Acórdão nº 8250/15.9T8VNF.G1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelABRANTES GERLADES
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Foi interposto recurso extraordinário de revisão do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito da ação declarativa interposta por AA, BB, CC e DD contra EE e FF Alegaram os RR. recorrentes que desconheciam a existência de documentação que traduzia a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal em termos que permitem reconhecer os limites das frações “J” (dos AA.) e K (dos RR.) tal como se encontram fisicamente implantadas.

Referiram os recorrentes que: Para cumprimento do acórdão transitado em julgado perguntaram a um engenheiro civil se, em relação às frações "J" e "K", podiam fazer a obra de demolição da parede que as divide desde a construção, assim como erguer uma nova de acordo com o título constitutivo.

No decurso do processo de licenciamento das obras, o engenheiro contratado pelos RR. deu-lhes conta de que afinal o último projeto aprovado para o prédio já contemplava a divisão das frações "J" e "K" como elas se encontram fisicamente divididas, tendo obtido certidão emitida pelo Município de ..., em 24-6-20, que continha: - o teor da memória descritiva de um aditamento apresentado pela construtora do prédio, em 12-9-97, relativa “a alterações de áreas de dois estabelecimentos comerciais para o qual foi passado alvará de licença nº 3…52/94”, - o teor da planta com a alterada divisão das frações "J" e "K", - o teor da transcrição da decisão de aprovação, proferida em 6-10-97; - o teor do pedido, apresentado em 12-11-97, de emissão da correspondente licença de construção e da licença para essas obras; - o teor ata nº 4 da assembleia de condóminos, realizada em 30-5-98, cujo ponto 4. da ordem de trabalhos era a "deliberação sobre as alterações à propriedade horizontal referente às seguintes frações: ...

e) fração "J" (dos AA.), passa de 138 m2 para 95 m2; d) fração "K" (dos RR.), passa de 138 m2 para 181 m2”.

Na ata da assembleia de condóminos consta que "quanto ao 4º ponto da ordem de trabalhos, foi referido pelos sócios da Construtora Joanense, Ldª, que assumem as despesas relativas à alteração de escrituras e respetivos registos. Sendo este ponto igualmente aprovado por unanimidade dos presentes." Alegaram os RR. que desconheciam esta documentação, a qual, só por si, é suficiente para modificar o que foi decidido no acórdão recorrido em sentido favorável aos recorrentes, no que respeita à divisão das frações "J" e "K", na medida em que as últimas plantas aprovadas pela Câmara Municipal refletem a divisão dessas frações tal como elas atualmente se apresentam.

Decorre ainda da referida documentação que a alteração das áreas das frações "J" e "K" foi aprovado por todos os condóminos presentes que representavam 908/1000 avos do valor do prédio, sendo que os condóminos ausentes aprovaram essa deliberação de forma tácita, tendo em conta que não reagiram nos 90 dias posteriores à receção da ata, nos termos dos nºs 5, 6, 7 e 8 do art. 1432º do CC.

Os AA. foram notificados para responder e alegaram a extemporaneidade do recurso, uma vez que a ata da assembleia de condóminos realizada em 30-4-98 já existia e estava ao dispor dos RR. designadamente na pendência da ação declarativa. Além disso, o R. recorrente, por carta datada de 20-10-11, remetida ao Condomínio, solicitou a realização de uma reunião extraordinária de condomínio para alterar o destino da fração “K” para habitação, pelo que em data anterior já havia consultado o processo camarário de licenciamento das obras no prédio.

Além disso, a ata de 30-4-98 é insuficiente para modificar o sentido do acórdão recorrido, já que não foi aprovada nem assinada por todos os 27 condóminos dos blocos A, B e C, ou seja, pela unanimidade do capital investido, nos termos do art. 1419º, nº 1, do CC.

Os condóminos que assinaram e aprovaram a ata autorizaram a alteração de áreas nas frações “J” e “K”, desde que a Construtora Joanense, Ldª, cumprisse condições que integravam a obtenção de alvará de licença de construção com as áreas constantes da ata (fração K passaria de 138 m2 para 181 m2), iniciasse e concluísse as referidas obras nos prazos legais e com respeito pelas áreas constantes da mesma ata, requeresse o alvará de licença de utilização nos prazos legais, solicitasse a realização de uma vistoria camarária à obra, para aferir da conformidade das obras com o projeto aprovado e as áreas constantes da ata e agendasse uma nova reunião de condóminos para aferir do cumprimento da autorização por parte Construtora Joanense, Ldª, devendo constar da nova deliberação o acordo de todos os 27 condóminos no sentido de se conferirem poderes para o administrador para outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. Implicava ainda que alterasse as áreas constantes do título constitutivo de propriedade horizontal através da realização de uma nova escritura publica ou documento particular, alterasse as áreas junto das Finanças (Modelo 1 do IMI) (arts. 31º e ss. do CRP) e da Conservatória do Registo Predial (arts. 28º e ss. do CRP). Porém, a referida Construtura Joanense, Ldª, apenas cumpriu a condição relacionada com o licenciamento camarário.

Os RR. recorrentes foram notificados para exercer o contraditório, tendo infirmado o conhecimento anterior da existência da ata da assembleia de condóminos.

Alegaram ainda que não se mostrava necessária a unanimidade dos condóminos, mas apenas a unanimidade dos condóminos presentes, desde que fossem representativos de 2/3 do capital investido, sendo que os anteriores proprietários das frações J e Q, que agora são dos AA. votaram a favor.

A solicitação dos AA. recorridos foram solicitados ao Município de ... elementos relacionados com o processo de licenciamento das obras nas frações “J” e “K”.

Colhidos os vistos, importa decidir ao abrigo do art. 700º, nº 1, do CPC.

II – Antes de mais, importa fazer o resumo da ação declarativa e do que nela foi decidido com trânsito em julgado: Os AA. pediram nessa ação, além do mais, que: - Fossem declarados proprietários de duas frações autónomas (“J” e “Q”) de um edifício em regime de propriedade horizontal e a condenação dos RR. a reconhecê-lo, a absterem-se de aí praticarem qualquer ato perturbador desse direito; - Que os RR. fossem condenados a pagar aos AA. a quantia necessária à demolição das paredes que delimitam as suas frações “K” e “R” das frações dos AA. e à reconstrução das mesmas, em observância das áreas correspondentes a essas frações nos termos que constam do título constitutivo da propriedade horizontal; - Condenação dos RR. a pagar-lhes uma indemnização por força da privação do uso das aludidas frações.

Alegaram que, por contrato de compra e venda, a 1ª A. e o seu falecido marido, GG (de quem as AA. BB e DD são filhas), adquiriram duas frações autónomas, uma para comércio e outra para garagem, (“J” e “Q”) e que os RR. adquiriram duas frações (“K” e “R”) autónomas adjacentes àquelas, mas ocupam parte da fração destinada a comércio (“J”) e a totalidade da fração destinada a garagem (“Q”), ocupação que ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das frações.

Os RR. contestaram e alegaram terem adquirido as suas frações “K” e “R” no exato estado em que as mesmas se encontram e que vêm praticando atos de posse sobre todas as áreas que ocupam, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respetivas paredes, por via de usucapião.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e: - Declarou que os AA. são proprietários, em comum, das frações "J" e "Q", descritas na CRP de … sob os n° 248/… - J e nº 248/… - Q, com as áreas, respetivamente, de 138 m2 e de 41 m2; - Condenou os RR. a absterem-se da prática de qualquer ato perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas frações "J" e "Q", na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e de 41 m2, respetivamente; e - Condenou os RR. a demolirem e a reconstruírem as paredes divisórias das frações "K" e "R", restituindo aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração "Q" e os 48 m2 da fração "J".

Os RR. apelaram e a Relação julgou procedente o recurso e revogou a sentença, absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados.

Os AA. interpuseram recurso de revista, tendo sido proferido por este Supremo Tribunal de Justiça acórdão que, revogando o acórdão da Relação, julgou a ação parcialmente procedente, de modo que: a) Se reconheceu aos AA. a qualidade de proprietários das frações “J” e “Q”, com os limites que resultam do título constitutivo da propriedade horizontal; b) Foram os RR. condenados a absterem-se de praticar qualquer ato perturbador desse direito de propriedade, na parte respeitante às áreas que integram as frações “J” e “Q” e a devolverem essas áreas aos AA.; c) Foi determinada a remessa dos autos à Relação a fim de ser apreciada a apelação interposto pelos RR. na parte relativa ao pedido dos AA. de condenação dos RR. na demolição e reconstrução de paredes decretado pela 1ª instância; d) Foi ainda determinado que a Relação apreciaria a questão que AA. suscitaram no recurso de apelação subordinado relacionada com o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização pela privação do uso.

Como decorre do relato precedente, na ação declarativa estava em causa a titularidade e as áreas correspondentes a duas frações dos AA.

J e Q, respetivamente confinantes das frações K e R dos RR.

Sucede que no presente recurso extraordinário os RR. apenas vieram questionar o caso julgado formado relativamente ao decidido acerca da sua fração K que confina com a fração J, dos recorridos, com exclusão, pois, do que respeita às frações Q e R.

III – Elementos a ponderar: No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos com interesse para a apreciação do presente recurso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT