Acórdão nº 727/14.0TBLGS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 727/14.0TBLGS.E1.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Évora + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) I - RELATÓRIO Foi oportunamente (30 de junho de 2014) declarada (no Juízo de Comércio de …..) a insolvência de AA.

O credor BB reclamou (em 6 de agosto de 2014), sob a invocação do n.º 1 do art. 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), um crédito de €600.000,00 (a que acresceriam juros de mora).

Alegou para o efeito, em síntese, que tal crédito correspondia ao dobro do que entregara à insolvente a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito de contrato-promessa de compra e venda de uma fração autónoma que, em 2 de fevereiro de 2010, com esta havia celebrado, sendo o dito montante devido em caso de incumprimento, nos termos de cláusula inserta no contrato e nos termos do n.º 2 do art. 442.º do CCivil.

Mais alegou que o prazo para a celebração do contrato prometido ainda estava em curso (o contrato era para ser celebrado até ao fim de 2015), que indagou o Administrador da Insolvência com vista a saber qual o tratamento que este pretendia dar ao assunto e que o que ele (Credor) pretendia era - precedendo uma renegociação a seu favor do preço segundo juízos de equidade em face da alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar - o cumprimento da promessa.

Não invocou qualquer direito de retenção, nem alegou factos que conduzissem à existência desse direito.

O crédito foi reconhecido pelo Administrador da Insolvência, que o fez constar, como comum, da lista dos credores por si reconhecidos, apresentada em juízo no dia 19 de setembro de 2014.

O Administrador da Insolvência fez consignar na lista o seguinte quanto a esse crédito: «Conforme resulta da reclamação, este crédito não beneficia de garantia ou privilégio, nem se encontra subordinado a qualquer outro crédito pelo que (…) consideramo-lo de natureza “comum”, a ser pago de acordo com o previsto no artigo 176º do CIRE».

Mais fez consignar o seguinte quanto ao mesmo crédito: «De acordo com a reclamação, o credor requer, em alternativa a celebração (se possível antecipada) da referida escritura de compra e venda da fracção, precedida de uma renegociação do preço da compra e venda da mesma, segundo juízos de equidade, ao abrigo do previsto no artigo 437.º do Código Civil, em face da alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes (e em particular o Reclamante) fundaram a sua decisão de contratar. Em caso de celebração da escritura de compra e venda, o montante de crédito será de 300.000,00€ (sinal prestado pelo Reclamante) a deduzir à liquidação no acto da escritura».

Não foi apresentada qualquer impugnação à lista de credores reconhecidos.

Isto posto: Por carta de 1 de julho de 2015 o administrador da insolvência comunicou ao Credor BB que, de acordo com o plano de insolvência entretanto (11 de fevereiro de 2015) aprovado na assembleia de credores, não iria cumprir o contrato-promessa em causa.

Em 14 de julho de 2015, e face a essa comunicação, apresentou então o Credor BB requerimento onde pediu que fosse reconhecido o aludido crédito de €600.000,00 (e correspondentes juros de mora), bem como que fosse reconhecido que o crédito está garantido pelo direito de retenção sobre a fração prometida vender, com a consequente graduação prioritária do mesmo.

Alegou basicamente, no que respeita à proveniência do crédito, o que já havia alegado anteriormente aquando da reclamação do crédito. Mais alegou, em síntese, que a fração lhe foi traditada aquando da celebração do contrato-promessa, passando desde então a ser usada e fruída exclusivamente por si, família e amigos, razão pela qual goza do direito de retenção sobre a fração para garantia do seu crédito.

Em intervenção posterior, na sequência de despacho no sentido de vir esclarecer que tipo de iniciativa processual é que estava a suscitar, apresentou-se o Credor BB a esclarecer que o seu requerimento devia ser considerado como um aditamento/complemento à reclamação de créditos oportunamente apresentada, justificado, segundo alegou, pela posterior e totalmente inesperada recusa do Administrador da Insolvência em cumprir o contrato-promessa, tudo, porém, sem prejuízo de diversa qualificação do requerimento por parte do tribunal.

