Acórdão nº 430/20.1TXCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos autos n.º 430/20.1TXCBR-A do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, juiz 2, por despacho de 17.09.2020 foi declarada perdoada, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2020, de 10.04.2020, a pena de prisão aplicada ao condenado M. no processo n.º 161/18.2GAVLE.

  1. Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1. O perdão previsto da lei 9/2020, de 10/04, que estabeleceu um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, não é aplicável aos condenados que ainda não eram reclusos à data da sua entrada em vigor, mesmo que a sentença condenatória tenha transitado em julgado antes dessa data – 11/09/2020.

  2. Este é o entendimento sufragado no parecer 10/20 do Conselho Consultivo da PGR: “(…) O âmbito de aplicação subjetivo desta lei é muito claro. Como refere Nuno Brandão: «as circunstâncias extintivas ou flexibilizadoras do cumprimento da pena de prisão previstas na Lei n.º 9/2020 só são aplicáveis a condenados que se encontrem a cumprir pena de prisão no momento da sua entrada em vigor (11.04.2020). Com efeito, além de exigirem o trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de prisão, tais medidas pressupõem ainda que a execução dessa pena se encontre já em curso. As razões excecionais que determinaram a aprovação da presente Lei só valem em relação aos condenados que se encontrem privados da liberdade no momento da sua entrada em vigor. Nessa medida, e para que fique claro que só esses condenados são destinatários deste regime excecional, nos artigos 2.º/1, 3.º/1 e 4.º/1 faz-se menção expressa aos reclusos – sc., os condenados privados da liberdade – como destinatários deste regime excecional. (…) Na verdade, o elemento gramatical é bastante claro: «são perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado» (art.2.º, n.º 1); «são também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado» (art. 2.º, n.º 2); e «o perdão (…) é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei» (art. 2.º, n.º 7). Em todos os casos, é pressuposto desta medida de graça que o beneficiário seja recluso e esteja condenado por sentença transitada em julgado, id est, que esteja em cumprimento de pena.” 3.As medidas excecionais previstas nesta lei visaram, fundamentalmente, uma célere redução, com a equidade e proporcionalidade possíveis, do número de reclusos, de molde a conseguir-se uma mais eficaz resposta do sistema prisional em situação de infeção pelo coronavírus; daí que na lei se aluda sempre, e no âmbito subjetivo de aplicação, a condenados reclusos.

  3. Ao interpretar a lei, o intérprete e aplicador não pode nunca desconsiderar a correspondência verbal com o diploma; e ao fixar-lhe o seu sentido e alcance, deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - cf. artigo 9º, do código civil.

  4. As normas legais excecionais – e esta lei 9/2020 é inequivocamente uma lei excecional - não comportam aplicação analógica – cf. artigo 11º, do mesmo código -, sendo que as leis de amnistia ou de perdão, como normas excecionais que são, não admitem interpretação extensiva ou restritiva, devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas.

  5. O que lei 9/2020 consagrou, entre outras medidas, foi um perdão excecional e não uma amnistia de crimes, num período de Estado de Emergência, entretanto cessado.

  6. A dinâmica da lei 9/2020 deve respeitar os marcos previamente definidos e reportar-se a reclusos que o sejam no momento da sua entrada em vigor - 11 de Abril - e que no período da sua vigência adquiram as demais condições de perdão – remanescente inferior a dois anos em situação de cumprimento sucessivo de penas ou pena única inferior a dois anos atingido que seja o meio dela, posto que os crimes cometidos não estejam excluídos do seu âmbito de aplicação –, e termina nesses limites, não podendo ser extrapolada, comparando-se situações e injustiças dela decorrentes, sob pena de se poder dar o caso de o perdão assentar em “vontades” exteriores ao próprio sentido legal, como sejam, por exemplo, os casos de condenados contumazes que se apressariam a apresentar-se para prisão para que lhes fosse de seguida perdoada a pena, os casos de condenados em pena em execução em regime de permanência na habitação, que não foram visados pelo perdão e que para terminar com esse regime mais não teriam do que forçar a revogação desse regime, cortando a pulseira eletrónica, e, de seguida, serem presos para logo serem libertados por via da aplicação desse perdão.

  7. Estamos perante uma lei que previu um perdão por razões sanitárias muito específicas e, por conseguinte, tem ela de ser interpretada dentro dos limites estabelecidos, com as consequências decorrentes, quer no que tem de justo, quer no que possa ter de injusto aos olhos da comunidade.

  8. E não valerá o argumento de que a situação de pandemia ainda acontece, porque, por essa via, e parece que a pandemia veio para ficar, nunca mais um condenado cumprirá pena inferior a dois anos, ainda que os tribunais de condenação os continuem a julgar, a condenar e a prender, num trabalho inglório, porque logo o tribunal de execução das penas os irá libertar, fazendo uma interpretação da lei que acaba por transformar um perdão excecional numa amnistia de crimes.

  9. Não podemos perder de vista o carácter excecional desta lei e as específicas circunstâncias que motivaram a sua publicação, sendo que a diferenciação de tratamento assente em motivações objetivas, razoáveis e justificadas, não é atentatória do princípio da igualdade.

  10. Decidiu mal a senhora juíza ao declarar perdoada a pena e ordenar a libertação do condenado.

  11. O despacho recorrido viola o disposto nos artigos e da lei 9/2020, de 10/04.

  12. Deve ser revogado e substituído por outro que declare não perdoada a pena, emitindo-se o necessário e novo mandado de detenção.

    Vossas Excelências decidirão.

  13. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  14. O arguido não respondeu ao recurso.

  15. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso merecer provimento.

  16. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP não houve reação.

  17. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Tende presente as conclusões, pelas quais...

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