Acórdão nº 2203/07.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA VASCONCELOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – Relatório: A Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em representação dos seus associados ….. intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação administrativa comum sob a forma ordinária contra o Ministério da Justiça e o Ministério das Finanças e da Administração Pública pedindo que: a) seja reconhecido o direito aos seus associados a auferir vencimento pelo índice 135, desde 1.4.2004, data em que tomaram posse como juízes de direito em regime de efetividade; b) sejam os RR. condenados a posicionar os seus associados no índice 135 e a pagar-lhes a diferença salarial devida desde 1.4.2004 a 16.5.2006 entre o montante correspondente ao índice 100 e o índice 135; c) sejam os RR. condenados a pagar aos seus associados os juros moratórios à taxa legal, incidentes sobre as diferenças remuneratórias supra referidas, até efetivo e integral pagamento.

Em 13 de abril de 2010 foi proferido despacho saneador-sentença nos termos do qual foi decidido que o R. Ministério das Finanças e da Administração Pública, ao contrário do por si invocado, era parte legítima tendo sido a ação julgada procedente e os RR. condenados a posicionar os representados da A. no índice 135 e a pagar-lhes a diferença salarial devida desde 1.4.2004 a 16.5.2006 entre o montante correspondente ao índice 100 e o índice 135, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Os RR., inconformados, recorreram (autonomamente) de tal decisão.

O R. Ministério das Finanças e da Administração Pública formulou as seguintes conclusões: a) As atribuições do Recorrente Ministério das Finanças e da Administração Pública compreendidas no artigo 2º, n°2, alínea n), do DL n° 205/2006 correspondem, no complexo da organização jus-constitucional do Estado Português, à representação jurídica do Estado-Administração, enquanto organização administrativa sob a dependência, tutela ou superintendência do Governo - cfr artigos 182° e 199, alíneas c) e d), ambos da CRP; b) Ora, no plano constitucional e infraconstitucional da nossa ordem jurídica, nada autoriza a assimilação dos magistrados judiciais ao universo dos trabalhadores que exercem funções públicas, cuja atuação é pautada pela observância dos princípios fundamentais fixados nos artigos 266° e ss da CRP; c) Como é sabido, os tribunais são, a par do Governo, órgãos de soberania (artigo 110° da CRP) e os magistrados judiciais titulares dos mesmos órgãos (artigo 215° da CRP) formam um corpo único marcado por especificidade estatutária, orgânica e funcional própria em relação aos trabalhadores da Administração Pública; d) Não sendo este Ministério sujeito da relação funcional constituída pelos interessados, tal como a A. e ora Recorrida a configurou na sua petição inicial, nem podendo a matéria estatutária subjacente ser subsumida no âmbito das politicas de gestão dos trabalhadores da Administração Pública, não pode sustentar-se que o aqui Recorrente detenha um interesse direto determinado pela sua conduta antecedente no caso vertente. Quanto muito, um interesse reflexo e indireto decorrente das atribuições que prossegue no domínio da boa gestão dos instrumentos financeiros do Estado (o Orçamento do Estado); e) Consequentemente, o R. e aqui Recorrente, Ministério das Finanças e da Administração Pública não tem legitimidade para nessa qualidade ser demandado na ação em apreço como sujeito processual passivo, nos termos dos art. 89.°/d) do CPTA e arts. 288°/1/d), 493.°/1 e 2, 494.°/e) e 495.º, todos do CPC; f) Nos termos do regime delineado no artigo 23°, n° 1 e mapa anexo à Lei n° 21/85, de 30/07, com as alterações introduzidas pela Lei n° 2/90, de 20/01, o reposicionamento indiciário na categoria de juiz de direito constitui um direito dos juízes de 1ª instância a progredir em vantagens remuneratórias crescentes, de acordo com o preenchimento dos módulos de tempo de serviço na categoria legalmente exigidos, independentemente do título ou da qualidade jurídica ao abrigo do qual tal exercício foi cumprido; g) O objetivo da progressão remuneratória em causa não é o de compensar maior responsabilidade ou complexidade das funções que os juízes de direito possam ser chamados a desempenhar, antes apresenta-se como a contrapartida ou o “prémio” pecuniário pelos níveis de experiência profissional adquirida, com o decurso do tempo, no desempenho das funções inerentes à magistratura judicial; h) Por outro lado, dos preceitos dos artigos 23°, 40° a 42° do EMJ e mapa anexo, conjugados com o regime decorrente dos artigos 52° 53°, 54° e 68° e 70° da Lei n° 16/98, de 8/04 (LCEJ) resulta que o termo a quo da progressão indiciária prevista no EMJ ocorre com a nomeação dos juízes de direito em regime de estágio, pela qual os mesmos são investidos no exercício, ainda que tutelado, das funções próprias de juiz de direito e logram adquirir o estatuto de juiz de direito; i) Nesta ótica, tendo os representados da A. sido admitidos no CEJ, com o estatuto de auditores de justiça, em 19/05/2003, com o objetivo de frequentar um curso especial de formação específica para recrutamento de magistrados, jamais poderiam ter completado o módulo de três anos na data de 1/04/2004, a que pretendem reportar o seu reposicionamento no índice 135; j) Deste modo, a interpretação realizada pela decisão judicial recorrida, na medida em que desatende ao cumprimento do critério de antiguidade exigido, substituindo-o pelo critério de provimento, não obtém a mínima guarida no quadro legal aplicável; k) Acresce que a regra de contagem da antiguidade constante do artigo 180°, n° 1 do EMJ não interfere com a regra de contagem do tempo de serviço para progressão na escala indiciária, posto que são, pelo seu regime e finalidades, institutos distintos que não se cruzam; l) É ponto assente que não existe diferença de regime aplicável aos módulos de tempo necessários para a progressão indiciária prevista no EMJ, seja para juízes dos cursos normais seja para juízes dos cursos especiais; m) Como também não existe diferença de regime aplicável aos módulos de tempo necessários para a progressão indiciária prevista no EMJ, entre os juízes em regime probatório, e os juízes com investidura definitiva nas suas funções, ou seja, em regime de efetividade; n) De facto, conforme se referiu atrás, o critério de diferenciação remuneratória plasmado na escala indiciária dos juízes de direito não assenta na natureza ou quantidade do trabalho produzido, sequer na qualidade deste no título ou modo de exercício das funções de magistrado judicial. Antes, baseia-se na experiência profissional adquirida pelo juiz, premiando os presumíveis ganhos de eficiência e qualificação funcional que o cumprimento de determinado módulo de tempo de serviço potência no exercício do mesmo tipo de funções; o) Todavia, do estatuto jurídico-funcional do juiz de direito não se extraem diferenças substanciais na prestação funcional, consoante se encontre em regime de estágio ou em regime de efetividade, em termos que permitam concluir pela ocorrência de “mudança de categoria” ou uma “mudança qualitativa do estatuto profissional “ na transição entre estas duas situações; p) Na verdade, a nomeação do juiz de direito em efetividade não determina a sua investidura em funções jurisdicionais de natureza diversa ou com responsabilidade muito distinta daquelas que lhe foram confiadas em situação de estágio (cf. artigo 3º, n° 1 do EMJ e artigos 70° e 71° da Lei n° 16/98); q) Como tal, não se descortina que o critério normativo extraído da aplicação cotejada dos artigos 22°, 23° e mapa anexo à Lei n° 21/85, configure tratamento desigual a nível salarial entre magistrados judiciais com a qualidade de juízes de direito, passível de traduzir violação do princípio da igualdade condensado nos artigos 13° e 59°, n° 1, alínea a) da CRP.

