo ser parcialmente anulado, se o tipo de ilegalidade de que padece o afetar apenas em parte.

No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação impugnada resulta, em exclusivo, da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias realizadas pelo Requerente.

Estando em causa a mera redução da base de incidência do imposto e sendo a taxa aplicável uma taxa fixa (28%), justifica-se, face ao princípio da economia processual, a sua anulação parcial (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 12.07.2017, no processo 0636/17, disponível em http://www.dgsi.pt/).

Procedendo a pretensão anulatória do Requerente, procede igualmente o pedido de restituição do imposto pago em excesso, da quantia de € 13 886,02, nos termos dos artigos 100.º, da LGT e 24.º, do RJAT.” C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que: “14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:

  1. Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.

  2. Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.

    15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.

    16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.

    17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.

    18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.

    19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.

    19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.

    20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.” D – Concluindo o Acórdão fundamento que: “20 - Nesta...

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