Acórdão nº 868/20.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA MARTINS
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO J..., cidadã da República Democrática do Congo, melhor identificada nos autos, instaurou acção administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, pedindo “nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 25º da Lei do Asilo, que declare a acção procedente, anulando a decisão do MAI-SEF e concedendo à A. a autorização de residência por protecção subsidiária, nos termos do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 7º da Lei do Asilo.” Por sentença do Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa, de 05.06.2020, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido.

Inconformada com tal decisão, a Autora recorreu da mesma.

* Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: A. O artigo 7º da Lei do Asilo, concede aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3º da mesma Lei, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por proteção subsidiária, nos casos em que estejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

B. Determinando a alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito que se considera ofensa grave “A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.”.

C. Ora, considerando os factos relatados pela A. que a obrigou a si e ao seu marido a abandonarem a sua residência, a separarem-se dos seus filhos e, no caso da A., a deixar o seu país, para que não fosse detida ou sujeita a represálias por parte dos militares das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) que pusessem em risco a sua integridade física ou a sua vida, se pode concluir existir um risco evidente de que a A. sofra ofensa grave por parte desses mesmos militares caso regresse ao seu país.

D. Efectivamente, ao contrário do que foi considerado pela douta sentença “a quo”, apesar de a perseguição ao seu marido se ter desencadeado na sequência de negócios realizados entre ele e os militares das FARDC em nada obsta a que em virtude disso, a A. e a sua família se encontre em risco de sofrer ofensa grave.

E. Efectivamente, e tal como se comprova pelas recorrentes notícias publicadas em diferentes sites (cfr ponto 18. Supra), vive-se actualmente um clima de instabilidade e conflito armado interno na República Democrática do Congo e a forma como as FARDC têm vindo a actuar em distintas situações são um indício da prácticas que atentam contra os direitos humanos.

F. O que consubstancia, por si só, um risco de a A. sofrer uma ofensa grave, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 7º da Lei do Asilo, principalmente sabendo da existência de um conflito entre os militares das FARDC e o seu marido e tendo sido ambos já perseguidos por aqueles.

G. Pelo que existe um fundado receio por parte da A. de voltar ao seu país de origem.

H. Por outro lado, considerou a douta sentença do tribunal “a quo” que a A. não provou os factos alegados, o que desde já se considera não ser verdade.

I. Efectivamente, a A. prestou declarações junto do SEF, tendo colaborado durante a entrevista para esclarecer todas questões suscitadas.

J. Não tendo o SEF, requerido nenhuma entrevista adicional para esclarecer qualquer dúvida, como se sugere no ponto 199 do Manual de Procedimentos do ACNUR.

K. E ainda que assim não se considerasse, estabelece o ponto 196 do Manual de Procedimentos da ACNUR que “Constitui um princípio geral de direito que o ônus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, é possível que um solicitante não consiga ser capaz de fundamentar as suas declarações em provas documentais ou outros meios. Casos em que o solicitante conseguirá fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a exceção do que a regra. Na maioria dos casos, após fugir de uma perseguição, uma pessoa chega apenas com o indispensável e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Desse modo, apesar de, a princípio, solicitante deter o ônus da prova, o dever de certificar e avaliar todos os fatos relevantes é repartido entre ele e o examinador. De fato, em alguns casos, caberá ao examinador a utilização de todos os meios disponíveis para a produção dos elementos de prova necessários à instrução do pedido. No entanto, nem sempre essa investigação independente terá sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer crível, deverá ser concedido ao solicitante o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para pensar o contrário.

L. Pelo que, deverão considerar-se como provados os factos alegados pela A. e em consequência considerar que existe um fundado sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte da A.

Devendo assim considerar-se estarem preenchidos os pressupostos do regime do direito a residência por protecção subsidiária, de acordo com o estabelecido no artigo 7º da Lei do Asilo.

* O Recorrido, devidamente notificado, não contra-alegou.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, regularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

* Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA e 37º nº 5 e 84º da Lei 27/2008, de 30/6, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.

* II - OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 7º da Lei do Asilo e o estabelecido no Manual de Procedimentos da ACNUR (pontos 196 e 199).

* III – FUNDAMENTAÇÃO De Facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, que se mantêm: 1 - A Autora nasceu em Kinshasa, na República Democrática do Congo, onde viveu até ao seu casamento (acordo).

2 - Aos 28 anos, após contrair matrimónio, foi viver com o seu marido para a província de Kivu, em Bukavu, onde residiram com os seus 4 filhos até à data em que a A. deixou a República Democrática do Congo, no dia 3 de Maio de 2015(acordo).

3 - No dia 11 de Janeiro de 2015, os militares das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) mataram um amigo do marido da A. com quem este trabalhava na venda de oiro e coltan (acordo).

4 - Sabendo da relação de proximidade da vítima com o marido da A. e tendo os militares anteriormente feito negócios com a vítima, começaram a perseguir o marido da A. tendo, inclusivamente, aparecido na sua residência para o procurar, duas semanas após a morte da vítima e voltando mais tarde novamente (acordo).

5- Chegada ao Brasil, em 2015, a A. pediu asilo, tendo o seu pedido sido aceite, sendo portadora de um passaporte para estrangeiros emitido pelas autoridades brasileiras que se mostra junto ao p.a..

6 - A A. residiu no Brasil, numa favela do Rio de Janeiro, desde 2015 até vir para Portugal.

7- A vinda do Brasil para Portugal ocorreu em virtude de a A. ter sofrido ameaças de morte por parte de um bandido residente na mesma favela em que vivia e que pretendia com ela estabelecer uma relação amorosa, sendo que, face à recusa da A. em ceder ao seu desejo, a ameaçou com uma faca.

8 - A ora Requerente apresentou-se no Posto de Fronteira, sito no Aeroporto Humberto Delgado, Lisboa aos 09/03/2020.

9 - Por não ser titular de documento de viagem reconhecido como válido, foi-lhe recusada a entrada em território nacional, nos termos do art.º 32º, nº 1, al. a) e 9º da Lei n.º 23/2007, de 4/7, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/12 de 9/8.

10 - Na sequência da notificação da decisão de recusa a ora Requerente solicitou ao Estado português proteção internacional.

11 – A decisão impugnada é do seguinte teor: Processo de Proteção Internacional N.º 440J/20 De acordo com o disposto nas alíneas e) do n.º 1, do artigo 19º, e no n.º 4 do art. 24º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 108/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º 557/GAR/2020 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pela cidadã que se identificou como J..., nacional da República Democrática do Congo, infundado.

Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por proteção subsidiária apresentado pela cidadã acima identificada, infundado.

Notifique-se a interessada nos termos do nº 5 do art.º 24º da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio.

Oeiras, 18 de março de 2020 O Diretor Nacional Adjunto J… 12 – Da Informação nº 557/GAR/20, elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, com base na qual foi proferida a decisão impugnada, consta o seguinte: Pergunta (P). Relativamente a informação prestada compreendeu tudo? Resposta(R). Sim.

  1. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.

    Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Falo lingala, um pouco de português e francês.

  2. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em lingala P. Tem advogado? R. Não.

  3. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho...

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