Acórdão nº 5383/19.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | MOIS |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.
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J…, residente na Rua dos …, em Setúbal, intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra M…, residente na Rua …, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 25.000,00, a título de sinal dobrado.
Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 11 de Setembro de 2018, mediante documento escrito, um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, sito na Estrada Nacional, Quinta do Anjo, pelo preço de 42.000,00 €, tendo entregue, nessa data, a título de sinal, a quantia de 12.500,00€, procedeu à marcação da escritura, como acordado, e a ré não compareceu, incumprindo o contrato.
Citada, a Ré contestou, alegando que o preço de venda acordado foi de € 82.000,00, no entanto, o Autor para “fugir” ao pagamento de IMT e Imposto de Selo, convenceu a Ré que o melhor era assinar o contrato por esse valor de 42.000,00 €, pois o restante, ou seja, 40.000,00 €, seria pago “à parte”, que deveria ter sido liquidado até ao final de dezembro de 2018, o que o Autor não fez. Mais alegou que o Autor bem sabia que havia 2 arrendatários, pelo que era necessário efetuar a notificação dos mesmos para, querendo, exercerem o direito de preferência relativamente à compra do imóvel referido, e que sabia que não era possível efetuar a escritura sem notificação dos arrendatários, sob pena de os mesmos poderem impugnar a compra do imóvel. Por isso, a marcação de escritura no Cartório e a presença do Autor na mesma foi apenas e, só, uma farsa.
E termina imputando ao Autor o incumprimento do contrato promessa, pedindo que lhe seja reconhecido o direito em fazer sua a quantia recebida a título de sinal.
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Foi proferido saneador-sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.
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Desta sentença veio o Autor interpor o presente recurso, terminando com extensas e complexas conclusões, razão pela qual não serão integralmente transcritas, extraindo-se de relevantes as seguintes: 1.ª A sentença proferida pelo Tribunal a quo e da qual se recorre padece de vício porquanto não interpretou corretamente o Direito nomeadamente no que se reporta o normativo do artigo 442.º do Código Civil; 2.ª Tal incumprimento terá de ser definitivo, não se compadecendo o dispositivo legal com a simples mora por parte do devedor inadimplente; 3.ª A declaração de não cumprimento por parte do devedor, ainda que tácita, tem sido entendida, pela doutrina e pela jurisprudência como relevante para efeitos de conversão da situação de mora em incumprimento definitivo; 4.ª A resolução do contrato-promessa pressupõe regulamentação especifica prevista, nomeadamente, no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, sendo necessário que se verifique incumprimento definitivo para que possa o promitente fiel acionar o mecanismo do sinal; 5.ª Em 14 de janeiro de 2019, o ora recorrente enviou à Ré missiva, conforme facto provado na al. f) da sentença recorrida, conferindo àquele prazo de 12 dias para que procedesse ao envio da documentação necessária à outorga da escritura; 6.ª Mais a advertiu que, findo tal prazo, incorreria em incumprimento definitivo; 7.ª Conforme matéria provada na al. h) da sentença proferida pelo tribunal a quo o ora recorrente, em março, comunicou à recorrida data, hora e local da marcação da escritura. Novamente lhe concedendo prazo para envio da documentação necessária para outorga da escritura; 8.ª Novamente a advertiu que, o incumprimento o levaria a acionar os mecanismos contratualmente estipulados e legalmente previstos por força do incumprimento definitivo; 9.ª Por duas vezes (14 janeiro e 28 de março de 2019) o Recorrente interpelou a Recorrida para o cumprimento; 10.º Preenchido está o n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil; 11.º Esta nada fez, o que culminou com a falta à escritura sem qualquer motivo justificativo e envio de uma missiva na qual informava que pelo preço acordado não iria cumprir; 12.º Pois que dizer que “mantém o interesse” não seria certamente no contrato outorgado, mas sim noutro qualquer por si ficcionado! Um que previa o dobro do preço e a venda do prédio onerado com contratos de arrendamento! 13.ª A declaração de não cumprimento do contrato releva para efeitos da conversão da mora em incumprimento definitivo; 14.ª A declaração tácita encontra-se prevista no artigo 217.º n.º 1 in fine do Código Civil, podendo ser a declaração que se “deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.”; 15.ª A conduta da Recorrida, não só com a sua missiva de 15 de abril, mas também como os anteriores incumprimentos, apresenta-se como manifestamente incompatível com o cumprimento do contrato prometido; 16.ª Termos nos quais não poderia ser exigido ao Recorrente, no critério do bonus páter-famílias que não entendesse os vários comportamentos da Recorrida como levando ao incumprimento definitivo do contrato; Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo anulada e substituída por outra na qual se declare resolvido o contrato promessa pelas partes outorgado, condenando-se a Recorrida na devolução do dobro do sinal prestado, no montante total de € 25.000,00.
***4. A Ré contra-alegou defendendo a bondade e manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se a Ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda e, em consequência, o Autor tem direito a receber o preço do sinal dobrado, como peticionou.
***III – Fundamentação.
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Matéria de facto.
Na 1.ª instância foi considerada assente a seguinte factualidade (que as partes não questionaram):
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Autor e Ré celebraram no dia 11 de setembro de 2018 um acordo escrito que denominaram de contrato de promessa de compra e venda, no qual a Ré figurava como promitente vendedora e o Autor figurava como promitente comprador; b) Pelo acordo referido em a), a Ré prometeu vender ao Autor, ou a quem ele determinar, que prometeu comprar, livre de quaisquer ónus, hipotecas ou outros encargos, o prédio urbano sito na Estrada Nacional e Rua do Sabugueiro, Quinta do Anjo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número … da freguesia da Quinta do Anjo, inscrito na matriz sob o artigo …; c) O acordo escrito celebrado entre as...
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