r) Assim sendo, a solução interpretativa propugnada pela sentença recorrida, na medida em que promove a interpretação corretiva ou mesmo abrogante dos referidos preceitos legais sem o mínimo apoio no respetivo enunciado textual, exorbita da função jurisdicional e inverte o equilíbrio retributivo que enforma a escala indiciaria prevista para a magistratura judicial; matéria que apenas pode caber na liberdade de conformação legislativa do Estado- legislador.

O R. Ministério da Justiça concluiu da seguinte forma: 1º. O Recorrente mantém que a pretensão da Recorrida não pode proceder, sob pena de se fazer uma interpretação da lei contrária à sua letra e ao seu espírito, violando as mais elementares regas e princípios de interpretação, vertidos no art. 9° do C. Civil.

  1. De acordo com a sentença, os representados do Recorrido foram nomeados auditores de justiça com efeitos a 19 de Maio de 2003 e a sua passagem ao índice 135 ocorreria menos de 1 ano após o ingresso.

  2. Ora, as regras aplicáveis ao caso prevêem exatamente o contrário: a passagem de índice ocorrerá apenas após 3 anos de exercício de funções (para além do requisito da classificação), como expressamente resulta do Mapa anexo à Lei 21/85, de 30 de Julho, que aprovou o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), que sai violado pela sentença.

  3. No mesmo sentido militam outras regras, como a que estabelece que os juízes ingressam em comarcas de primeiro acesso, só podendo ser transferidos para acesso final após 3 anos sobre a primeira nomeação (arts. 42°, 1 ou 43°, 2 EMJ).

  4. Para a decisão do litígio é irrelevante saber-se se a passagem do índice 100 ao índice 135 constitui uma progressão, como sempre se tem entendido, ou uma promoção, como ora o Recorrida defende e a sentença sufraga.

  5. Assim não considerou a sentença, ao considerar que “os representados da A. ao ser (sic) nomeados juízes de direito, em efetividade, em 1.4.2004, deveriam, por terem deixado de se encontrar na fase de ingresso, por efeito de promoção, ter passado a ser remunerados pelo índice 135”.

  6. A fase de ingresso não é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT