Acórdão nº 2087/13.7BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório J............., e mulher P............., melhor identificados nos autos, vieram intentar impugnação judicial contra o acto de demonstração da liquidação de IRS de 29-06-2013, relativa a rendimento de IRS de 2012.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 142 e ss., (numeração do SITAF), datada de 14 de Maio de 2018, julgou improcedente a presente impugnação.

Os impugnantes interpuseram recurso jurisdicional contra a sentença, conforme requerimento de fls. 184 e ss. (numeração do SITAF).

Inconformados com a decisão, os recorrentes alegam nos termos seguintes: 1) O art. 1º do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados (Decreto-Lei n° 229/2004, de 10 de dezembro) impunha a estas sociedades a forma de sociedade civil simples e, por seu turno, nos termos da tabela de atividades referida no art. 151° do CIRS, aplicável ex vi art. 6o, n° 4, a), do CIRC, as sociedades de advogados eram legalmente consideradas como sociedades de profissionais para efeitos de aplicação do Regime da Transparência Fiscal. Nos termos do art. 20° do CIRS, os Impugnantes eram obrigados a imputar e a declarar no seu IRS o lucro tributável da Sociedade (cfr. Modelo 3 Anexo D, integrado no Doc. 3 junto à p.i.). De facto, nos termos do art. 6º, n° 1, do CIRC e do art. 20°, n°s 1 e 2, do CIRS (na redação em vigor à data da tributação), sempre que a sociedade apresentasse lucro e mesmo que esse lucro não fosse distribuído aos sócios, estes eram obrigados a imputar e a declarar no seu IRS como rendimento auferido o lucro tributável da Sociedade. Os Impugnantes viram o seu IRS especialmente onerado com esta imposição do regime da Transparência Fiscal, suportando uma tributação por um rendimento que não receberam, num regime mais gravoso do que qualquer sócio de uma sociedade não sujeita a este regime especial.

2) A Sentença recorrida, mantendo a liquidação impugnada, considera ser obrigatória a imputação dos lucros tributáveis da Sociedade no IRS dos seus sócios, nos termos do regime da Transparência Fiscal, ainda que não tenha existido distribuição de lucros, tributando nessa sede, com aplicação das respectivas regras e escalões, como rendimento dos Impugnantes, quantias que os mesmos nunca receberam: um contribuinte paga imposto sobre os rendimentos de outro contribuinte.

3) A Sentença recorrida é estruturalmente nula por omissão de pronúncia (cfr. art. 615°, n° 1, d), e art. 608°, n° 2, do CPC, ex vi art. 2º do CPTT), pois não conheceu as específicas e concretas questões que os Recorrentes submeteram ao seu conhecimento nas Conclusões das suas Alegações de 14.12.2017. Na verdade, 3.1. Por um lado, a Sentença recorrida limita-se a invocar a teleologia do regime da Transparência fiscal num plano puramente teórico, isto é. os objetivos legais anunciados pelo próprio legislador (neutralidade fiscal: combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios) sem verificar/atender à situação concreta nos ocupa e à relevância desses objetivos nesta situação. De facto, esses objetivos do legislador nada têm que ver com a situação que aqui se discute, pelo que essa invocação é de todo inútil e desadequada, não podendo suportar a solução desta contenda.

De facto, importa constatar: (i) sendo a neutralidade (transparência) fiscal que aqui se questiona/impugna nas situações em que não haja distribuição dos resultados, não faz sentido responder a essa questão dizendo que o legislador pretendeu essa neutralidade/transparência fiscal: (ii) porque não estamos perante uma situação de evasão fiscal (que nunca esteve em causa nem foi suscitada), não faz sentido invocar esta pretensão na situação que nos ocupa: de facto, há algum regime fiscal que não pretenda combater a evasão fiscal ?: assim, também não faz sentido invocar aqui essa (natural) pretensão legislativa: (iii) porque na situação que nos ocupa não houve distribuição de resultados, também não faz aqui qualquer sentido invocar a pretensão legislativa de eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.

Em suma, para julgar improcedente a impugnação deduzida, a Sentença recorrida fundamenta-se/refugia-se em questões que nada têm que ver com a situação que nos ocupa, o que é lamentável.