O Administrador da Insolvência e a Credora CC.

, credora hipotecária em relação à fração autónoma em discussão, vieram aos autos pronunciar-se no sentido do indeferimento da pretensão do Credor BB.

Foi depois proferida decisão que desatendeu a pretensão do Credor BB tal como deduzida em 14 de julho de 2015.

Ato contínuo, foi proferida sentença que julgou verificados os créditos constantes da lista apresentada e os graduou em atenção ao que constava da lista de créditos reconhecidos, sendo o crédito do Credor BB graduado como comum.

Inconformado com estas duas decisões, apelou o Credor BB.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação de ….. revogou as decisões recorridas e determinou que o requerimento apresentado pelo Credor em 14 de julho de 2015 “(…) venha a ser enquadrado como uma petição relativa a uma acção de verificação ulterior de créditos prevista nos art.s 146.º e segs. do CIRE, a correr por apenso aos presentes autos e, para esse efeito, devendo ser desentranhado dos mesmos (…)”.

É agora a vez da Credora CC inconformada com a decisão tomada, pedir revista.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões: 1ª. Vem o presente recurso interposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º, nº 1, in fine do CIRE, e no artigo 629º, nº 2, alínea d) do CPC, ex vi do preceituado no artigo 17º do CIRE, do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, julgando procedente o recurso de Apelação do Credor BB, (i) revogou o Despacho que havia rejeitado o requerimento inominado com a ref. CITIUS …… por este apresentado a ….. de Julho de ……. com vista à alteração da qualificação do crédito que lhe fora reconhecido, tal como reclamado na Lista de Credores elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE em 1 de Outubro de 2014, e não objecto de qualquer impugnação; (ii) revogou, ainda, a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos proferida na sequência daqueloutra decisão, ambos prolatados com a ref. CITIUS nº …….. e, consequentemente, (iii) determinou que fosse o mencionado requerimento do Credor enquadrado como petição de acção de verificação ulterior de créditos, por entender que se mostravam preenchidos os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo146º do CIRE, prosseguindo os autos os seus ulteriores trâmites.

  1. São várias as decisões já proferidas por Tribunais Superiores em sentido contrário ao decidido no Acórdão sub judice, de entre as quais o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Outubro de 2018, no âmbito do processo nº 235/12.3TYVNG-D.P1, que aqui se invoca como Acórdão-fundamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º, nº 1, in fine do CIRE, e no artigo 629º, nº 2, alínea d) do CPC, ex vi do preceituado no artigo 17º do CIRE, e que versa sobre situação em tudo idêntica à dos presentes autos, tendo-a decidido de modo exactamente inverso.

  2. Com efeito, enquanto que no Acórdão recorrido o Tribunal a quo determinou que o direito à indemnização e o direito de retenção sobre a coisa prometida vender apenas se constituem com a recusa do cumprimento do contrato-promessa por parte do Administrador da Insolvência (e não com a declaração de insolvência), fundando, pois, entendimento de que o requerimento apresentado pelo Credor, porque o foi no prazo de dez dias contado da notificação endereçada pelo Administrador da Insolvência em 1 de Julho de 2015 relativa ao não cumprimento do contrato-promessa, se mostrava tempestivo, no quadro de acção de verificação ulterior de créditos; 4ª. No Acórdão-fundamento entendeu-se, de forma diametralmente oposta, que o direito à indemnização e o direito de retenção sobre a coisa prometida vender se constituem com a declaração de insolvência (e não com a recusa do cumprimento do contrato-promessa por parte do Administrador da Insolvência), decidindo-se, em consequência, que a acção de verificação ulterior de créditos deduzida, fundada em equivalente comunicação, se mostrava extemporânea, por decurso do prazo de seis meses contado da data de declaração da insolvência; 5ª. Ambas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo o Acórdão-fundamento já transitado em julgado e não tendo sido proferida jurisprudência uniformizadora por este Supremo Tribunal conforme com o Acórdão recorrido.

  3. A decisão de que ora se recorre, e que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT