Acórdão nº 2311/14.9BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO …..T….., S.A. (“…..T…..”), propôs ação administrativa especial contra a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (“ERC”), impugnando as Deliberações ….. …..(CONTPROG-TV) e ….. …..(CONTPROG-TV), tomadas pelo Conselho Regulador da ERC em 18/06/2014, e que adotaram a Recomendação ….. e a determinação da sua divulgação pela ….., sob pena de crime de desobediência simples, peticionando a declaração de nulidade e subsidiariamente a anulação daquelas deliberações.

Alega, em síntese, serem desproporcionais as deliberações, a ausência de efeito útil, a violação da separação de funções, da autonomia e da independência de cada uma das direções, a fundamentação insuficiente, erro manifesto sobre os pressupostos de facto, bem como a contradição entre análise e conclusão, a violação dos artigos 63.º dos Estatutos da ERC e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, e a violação do direito de liberdade editorial.

Citada, a ré apresentou contestação, por exceção alegando a cumulação ilegal de pedidos e por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.

Por sentença de 24/04/2017, o TAF de Sintra julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A. No dia 18 de Junho de 2014, o Conselho Regulador da ERC aprovou a Deliberação ….. …..(CONTPROG-TV) e também a Deliberação ….. …..(CONTPROG-TV), as quais adotam a Recomendação ….. na qual “o Conselho Regulador da ERC recomenda à ….. um especial cuidado na seleção de cenas exibidas fora do horário reservado – entre as 22h30m e as 6h – e sem a sinalética adequada, que possam prejudicar o desenvolvimento de crianças e adolescentes”; B. Com base em queixas de espectadores, na Deliberação ….. a Recorrida identificou um conjunto de problemas nos episódios do programa “….. 4”: a) utilização recorrente de um nível baixo de linguagem, com calão e palavrões; b) exibição de violência física e situações de conflito; c) exibição de agressões verbais, com insultos e injúrias; d) promoção de comportamentos de risco, nomeadamente relacionados com consumo de drogas e com sexo não protegido; C. Também na sequência das participações, a Recorrida identificou na Deliberação ….. um conjunto de problemas no programa “….. 2”: a) utilização recorrente de um baixo nível de linguagem, com utilização de calão e palavrões; b) exibição de violência física e situações de conflito; c) exibição de agressões verbais, com insultos e injúrias; d) discriminação em função do género; D. No entanto, a ERC não cumpriu o dever de fundamentação para poder chegar a esta conclusão; as deliberações são desde logo obscuras e confusas, feitas sem rigor analítico, e misturam ângulos de análise, conceito e conclusões sobre as mesmas situações de facto; E. Ora, a fundamentação do ato administrativo só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão; F. Não obstante a extensão de ambas as deliberações, a verdade é que em momento nenhum a ERC concretiza de que forma os programas em causa “são suscetíveis de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”; não basta que os programas integrem conteúdos sobre sexualidade ou consumo de álcool e estupefacientes, é necessário que se demonstre que, em concreto, tais conteúdos são suscetíveis de, por si só, ter um impacto negativo no desenvolvimento da personalidade dos mais jovens; G. Com efeito, não é apresentado pela ERC qualquer fundamento ou análise estatístico, sociológico ou psicológico sobre o impacto das ações e palavras dos concorrentes dos reality shows no desenvolvimento da personalidade das crianças; H. Sustentar, como faz a Recorrida, que estes conteúdos são suscetíveis de influir negativamente na formação de crianças e adolescentes, sem explicar concretamente porquê e de que forma, é uma afirmação vaga e conclusiva, que não cumpre os ditames dos artigos 124.º e 125.º do CPA ao tempo em vigor; I. Ao não ter reconhecido este vício, o Tribunal a quo interpretou indevidamente a lei, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento; J. De resto, como a própria ERC já definiu (cfr. Deliberação 4/CONT-TV/2012), a mera exibição de conteúdos violentos ou de sexualidade não pode ser tida como condição suficiente para se concluir pela imediata violação dos limites à liberdade de programação; K. Verifica-se ainda que a ERC fez no presente procedimento um uso indevido das suas competências estatutárias, pois a recomendação que foi aprovada não só não é uma verdadeira “recomendação” como, mercê do seu conteúdo, configura antes uma autêntica admoestação ou sanção acessória, emitida fora do contexto processual legalmente exigido – o processo contraordenacional; L. O texto da Recomendação …..…..não contém qualquer verdadeira recomendação concreta, como dispõe o artigo 63.º, n.