Acórdão nº 2319/12.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL FERNANDES
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO E..., veio deduzir oposição à execução fiscal n° 3... e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade G..., Unipessoal, Lda, para cobrança de IRC, IRS/retenções na fonte, IVA, coimas e encargos, no montante total de 37.275,45.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 5 de Julho de 2018, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões: «I - Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo de execução fiscal (PEF) n.° 3... e apensos, contra a Oponente revertida e, a respectiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas.

II - Defende o tribunal “a quo”, no que se refere ao despacho de reversão que a AT não alegou quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura no comportamento assumido pela Recorrida, concluindo que o despacho de reversão peca pela inexistência de factos alegados e provados pela AT, que conduziram à conclusão que a recorrida não observou os deveres de cuidado e que não actuou nos termos do disposto no artigo 64.° da LGT.

III - Outrossim, o tribunal “a quo” defende que tendo a reversão sido efectuada pelo artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, a AT, como legalmente se impunha teria de ter feito prova da culpa da Recorrida na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias, através, por exemplo, de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos índice de uma gestão danosa do património da sociedade devedora - cfr. neste sentido, Lima Guerreiro (António Lima Guerreiro, in obra citada, pág. 141).

IV - Concluindo que a AT ao não cumprir o ónus da prova que sobre ela impendia nos termos do disposto no artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, a ora Recorrida é parte ilegítima na oposição, devendo a oposição ser julgada procedente por provada.

V - A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso “sub judice”, não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento.

VI - Antes de mais, refira-se que o Órgão de Execução Fiscal (OEF) notificou a Recorrida para, querendo, exercer o direito de audição antes da reversão, direito que exerceu, ficando, desde logo, a saber quais os motivos que levavam o OEF a reverter a dívida da devedora originária, contra si, situação que ela, aliás, era conhecedora, não só porque foi a única gerente, como, foi, também, ela que pediu o pagamento das dívidas em prestações.

VII - Tendo isto presente realçamos que, o dever de fundamentação impõe que se esclareçam as razões que suportam a decisão, mas não exige, como refere o tribunal “a quo” que o despacho mencione a conduta praticada pela Recorrida.

VIII - Quanto à própria questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, também, não se afigura possível atribuir qualquer espécie de razão ao Oponente, porquanto, como bem se constata no documento que titula a citação em reversão, a reversão tem por base a “Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23.°, n.° 2 e 3 da LGT).

IX - Tal como determina o artigo 23.°, n.° 4 da LGT, conjugado com o artigo 77.° do mesmo diploma legal, o Serviço de Finanças, produziu e fez acompanhar a citação pessoal da Recorrida com a declaração fundamentada dos pressupostos da reversão e extensão, apontando as razões de facto e de direito de forma sucinta, mostrando- se devidamente fundamentado, permitindo, inquestionavelmente, a um normal destinatário conhecer as razões de facto e de direito do acto de reversão.

X - E assim, o despacho de reversão proferido nos presentes autos contém a fundamentação legalmente exigida pelo artigo 77.°, n.° 1 da LGT, permitindo à Recorrida perceber as razões de facto e de direito que levaram ao OEF a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu defender de forma cabal os seus direitos e interesses, como resulta, de forma clara, da simples leitura da petição de oposição.

XI - Diga-se, ainda, que a qualquer momento a AT disponibiliza ao contribuinte a consulta do processo de execução, onde constam efectivamente todas as diligências prévias onde assenta a presente reversão, estando assim satisfeitas todas as exigências de fundamentação.

XII - Não ocorre, pois, em nosso entendimento, a alegada falta de fundamentação da reversão, porquanto todas as exigências de fundamentação se mostram cumpridas no caso concreto, contrariando, com a devida vénia, o decidido pelo tribunal “a quo”.

XIII - No que se refere à culpa da Recorrida, diremos que do artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, decorre a existência de dois requisitos substantivos para se concluir pela responsabilidade subsidiária, a saber: a gerência de facto e a culpa.

XIV - Ora, exercida que foi a gerência de facto, como aliás a Recorrida reconhece ao longo de todo o seu petitório e, também, no seu depoimento de parte, quando afirma que foi a única gerente da devedora originária, desde o início (1985) até ao fim (2011), resta-nos provar a culpa da gerente na diminuição do património societário da devedora originária, como aliás se fez quer no articulado de contestação quer no articulado de alegações (artigo 120.° do CPPT).

XV - Face às declarações de rendimentos de IRC Mod. 22 entregues pela Recorrida em nome e por conta da devedora originária, concluímos que aquela desde o exercício de 2005 até ao exercício de 2010, apresentou sempre custos muito avultados quer com ajudas de custo quer com deslocações em viaturas próprias pelos seu 5 funcionários, embora aqueles custos pudessem ter sido evitados, porquanto não contribuíram para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

XVI - Facto que foi diminuindo os lucros tributáveis (exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008), chegando, mesmo, nos exercícios de 2009 e 2010 a apresentar prejuízos, face aos avultados custos com as mesmas rúbricas, como se pode verificar nos pontos 33.° a 37.° das presentes alegações e, que nos escusamos de reproduzir por mera economia processual.

XVII - A culpa relevante para a imputação da responsabilidade subsidiária é a que deriva da diligência exigível a um gerente, no sentido de cuidar do património da empresa para que esta se mantenha viva, progrida e cumpra com os seus credores, a não satisfação desse desiderato leva a concluir pela sua omissão aos deveres a que se tinha proposto aquando da sua indigitação, que não cumpriu o dever de diligência e o mandato que lhe foi concedido, XVIII - Embora este dever de diligência deva ser apreciado em cada caso concreto, porém, no caso em apreço, dúvidas não podem restar que a Recorrida incumpriu com o preceituado do artigo 64.° do CSC a que estava obrigada, uma vez que, não exerceu com zelo e com o cuidado de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da devedora originária.

XIX - Uma vez nomeado e estando no exercício das suas funções, o gerente/administrador tem o dever de administrar a empresa de modo que esta subsista e cresça, devendo cumprir e fazer cumprir os contractos celebrados e as avenças contratadas com quem lhe presta serviço, pagar as dívidas da sociedade, cobrar os seus créditos e demais deveres legais, designadamente, de vigilância, evitando assim que o património da sociedade se torne insuficiente para satisfazer os créditos fiscais.

XX - Impõe-se ao administrador/gerente, um grau de esforço exigível para, de entre os vários actos possíveis segundo as suas opções discricionárias, determinar os que são adequados ao fim imposto e, depois, executá-los, sempre com a assunção de uma postura responsável e ponderada, no desempenho das suas funções, de modo que aquela corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso, colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequado ao alcance dos fins e objectivos para que a sociedade se constituiu.

XXI - A culpa aqui apreciada jaz na tal conduta funcional imputada à Recorrida enquanto gerente, pelo que, a sua culpa reconduzir-se-á aos actos (de representação, disposição e gestão) praticados em nome da devedora originária.

XXII - No caso em apreço, a Recorrida, simplesmente, foi incapaz de materializar uma actuação que obviasse, ou, pelo menos, minorasse uma previsível situação de insuficiência do património societário da devedora originária, que configurasse uma conduta minimamente diligente da sua parte, não logrando assim demonstrar que foi de todo alheia à sua vontade que se frustrou o pagamento do crédito tributário, limitou-se a escudar na saída do sobrinho com todas as consequências que lhe foram inerentes.

XXIII - Face ao exposto e, contrariamente ao expendido na douta sentença, a ora Recorrida agiu com culpa quando o património da executada se tornou...

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