Acórdão nº 25059/18.0T8SLB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA instaurou, em 12 de novembro de 2018, no Juízo Central Cível de …, Comarca de …, contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.

, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que fosse: 1) declarada a nulidade da declaração de anulação do contrato de seguro feito pela R.. em 20 de março de 2018; 2) reconhecida a validade do contrato de seguro celebrado entre as partes; 3) condenada a Ré a cumprir todas as condições do contrato, incluindo as respeitantes à sua obrigação de apresentação a pagamento dos recibos de prémios, quando devedor; 4) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 200,00 por cada dia, entre 4 de janeiro de 2018 e 14 de setembro de 2018, por incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 50 600,00, acrescida de juros vencidos sobre as importâncias devidas mensalmente, no valor de € 909,00, e juros vincendos sobre a quantia de € 50 600,00; 5) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia eventualmente resultante do aumento do capital seguro, por força da cláusula de participação nos resultados, a liquidar em momento posterior; 6) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 25 000,00, acrescida de juros vincendos, por dano não patrimonial.

Subsidiariamente, pediu que fosse: 1) declarada a ilicitude da declaração de anulação do contrato de seguro, feito pela R., em 20 de março de 2018, sendo condenada a reconstituir a situação que para o A. e beneficiários no contrato existiria se não fosse o ato ilícito; 2) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 200,00 por cada dia, entre 4 de janeiro de 2018 e 14 de setembro de 2018, por incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 50 600,00, acrescida de juros vencidos sobre as importâncias devidas mensalmente, no valor de € 909,00, e juros vincendos sobre a quantia de € 50 600,00; 3) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia eventualmente resultante do aumento do capital seguro, por força da cláusula de participação nos resultados, a liquidar em momento posterior; 4) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 25 000,00, acrescida de juros vincendos, por dano não patrimonial; 5) condenada a Ré a pagar-lhe, ou aos beneficiários das coberturas indicadas no contrato, todas as quantias a que o A., ou as pessoas por si indicadas, teria direito nos termos do contrato, a liquidar em momento posterior. Para tanto, alegou, em síntese, a celebração com a Ré, em 2017, de um contrato de seguro, do risco de incapacidade para o trabalho, de que é beneficiário/segurado, e depois de ter realizado exames médicos; verificado o risco segurado, acionou o seguro a 27 de dezembro de 2017, quando foi submetido a uma cirurgia, durante a qual lhe foi diagnosticada uma neoplasia da cabeça do pâncreas; a R. declinou o pagamento, invocando a nulidade do contrato, por declarações inexatas, o que é infundado.

Contestou a R., por impugnação, alegando que o contrato fora anulado, por declarações inexatas ou reticentes do A. quanto à sua situação clínica, e concluindo pela improcedência da ação.

Durante a audiência prévia, foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 20 de janeiro de 2020, a sentença, que, julgando a ação improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 9 de julho de 2020, julgando parcialmente procedente a apelação, revogou a sentença, tendo: 1) Declarado a nulidade da declaração de anulação do contrato de seguro feita pela Ré, em 20 de março de 2018; 2) Reconhecido a validade e vigência dos termos do contrato de seguro celebrado.

3) Condenado a Ré a cumprir todas as condições do contrato de seguro, incluindo as respeitantes à sua obrigação de apresentação a pagamento dos recibos de prémio, quando devedor; 4) Condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 200,00, por cada dia, entre 4 de janeiro de 2018 e 14 de setembro de 2018, por incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 50 600,00, acrescida de juros vencidos sobre as importâncias devidas mensalmente, no montante líquido de € 909,00, e vincendos sobre a quantia de € 50 600,00; 5) Condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia de 10 % de revalorização do capital seguro, por força da cláusula de participação nos resultados.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

  1. Nenhum sentido faz o raciocínio da Relação de que o A. desconhecia, em 19 de abril de 2017, qualquer situação clínica que fosse necessário reportar à Seguradora, com efeitos para o contrato de seguro que se encontrava a ser subscrito.

  2. Ao invés, na referida data, o A. já era detentor de diversa informação verdadeiramente relevante e suscetível de fazer alterar a análise de risco pela Seguradora, optando por omiti-la.

  3. A Relação não pode concluir que o A. desconhecia as queixas que tinha e os exames que se encontrava a realizar.

  4. Nunca poderia a Relação alterar a matéria constante do ponto 3.1.24, por não ser objeto de recurso formulado pelo A.

  5. A obrigação de agir de boa-fé respondendo com verdade na fase pré-contratual resulta da lei e é instintiva ao homem médio que celebra um qualquer contrato.

  6. É difícil entender que um médico, com os sintomas que apresentava e com exames médicos e de diagnóstico que necessitava de realizar, ignore que o conhecimento desses factos pela Seguradora é determinante na decisão de contratar.

  7. De qualquer modo, nos termos dos artigos 24.º e 25.º do DL n.º 72/2008, os contratos de seguro são anuláveis.

  8. É sobre o segurado que recai o dever de declaração do risco.

  9. A anulabilidade do contrato de seguro não pressupõe a existência de um nexo causal entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro.

  10. O Autor, ao omitir tais questões clínicas de que tinha conhecimento, proferiu uma declaração inexata, por contrária à verdade dos factos, sendo tal omissão essencial para que a Ré aceitasse subscrever o contrato de seguro, pelo menos, naquelas situações deu causa à anulabilidade do contrato.

  11. O Autor estava obrigado a indicar, no questionário, o seu estado de saúde à data, ainda que não passassem de meras suspeitas, hipóteses de diagnóstico e pesquisas clínicas.

  12. É forçoso concluir pela invalidade do contrato de seguro e pela improcedência dos pedidos.

  13. O Segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à Seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato.

  14. À Seguradora não é exigido que solicite ou realize quaisquer exames médicos aquando da celebração dos contratos de seguro.

Com o provimento do recurso, a Ré pretende a repristinação da sentença, com a sua absolvição dos pedidos formulados.

Contra-alegou o Autor, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, depois de ter aludido também a um erro material cometido na alegação da apelação, quando, na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, identifica o “ponto 3.1.23” em vez do “ponto 3.1.24”.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, discute-se essencialmente a alteração da matéria de facto pela Relação e a invalidade do contrato de seguro de vida, por declarações inexatas do segurado.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

A 10 de março de 2017, o A., na qualidade de representante da tomadora do seguro Jorge...

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