Acórdão nº 594/19.7T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Santa Casa da Misericórdia de …, instituição particular de solidariedade social, instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra J…, pedindo que este seja condenado a pagar a comparticipação familiar devida desde março de 2017 no âmbito de contrato de prestação de serviços pela integração em Lar da sua tia, no valor global de € 6.841,50 [€ 6.578,00 de capital e € 263,50 de juros vencidos], acrescida dos juros vincendos.

O réu contestou, contrapondo que o referido montante não é devido em virtude de a autora não ter procedido à revisão anual do valor a pagar, nos termos legais e estatutariamente impostos, e invocou também a diminuição da sua capacidade financeira por força de problema de saúde (oncológico) que lhe foi, entretanto, diagnosticado.

Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, face ao valor da ação e à “simplicidade da causa”.

Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformada, a autora apelou desta decisão, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1ª - Devem ser aditados à matéria assente os seguintes factos:

  1. Pelo contrato celebrado em 1-7-2012 e do Termo de Responsabilidade anexo subscrito pelo R. este obrigou-se a pagar a comparticipação familiar de 364,00 euros.

  2. Comprometeu-se a comparticipar mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, com a quantia de 210,00€ a título de comparticipação familiar como descendente herdeiro ou responsável.

  3. Quantia esta que seria revista e/ou actualizada aquando dos aumentos das Pensões de Reforma e sempre que a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de … o determinasse, de acordo com o estipulado no Regulamento Interno.

  4. O montante de 210,00€ referido em c) foi posteriormente actualizada e era de 253,00€ mensais pelo menos desde Janeiro de 2017.

  5. Em 21-02-2012, cerca de 15 dias antes de ser admitida no Lar, a utente M… outorgou escritura pública na qual declarou vender a Ma…, pelo preço de 9.500€ um prédio misto composto de casa de habitação, logradouro e terra de cultura arvense com o valor tributário de 9.149€ f) Ma… é companheira do R., vivendo com ele em união de facto (declarações da própria, como testemunha do R. adiante transcritas).

    1. - Deve ser alterada a redação do ponto nº 11, nos termos seguintes: o R. suspendeu o pagamento da comparticipação familiar de descendente e/ou herdeiro depois de ter comunicado à A. que o fazia por esta não converter as alterações contratuais em adendas nem lhe comunicar por escrito essas alterações e por considerar que a mensalidade da utente estava muito acima dos valores afixados no Preçário para a admissão de “novos utentes”, sendo que, após ter deixado de pagar alegou junto da A. que não tinha condições para o fazer.

    2. - A obrigação do R. reclamada neste processo radica no Termo de Responsabilidade por si assinado em 1-7-2012 cuja validade não foi questionada.

    3. - Sendo certo que não haveria qualquer ilegalidade no facto de poderem aí constar obrigações mais amplas do que as que resultam da estrita aplicação do disposto na Portaria nº 196-A/2015, publicada vários anos depois, mesmo se desta pudesse retirar-se que a A. estaria obrigada a proceder anualmente à revisão da prestação apesar de se consignar naquele diploma a obrigatoriedade de a dita prestação contar de acordo escrito.

    4. - Ao liberar o R. do seu cumprimento a sentença violou o disposto no artigo 762º nº 1 do Código Civil.

    5. - Tratando-se de obrigação contraída no âmbito de um contrato de prestações recíprocas, de execução continuada, e não tendo a R. em momento algum deixado de prestar o serviço a que se tinha obrigado, não era lícito ao R. deixar de cumprir a obrigação que fora contratada como contrapartida daquele serviço.

    6. - E uma vez que se tratava de uma prestação obrigatoriamente constante de acordo escrito, poderia aquele, quando muito questionar judicialmente a validade do referido acordo e consequente obrigação de satisfazer a prestação, mas sem interromper o seu cumprimento, uma vez que também a A. não podia interromper o cumprimento da prestação a que estava obrigada.

    7. - Efectivamente, a invocação pelo R. da excepção de não cumprimento do contrato é ilegal e violadora do disposto no artigo 428º do Código Civil porquanto, dada a natureza contínua do serviço prestado, a A. não podia correspondentemente suspender a sua prestação até ser definida judicialmente a situação.

    8. - Porém o próprio A. tinha reconhecido na carta enviada à A. que o pagamento da referida prestação constituía obrigação sua, que tinha vindo a cumprir não obstante a invocada falta de notificação escrita.

    9. - Assim, não há dúvidas quanto à exigibilidade da obrigação do R. e quando muito poderia questionar-se a necessidade da sua liquidação (na hipótese de ser obrigatória a sua revisão anual de acordo com a capacidade económica do agregado familiar).

    10. - De facto a exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento e não há qualquer dúvida de que o R. está obrigado a satisfazer a sua prestação até ao dia 8 de cada mês.

    11. - Porém a eventual inexigibilidade da obrigação conduziria à absolvição da instância e não à absolvição do pedido, não impedindo que, removidos os obstáculos que se consideraram fundamento da inexigibilidade a A. pudesse propor nova acção contra o R. reclamando o pagamento da prestação a que se encontra vinculado.

    12. - Daí que se porventura fossem desatendidos os argumentos da recorrente no sentido de que o R. deverá ser condenado no pedido já neste processo, restaria a absolvição do R. da instância, mas não do pedido.

    13. - A decisão recorrida sustenta-se na mesma argumentação que foi utilizada pela Segurança Social na resposta a uma reclamação do R. apresentada já no decurso deste processo, ignorando o facto de a prestação em causa (contribuição de responsável pelo utente) ter uma natureza estritamente contratual, ter de ser obrigatoriamente fixada por acordo; 15ª - Sendo uma prestação obrigatoriamente estabelecida por acordo das partes (ponto 11.2.5 do Anexo à Portaria) não seria possível impor que as partes alcancem anualmente uma revisão por acordo bilateral, muito menos podendo tal “acordo” ser imposto unilateralmente pela A.

    14. - Ao passo que a outra prestação (contribuição do utente) tem natureza estritamente legal/administrativa, consistindo numa determinada percentagem do rendimento do próprio utente, sem qualquer limite máximo.

    15. - Para esta, sim, faz sentido e é obrigatório a Instituição obter anualmente e ter em conta os rendimentos do agregado familiar do utente (neste caso, apenas da própria).

    16. - O Tribunal valorou indevidamente quer o depoimento do próprio R. quer o da testemunha Ma…, não tendo sequer consignado que esta é companheira daquele não obstante o conteúdo explícito das suas declarações nesse sentido.

    17. - Por isso não se entende que com base nessas declarações e não em quaisquer factos provados tenha sido ordenada participação do Ministério Público, tanto mais que parte das declarações do R., atinentes à recusa inicial de admissão da sua tia em acordo de cooperação são desmentidas no ofício da Segurança Social.

    18. - A sentença proferida, aliás em total e absoluto arrepio com a posição do Mmº Juiz que presidira à audiência de conciliação, deverá pois ser revogada e em sua substituição deverá o R. ser condenado no pedido...

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