Do mesmo modo, porque não vem suscitado nos autos (e muito menos demonstrado) que a solução defendida pelos Recorrentes (tributação em sede de IRC, e não pelo IRS dos seus sócios, dos resultados não distribuídos da Sociedade) ponha em causa os objetivos relevantes do legislador (combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios) nada obsta a que essa solução seja adotada.

3.2. Por outro lado, relativamente à capacidade contributiva dos Impugnantes/Recorrentes, a Sentença recorrida considera que essa capacidade está demonstrada pelos resultados da sociedade (“E no que respeita ao princípio da capacidade contributiva, compreenda-se que o rendimento a tributar, através deste regime da transparência fiscal, já se encontra revelado através de uma capacidade contributiva que se manifesta através da matéria colcetável em IRC, na esfera da própria sociedade, ainda que o lucro correspondente não tenha sido distribuído entre sócios" - cfr. 7º parágrafo da pág. 9 da Sentença recorrida), o que não faz sentido, pois o que a Administração fiscal pretende é tributar, não quem teve os resultados e, portanto, tem a correspondente capacidade contributiva, a Sociedade, mas os seus sócios. que não dispõem desses resultados, por não terem sido distribuídos, e que portanto também não têm essa capacidade contributiva. Mais uma vez, a Sentença recorrida fundamenta a decisão proferida na mera descrição da errada decisão da Administração fiscal que se impugna, sem conhecer as questões que fundamentam a impugnação deduzida: pretender tributar os resultados de uma pessoa coletiva na esfera dos seus sócios, numa situação em que esses resultados não foram distribuídos aos sócios (em que estes sócios não tiveram qualquer acréscimo patrimonial e que não viram alterada a sua capacidade contributiva) é ilegal, ofendendo a estrutura essencial dos princípios aplicáveis.

4) A aplicação do regime da Transparência fiscal nos casos em que os resultados que se pretendem tributar aos sócios não lhes foram distribuídos é ilegal e inconstitucional: a. por um lado, não resulta demonstrado que in casu esteja em risco (i) a dupla tributação económica dos lucros ou (ii) haja um perigo de evasão fiscal, mediante a criação de sociedades fictícias (são estas razões que compõem a “ratio legis” do regime da transparência fiscal – 3º paragrafo da pág. 9 da Sentença recorrida); b. por outro lado, as Sociedades de Advogados são obrigatoriamente sociedades profissionais, para efeitos de aplicação do CIRC, já que apenas se admite a inclusão de profissionais advogados, pelo que se encontram obrigatoriamente submetidas ao regime da Transparência Fiscal.

5) O regime da Transparência Fiscal imposto às sociedades de advogados é um regime desatualizado e descontextualizado (a realidade configurada em 1988 no CIRS e no CIRC não é a realidade deste século, das sociedades de advogados atuais e, em geral, do tecido e da dinâmica económica, empresarial e societária): as razões que determinaram em 1988 a grave perturbação que este regime vem trazer à ordem e à dogmática jurídicas do Direito dos impostos sobre o rendimento (os sócios pagam impostos sobre rendimentos que não auferiram; um contribuinte paga imposto sobre os rendimentos de outro contribuinte) já não se verificam neste século; este regime e as referidas perturbações que envolve não têm qualquer suporte material que possa justificar a sua aplicação em 2011 ou em 2018, tendo o legislador já optado (2015) pela tributação das sociedades de advogados de acordo com o regime fiscal previsto para as sociedades constituídas sob a forma comercial; 6) O art. 6°, n° 1, do CIRC, ao determinar que o rendimento coletável das sociedades de advogados seja tributado a título IRS aos seus sócios, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, viola a Lei de autorização legislativa ao abrigo da qual esse Código foi aprovado, o que também determina a sua ilegalidade e inconstitucionalidade, material e orgânica.

7) As inconstitucionalidades materiais do art. 6°, n° 1, do CIRC: (i) viola o princípio da proibição de tributação de rendimentos ficcionados, não auferidos, inexistentes para o sócio (o IRS é um imposto sobre rendimentos auferidos, pelo que pretender que o contribuinte pague IRS sobre rendimentos que não auferiu é, para além do mais, uma gritante e inadmissível deformação...

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