º 2, dos Estatutos da ERC, aprovados em anexo à Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro pois limita-se a instar a ….. a cumprir a lei aplicável; M. A ERC profere uma recomendação, que incorpora uma censura própria de um processo, dispensando-se no entanto a si própria da análise dos pressupostos típicos do processo contraordenacional, como seja o grau de ilicitude, a determinação da culpa, e, bem assim, das regras de prova e das garantias de defesa próprias deste processo; N. Verifica-se uma evidente antecipação dos efeitos que só um processo de contraordenação, transitado em julgado, poderia produzir sobre aquele cuja culpa foi reconhecida em processo O. O que significa que a Recorrida violou os seus próprios Estatutos, nomeadamente o artigo 63.º, pela emissão de recomendação que não o é, sendo antes uma sanção acessória proferida sem observância das formalidades legais exigíveis e fora do enquadramento processual exigível por lei; P. Ao não ter reconhecido este vício, o Tribunal a quo interpretou indevidamente a lei, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento; Q. Por outro lado, a ERC andou mal na avaliação que fez do próprio conteúdo dos programas “….. 4” e “…..…..2”, incorrendo em erro manifesto sobre os pressupostos de facto ao decidir que determinadas cenas ou situações vividas nos programas em análise configuram a difusão de conteúdos que podem influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes; R. Quer numa, quer noutra deliberação, a Recorrida apenas aponta duas ou três situações em concreto de abusos de linguagem pelos concorrentes, das quais extrapola a conclusão de que tais situações são o “dia-a-dia” do programa, quando estamos perante um programa que reflete 24 horas de convivência diária entre concorrentes, num prazo máximo aproximado de 4 meses; S. Relativamente a situações de violência física, ao contrário do que sustenta a ERC, as mesmas não são recorrentes, tendo-se alegadamente verificado apenas duas (sendo que num dos casos a suposta agressão não foi sequer filmada); T. Ao fazer inserir, na Recomendação, que “tendo em conta os vários alertas que a ERC já dirigiu à ….. relativamente aos ponto críticos destes programas” a ERC quer fazer crer que a ….. desconsidera as suas anteriores decisões, o que não corresponde à verdade: a ERC nunca acusou formalmente a ….., na forma processual adequada, de qualquer violação do disposto no art.º 27.º, n.º 4, da Lei da Televisão, relativamente aos vários programas ….. e …..; U. Pelo que se conclui com clareza que as deliberações impugnadas, e a recomendação assente nestas, erraram na apreciação que fizeram dos factos descritos, tendo aplicado erradamente o n.º 4 do artigo 27.º da Lei da Televisão; V. Ao não ter reconhecido este vício, o Tribunal a quo interpretou indevidamente a lei, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento; W. Por outra banda, nem a ….. 4, nem o ….. 2 estavam em emissão à data das deliberações impugnadas, pelo que tornando-se pública, a recomendação não surtiu efeito absolutamente nenhum perante os espetadores, dado que os programas em causa já não estão em emissão – trata-se pois apenas de um “puxão de orelhas” público à ….., sem qualquer efeito útil para os telespetadores; X. Colidindo a decisão da ERC com os interesses da ….., aquela só podia afetar estes em termos adequados ao objetivo a realizar (ou seja, a informação aos telespetadores), o que manifestamente não acontece no caso sub judice, pelo que não restam dúvidas de que as deliberações e a recomendação violam frontalmente o princípio da proporcionalidade; Y. As deliberações são também desproporcionais na medida em que obrigam a que a recomendação seja divulgada no serviço noticioso de maior audiência do operador, e não no programa que alegadamente viola os parâmetros legais; Z. Ao não ter reconhecido este vício, o Tribunal a quo interpretou indevidamente a lei, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento; AA. As deliberações violam ainda patentemente o princípio da igualdade, dado que ao adotar as referidas deliberações a ERC não concedeu aos dois programas em causa o mesmo tratamento que vem dando a outros programas de canais concorrentes, em situações claramente mais graves; BB. O histórico decisório da ERC é importante na identificação do que é admissível e do que não é admissível, sob pena de tornar o exercício da atividade de televisão uma “lotaria” quanto ao seu enquadramento regulatório; CC. Nos seguintes processos a ERC tomou decisões distintas das atuais, com base em pressupostos equiparáveis: Deliberação 29/CONT-TV/2011, Deliberação 4/CONT-TV/2012, Processo Contraordenacional ERC/01/2012/90, Deliberação 195/2013 (CONTPROG-TV), Deliberação 14-Q/2006 ou Deliberação 114/2015 (CONTPROG-TV); DD. Além de que do processo se retira que a ERC visiona a programação difundida pelos diversos canais; ora, se analisa e não...

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