Acórdão nº 1086/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | LINA COSTA |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Ministério da Administração Interna (MAI) – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras devidamente identificado nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, como Entidade demandada, instaurada por I…..
, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 7.8.2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgando a acção procedente, anulou a decisão da Sra. Directora Nacional do SEF de 27.2.2020 e condenou a Entidade demandada a instruir o procedimento, designadamente com informação actualizada quanto às condições de acolhimento dos Requerentes de Asilo pelo Estado Italiano, para efeitos de aplicação do disposto no Artigo 3.º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «A. A questão que se impõe julgar é tão só saber se o ato praticado pelo Recorrente, é ilegal por deficit de instrução, concretamente pela omissão de averiguação de eventual existência de falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo em Itália, constituindo estas, razões sérias e verosímeis de que o requerente corre risco sério e real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, factos públicos notórios a que se alude no artigo 3º do regulamento (EU) nº 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.
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Sendo que a concluindo-se pela existência de deficit no sistema de asilo em Itália, ser o recorrente condenado a instruir, nos termos gerais, o procedimento de asilo.
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Com a devida vénia, a entidade Recorrente discorda in totu da motivação, decisão e condenação explanada na Sentença quanto à verificação dos fundamentos que no entendimento do douto tribunal “a quo” sustentam o deferimento do requerido pelo ora Recorrido na sua p.i..
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Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice fez uma interpretação incorreta do quadro legal que rege o mecanismo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Vejamos então, E. O recorrido formulou pedido de proteção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do ora recorrente, o qual foi seguido de uma entrevista pessoal realizada em 29 de Janeiro de 2020 nas instalações do SEF, em conformidade com o nº 6 do art.º 5º do Regulamento Dublin, onde expôs as razões do pedido bem como o percurso efetuado desde que saiu do seu país de origem e passagem por Itália, até chegar a Portugal.
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Na pendência da entrevista, que se encontra documentada e como tal provada a fls. 16 a 22 do procedimento administrativo, e após consulta do Sistema EURODAC, foi rececionado um acerto com o Case ID “…..”, inserido pela Itália., conformando que já havia sido efetuado pedido de proteção internacional nesse Estado.
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Ora perante esta informação, o SEF, nos termos do artigo 37º, nº 1, e com sustento no mencionado registo EURODAC, solicitou às autoridades congéneres Italianas a retoma a cargo, ao abrigo do art.º 18º nº 1 b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), as quais tacitamente aceitaram em conformidade com o disposto no art.º 25º nº 1 e 2 do Regulamento Dublin.
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Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo Regulamento Dublin, quer pela Lei de Asilo em vigor, a entidade Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão, considerando o pedido inadmissível nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de asilo), determinando a transferência do ora recorrido para a Itália, conforme plasmado no art.º 37º, nº 3 da Lei de Asilo, decisão que o visado (o ora recorrido) viria a impugnar junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o qual por Sentença datada de 07 de Agosto de 2020 entendeu julgar procedente a ação impugnatória.
I. Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objecto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.
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Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).
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Estatui a alínea a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de junho, que “O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV”.
L. Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no art.º 36º que “quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo” M. Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, “a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro” as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um procedimento especial” de acordo com o previsto no Regulamento (EU) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho” N. Definido o Estado-Membro responsável com a aceitação tácita dessa responsabilidade, ao SEF impõem-se por força do nº 2 do art.º 37º da lei de asilo a prolação da decisão nos termos da al. a) do nº 1 do artº 19º-A do mesmo diploma, que julga inadmissível o pedido de proteção internacional e ordenando a transferência do requerente para o Estado Responsável. (vide neste sentido os Acórdãos do TCAS de 7.2.2019, Proc.º 1635/18.0BELSB, e de 21.2.2019, Proc.º 1740/18.3BELSB.) O. Também na esteira do que vem defendido nos Acórdãos supra, tem entendido o Tribunal de Justiça da União Europeia que “No caso de um Estado Membro ter aceitado a tomada a cargo de um requerente de Asilo (…) este só pode pôr em causa a escolha desse critério se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro que constituam razões serias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do art.º 4º da Carta dos direitos Fundamentais da união Europeia”, (vdie Ac. do TJ de 10.12.2013, no âmbito do processo C-394/12.) P. Ora, compulsados os Autos parece evidente que à semelhança do que vem sendo defendido nas altas instancias judiais, o ora recorrido nada consubstancia ou expende, em termos concretos, quanto ao risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, razão porque não faz sentido acionar a cláusula de salvaguarda, entendimento contrário ao que vem sustentado na sentença proferida pelo tribunal a quo. Se não vejamos, Q. O recorrido formulou um pedido de anulação da decisão do SEF, a qual, em suma, ordenou a sua transferência para Itália por considerar que as autoridades italianas são as competentes para decidir o mérito do p.p.i., bem como formulou um pedido de condenação do SEF a proferir nova decisão que reconheça o Estado Português como competente para decidir o mérito do p.p.i., com base na comummente designada “cláusula de salvaguarda” prevista no 2.º§ do n.º 2 do art. 3.º do Reg. de Dublin ou, subsidiariamente, a condenação da Administração na instrução com informação sobre o funcionamento do procedimento de asilo e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.
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No caso sub judice e como não poderia deixar de ser o pedido de proteção internacional foi tramitado nos termos previstos nos artigos 36.º e ss. da Lei n.º 27/2008, de 30-6, tendo em vista determinar o Estado responsável pelo p.p.i..
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É que, de acordo com os critérios previstos no comummente designado Reg. Dublin, que é o diploma europeu que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num Estado-Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida – cf. n.º 1 do art. 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30-6, só um Estado, poderá ser, a final, considerado responsável pela análise do pedido.
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Vejamos, então, o que dispõe o mencionado Reg. Dublin: • No n.º 1 do art. 3.º determina-se que «[o]s pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável» (correspondente aos artigos 7.º e ss.).
• No n.º 2 do mesmo art. 3.º estabelece-se que «[c]aso o Estado-Membro não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de protecção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.».
• No 2.º § deste n.º 2, dispõe-se, porém, que «[c]aso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável».
• Por fim, dispõe o 3.º§ do n.º 2 que «[c]aso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo...
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