Acórdão nº 2261/17.7T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e marido GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, PP e marido QQ e RR e mulher SS intentaram ação declarativa com processo comum contra TT Pedindo para: a) Serem os AA. identificados nos arts. 8º, 9º e 10º da petição inicial, judicialmente reconhecidos como herdeiros do falecido UU; b) Ser judicialmente declarada a anulação (sic) do testamento outorgado pelo falecido em 22-12-10; c) Serem restituídos à herança do falecido todos os bens imóveis, móveis e saldos das contas bancárias, nomeadamente, quanto a estes, os que existissem à data do óbito; d) Ser ordenado o cancelamento de todos os registos que houverem sido lavrados, a favor da R., com base no testamento e por força da sua anulação.

    Alegaram que o falecido UU celebrou o referido testamento, fazendo dele constar o encargo de a R., sua herdeira testamentária, lhe prestasse assistência médica e medicamentosa e alimentos, se necessário.

    Invocam que a R. não prestou quaisquer cuidados ao testador, tendo mantido uma vida independente e apenas ocasionalmente se apresentou na residência do mesmo e, em geral, com o intuito de se lhe apoderar da reforma.

    Mais referiram que foi o testador quem sempre tratou de si próprio, sendo que na fase terminal da sua vida, quando se encontrava doente, não teve quaisquer cuidados da parte da R., não tendo comida para se alimentar, nem dinheiro, tendo morrido sozinho em sua casa, quando um tumor de que padecia “rebentou”.

    Como tal, afirmam dever ser anulados (sic) todos os efeitos decorrentes do referido testamento, sendo os AA. reconhecidos como herdeiros legítimos em 4º grau e sucessores do falecido UU.

    A R. contestou e, além de alegar a exceção de caducidade, considerou que eram falsas as imputações feitas, já que manteve uma relação com o falecido UU, desde há mais de 10 anos, iniciada quando o mesmo ainda vivia com a sua mãe. A R. passou posteriormente a viver com o falecido e a mãe deste e, quando a mãe faleceu, permaneceu a viver com o falecido UU.

    Mais referiu que os AA. nunca se interessaram pelo estado de saúde do falecido e que foi a R. que o acompanhou nos últimos anos de vida a todas as consultas, quer no Hospital ...., quer no IPO, em....., quando este recebeu tratamentos para o problema de saúde de que padecia.

    No dia em que “rebentou” o tumor que acometia UU (cerca de uma semana antes da data em que este veio a falecer), a R. tinha-se ausentado para ..... para tratar de assuntos na loja de uma operadora telefónica, sendo que, ao telefonar para casa sem que UU atendesse, pediu a um taxista que ali se deslocasse, para confirmar se tudo estava bem. Tendo sido informada de que UU havia sido transportado para o Hospital ....., em ......, para ali se deslocou, tendo permanecido com o mesmo, até à sua morte.

    Considerou, em suma, ter cumprido as obrigações decorrentes do testamento, pelo que não existe razão para a procedência da ação.

    Os AA. responderam.

    A exceção de caducidade veio a ser julgada improcedente.

    Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.

    Os AA.

    apelaram e a Relação revogou a sentença e em sua substituição: - Declarou que, não tendo a R. cumprido a incumbência de cuidar do testador, UU, prestando-lhe assistência médica e medicamentosa e alimentos, se necessário, até à sua morte, deixou de se verificar a instituição de herdeira de R. TT constante do testamento público, lavrado em 22-12-10, de fls. 36 e 36, vº, do Livro nº Dois-T para testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos, no Cart.o Not. De ....., sito na R. ...., nº ..., ....., na freguesia e concelho de......, perante a Notária Drª VV; - Reconheceu os AA. como herdeiros legítimos de UU, integrando a classe de sucessíveis da al. d) do nº 1 do art. 2133º do CC.

    - Condenou a R. a restituir à Herança do falecido todos os bens imóveis, móveis e saldos das contas bancárias dela integrantes à data do óbito; - Determinou o cancelamento de todos os registos que houverem sido lavrados, a favor da R., com base no testamento a que se alude em a).

    A R. veio interpor recurso de revista em que essencialmente concluiu que: As disposições testamentárias terão de ser interpretadas no sentido de que a beneficiária do testamento ficará com o encargo de cumprimento de obrigação, in casu, assistência médica e medicamentosa e alimentos, se necessário, tendo carácter resolutivo, caso tais cuidados não lhe sejam prestados ou não o sejam até à sua morte.

    No caso dos autos, incumbia aos recorridos o ónus da prova dos factos alegados que consubstanciam incumprimento do encargo proveniente do testamento e da vontade do testador, o que não lograram provar.

    O testamento é o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles, sendo um ato pessoal, no qual contém a clara expressão da vontade do testador.

    A interpretação dos testamentos deve ser a mais consentânea com a vontade do testador, conforme o texto e o teor do testamento.

    A decisão proferida pelo Tribunal da Relação carece de fundamentação, tendo entendido aquele tribunal, com o devido respeito, transcrito os factos dados como provados e não provados e proferindo uma decisão, sem a fundamentar.

    Os pressupostos de cuidador de cujus e elementos do testamento encontram-se preenchidos, a recorrente prestou efetivamente os cuidados básicos e diários ao falecido, especialmente nos seus últimos anos de vida, pelo que é a única e universal herdeira do falecido.

    Houve contra-alegações.

    Cumpre decidir.

    II – Factos provados: 1 - No dia 22-6-17, na freguesia e concelho de ..., faleceu UU, natural da freguesia e concelho de..., no estado de solteiro, com a idade de 74 anos, com última residência em..., freguesia e concelho de... .

    2 - O falecido não tinha descendentes nem ascendentes à data do óbito.

    3 - O falecido nasceu no dia 26-10-42 e era filho de XX, natural da freguesia e concelho de ..., e de ZZ, natural da freguesia de...., concelho de...

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